Miguel Morgado, deputado do PSD e ex-assessor de Passos: “Não me defino ideologicamente porque a ideologia é uma patologia”

Acredita que o Bloco quer ir para o Governo. E diz que BE  e PCP estão a tolerar o maior corte no investimento público de que há memória em nome dos compromissos europeus.

Miguel Morgado, nascido meses depois do 25 de Abril, em Setúbal, gosta do que faz. Em seis anos, a sua participação cívica transformou-se em atividade política. Foi assessor de Passos Coelho e saiu daí para vice-presidente da maior bancada da Assembleia da República, a do PSD. Há uma coisa que não mudou: continua a ver-se como um homem da academia. Sobre o futuro, a escrita é das poucas coisas que vê como certas. Isso e o desastre da ‘geringonça’.

O que o trouxe à política? 

Havia uma grande curiosidade da minha parte para compreender a realidade política, moral, psicológica e isto vai soar bacoco, como se fosse vindo de um político de carreira – que eu não sou – mas adquiri a consciência de gostar muito do meu país. 

Desde jovem? 

Passei uma adolescência um pouco indiferente a isso. A partir do fim dos anos 90 começo a ficar mais preocupado com os dilemas que Portugal e a Europa enfrentavam. Isso levou-me a dar o passo de compreender e interpretar para também participar. O político não é um vaidoso, mas é natural achar que se tem um contributo especial a dar. É um repto a que não se pode fugir. O Montesquieu escreveu assim sobre a cidadania na Antiguidade: «Nasce-se com uma dívida à pátria que jamais poderá ser paga». 

Mas não entrou logo para um partido. 

Tive convites para entrar na atividade política antes ir trabalhar com Pedro Passos Coelho e rejeitei-os. Depois veio 2009, 2010, 2011 e foram anos críticos. Os tais problemas de final dos anos 90 pioraram.

Quando é que se deu a aproximação? 

O PSD ficou sem liderança depois de perder as eleições em 2009 e apoiei Paulo Rangel. 

Um federalista…

Que eu não sou… Até critiquei a sua indisponibilidade para promover um referendo ao Tratado de Lisboa, algo que também devia ter sido feito com Maastricht. Muita gente se queixa de uma falta de legitimidade. Na altura, houve um défice de discussão pública que só despertou com a crise da zona euro.

Acabou por ficar mais próximo de Pedro Passos Coelho.

Conheci-o um mês depois dele ser eleito líder do PSD em 2010 e fiquei realmente impressionado com a consciência que tinha do estado do país e do tipo de reformas, do tipo de rumo necessário. Não foi o primeiro político com quem me cruzei, mas achei-o excecional e continuo a achar hoje. O ritmo acelerado da circunstância do país apressou a proximidade profissional. 

Passos é o líder mais liberal que o PSD já teve? 

Há uma demagogia barata à volta da questão das ideologias, agravada com a geringonça. Passos é muito mais subtil que os rótulos que lhe tentam colar. Ele olha para cada problema não em nome de agendas ideológicas simplistas. 

As ideologias não ajudam as escolhas de quem vota?

Os eleitores não vão à procura de etiquetas, são muito mais inteligentes do que a comunicação social os toma… Eu sempre fui indiferente a essas etiquetas de se ser de esquerda ou de direita, social-democrata ou democrata-cristão. Um partido que promova uma política «de esquerda», esquece que o país precisa de uma política «nacional» e não para uma parte. Ao longo de dois mil anos de história da filosofia política isso chamou-se sectarismo. 

E a ‘geringonça’ levou o PS para aí?

O Partido Socialista antes era um partido de centro-esquerda; agora quer assumir raízes marxistas-socialistas. O caminho mais fácil para esta esquerda evitar confrontar-se com uma falência intelectual foi inventar papões e o papão que se inventou foi o neoliberalismo. Passos Coelho podia ser outra coisa qualquer que lhe chamariam neoliberal de qualquer maneira. Se ele tem abordagens liberais a determinadas políticas públicas, tem; como também tem outras.

E o partido chama-se ‘social democrata’…

O PSD é um partido popular muito grande: tem uma fação católica, uma fação laica, tem uma fação da primazia do mercado na vida económica e uma fação de primazia do Estado pelo menos em questões fundamentais. 

E o Miguel Morgado está onde? 

Eu sou fiel a mim próprio, não pertenço a nenhum grupo. Não deixarei de pensar pela minha cabeça em qualquer circunstância desde que assuma a responsabilidade por isso. É isso que tenho feito. Não sou liberal, nunca fui. A minha carreira académica foi feita com críticas ao liberalismo. Quem achar isso não ouve bem o que eu digo… 

É o Miguel Morgado que não se define ideologicamente ou é a definição ideológica que é demasiado perigosa? 

Eu não me defino ideologicamente porque considero a ideologia uma patologia, já expliquei isso. 

Como é que foi levantar-se pela primeira vez para falar no Parlamento?

Admito que tenha sido diferente para a maior parte dos estreantes. Eu tinha 15 anos de aulas e de experiência a falar para as pessoas. Senti-me mais intimidado a primeira vez que dei uma aula do que a primeira vez que falei no parlamento.

Vindo da sociedade civil e do meio académico, não tendo um percurso na juventude partidária, sente alguma distância da estrutura?

A blindagem que é retratada dos partidos é muitas vezes exagerada. Quem vem de fora pode é não ter paciência para certos rituais que os partidos enquanto organizações precisam de ter. Claro que os partidos cometem erros e há muita coisa para a qual eu não tenho paciência na vida partidária, mas creio que há também uma demonização dos partidos. As intrigas dos partidos são as mesmas que há nas universidades com professores, nos hospitais entre médicos, nas empresas, faz parte… 

Então não vindo da estrutura não sentiu uma distância?

Pessoalmente, nenhuma. 

E isso é um caso excecional?

Talvez, por ter trabalhado diretamente com o presidente do partido. 

Têm uma relação de amizade? 

A relação inicial que estabelecemos foi profissional, mas é tanto tempo e são tantas coisas que se gera uma cumplicidade para lá disso.  

Alguns críticos lançaram a ideia de um problema de comunicação durante os tempos de governo. Havia a sensação que o que corria bem não era muito falado, fazendo com que o pior ganhasse mais relevo…

Passos Coelho foi o primeiro-ministro que mais comunicou ao país as lutas desagradáveis que teria de enfrentar. Os portugueses têm o direito de saber da boca do principal responsável e não com notícias colocadas nos jornais, independentemente dele ficar mais ou menos vulnerável. Ele ganhou as eleições assim… 

Como primeiro-ministro, António Costa expõe-se consideravelmente menos que Pedro Passos Coelho. 

Do ponto de vista dos valores democráticos e republicanos, a abordagem de Passos é superior.