Um movimento ibérico assinou a “Declaração de Lisboa”. A fusão entre o Partido Íber espanhol e o Movimento Partido Ibérico português concretizou-se na sala de reuniões num hotel da capital.
A conferência de imprensa estava agendada “para o final do dia”, noção que até entre países da mesma península tende a variar. “Vamos fazer como se fosse uma conferência de imprensa”, disseram quando foram pedidas declarações. Os ‘iberistas’, perante a ausência de tripé, colocaram uma câmara de filmar amadora numa cadeira e essa cadeira no topo de uma mesa.
“Não somos nem de direita, nem de esquerda”, começaram, tão originalmente, na voz do seu fundador português, Paulo Gonçalves. Depois, a palavra passou para a ponta da mesa. “Precisamos de fazer uma revolução cultural!”, afirmou o fundador espanhol, Casemiro Calderon, ex-autarca e também fundador do PSOE.
A referência maoista ajudou a clarificar as preferências ideológicas do projeto “pan-ibérico”, mas Calderon não ficou por aí. “A globalização vai tirar dez milhões de empregos a todo o mundo; 500 mil postos de trabalho a eletricistas espanhóis. Destrói mais que constrói”. acusou Calderon. O movimento apresenta uma visão eurocética e pretende estender relações com os territórios que partilhem idiomas com a península Ibérica, nomeadamente através da convergência entre a CPLP e a Comunidade Ibero-Americana de Nações. “Se somos inteligentes, iniciaremos uma nova globalização como fizemos nos Descobrimentos. Se votarmos juntos na União Europeia seremos maiores que os franceses!”, defendeu.
Gonçalves apressou-se a sossegar a verve do colega mais velho, que até havia referido as ex-colónias. “Não somos imperialistas, mas queremos que nos devolvam respeito, soberania e solidariedade. A Europa de hoje não é a Europa da sua fundação; está paralisada”. Questionado sobre se as questões independentistas espanholas são um fator de instabilidade a complicar a “articulação constitucional e confederal da Península Ibérica”, como propõe a assinada Declaração de Lisboa, o ativista defende que “enquanto houver pessoas a terem que escolher entre comprar medicamentos ou comer, isso são questões de segundo plano”.
O SOL foi falar com Casemiro Calderon, o membro mais velho da mesa. Um português de roupa toda preta e anel de caveira no dedo traduziu o castelhano. “Estamos preocupados com a situação dos dois países; estamos a ser utilizados pela União Europeia. Não pretendo dizer que não temos parte da culpa, mas as medidas deviam ter sido mais graduadas no tempo”. O político veterano recusa, no entanto, uma vertente nacionalista para a iniciativa. “O nacionalismo só serve para esconder vergonhas e não resolver problemas dos cidadãos. A nação é uma unidade mínima de sobrevivência coletiva”.
Um dos coordenadores do Partido Íber, também totalmente vestido de preto mas sem caveiras, lembrou que foram os portugueses que tiveram esta iniciativa primeiro e que o objetivo não passa por “integrar ou anexar” os dois países. Para o espanhol, o potencial dos idiomas da península Ibérica faz com que “juntas” sejam as línguas mais faladas do mundo. Sobre o facto de, nesse momento, estar um tradutor ao nosso lado, o coordenador afirmou que os “espanhóis conseguem ler português”. “As diferenças não são como entre o chinês ou o alemão”, exemplificou. “Sejamos sérios.”
O SOL sabe que os “iberistas” planeiam candidatar-se às eleições europeias de 2019 com listas distintas mas colaboração estreita.
À saída, Paulo Gonçalves contou ao i que não tem qualquer tipo de passado político. “Sou um técnico de gás de uma aldeia na Covilhã.” Perguntámos que aldeia e Gonçalves preferiu não dizer. “Os credores já perceberam que a gente paga sempre; somos uns tipos porreiros”.
E não pagar seria uma opção? “Não, não é não pagar. É negociar.” Renegociar a dívida, portanto. “Não, também não é renegociar a dívida.” Então? “Antes de estar em dívida, é preciso saber fazer. Quando você entra numa loja para comprar uns sapatos, você paga o preço da loja; se for à fábrica e comprar cinco mil pares de sapatos, quem faz o preço é você. Com os espanhóis, compramos mais sapatos e não é preciso dar tanta graxa à Alemanha”, concluiu numa alegoria que só podia vir de um homem da Covilhã, uma das regiões com maior produção de calçado do país.
Estavam 21 pessoas a assistir à autoproclamada “cimeira”. À porta da sala havia café e água. Lamentavelmente, nada de tapas. Nem sapatos.