Uber atira taxistas contra governo do PS

Executivo prometeu legalizar até ao final do ano as plataformas de transporte. Taxistas falam em concorrência desleal e mantêm a manifestação agendada para dia 10 de outubro.

«Ilegal, inconstitucional e totalmente inaceitável». É desta forma que os taxistas reagem à medida do governo que prevê legalizar as plataformas de transporte Uber e Cabify até ao final do ano. As associações do setor mantém assim a manifestação convocada para dia 10 de outubro e responsabilizam o secretário de Estado Adjunto e do Ambiente, José Mendes, por quaisquer atos de violência que venham a ocorrer durante a paralisação.

«Temos sempre apelado à não violência. Quem foi o principal agressor, incendiário do setor, foi o senhor secretário de Estado, que veio publicamente dizer que os taxistas são vigaristas. O senhor secretário de Estado pode pensar o que quiser, não o pode é dizer porque é um homem do Governo. É a ele que tem de se pedir alguma responsabilidade», afirmou  o presidente da Federação Portuguesa do Táxi (FPT), Carlos Ramos.

«Por menos o João Soares [ex-ministro da Cultura] foi para a rua. Teve foi azar porque se dirigiu a uma elite e a elite saltou em cima. Infelizmente somos taxistas», disse.

Também descontente está a Associação Nacional dos Transportadores Rodoviários em Automóveis Ligeiros (ANTRAL), que já anunciou que vai pedir seis milhões de euros de indemnização por prejuízos num processo contra a plataforma de transporte privado Uber. O processo, de acordo com o presidente da entidade, Florêncio Almeida, vai entrar brevemente nos tribunais.

Na indemnização que vai ser pedida, a ANTRAL exige também que sejam responsabilizadas as autoridades que não impediram a operação daquela plataforma de transporte privado, tal como tinha sido determinado em tribunal.

Em maio, o responsável já tinha afirmado que o tribunal tinha notificado dessa decisão o Instituto da Mobilidade e Transportes, o governo, a Autoridade Nacional de Comunicações (ANACOM), as Câmaras de Lisboa, Porto e Coimbra, e as operadoras de telecomunicações. Segundo as contas da associação, as autoridades em causa estavam a incorrer numa coima diária de 10 mil euros”.

Legalização

O  decreto-lei que regula a atividade das plataformas eletrónicas de transporte de passageiros vai estar sob consulta pública durante 10 dias. «O diploma vem regular o regime jurídico das plataformas eletrónicas que organizam o transporte e, em simultâneo, definir os requisitos de acesso à atividade, que se vai chamar TVDE, transporte em veículos descaracterizados», revelou o ministro do Ambiente, João Matos Fernandes. 

O diploma passa a exigir aos motoristas das plataformas eletrónicas formação inicial no mínimo de 30 horas – os taxistas têm atualmente 125 horas de formação – e um título de condução específico.

Já os carros, que não podem ter mais de sete anos, passam a ter de estar identificados com um dístico, terão de ter um seguro semelhante ao dos táxis e serão obrigados a emitir uma fatura eletrónica.

Os motoristas da Uber ou da Cabify não poderão apanhar clientes que lhes peçam para parar na rua (só podem ir buscar quem os chama através da aplicação) e não poderão usar as praças dos táxis ou os corredores reservados para transportes públicos nas cidades.

As plataformas serão consideradas fornecedores de serviços de tecnologia, mas terão de pedir autorização ao regulador dos transportes para funcionar. Não terão, porém, os benefícios fiscais dos taxistas.

«Os veículos são descaracterizados, mas a identificação com dístico passa a ser obrigatória até para simplificação da atividade fiscalizadora», disse ainda João Matos Fernandes. 

No entender do ministro, com estas regras continuará a haver concorrência, mas «deixará de haver concorrência desleal».

Descontentamento

Os argumentos do governo não convencem os taxistas que chamam a atenção para que o facto do Executivo não estar a promover a igualdade, nem a promover concorrência. «Está a fazer um fato à medida dessas plataformas que a indústria não vai aceitar de ânimo leve», salienta Carlos Ramos.

Uma crítica que recebe apoio da ANTRAL. «Há uma indústria que está a ser espezinhada por uma empresa que apareceu pelas mãos não se sabe de quem e que está a ter o apoio de alguns políticos».

Florêncio Almeida questiona, por exemplo, porque é que o tempo de formação para os taxistas é bastante superior ao exigido para os motoristas que trabalham para as plataformas (125 horas para uns, contra apenas 30 para os outros).

A mesma questão é levantada por Carlos Ramos, da Federação Portuguesa do Táxi, que, no que toca aos preços praticados, pergunta se a nova lei determina qual o valor mínimo do serviço e se permite que as plataformas prestem serviços de valor abaixo do custo para esmagarem o setor do táxi.

O responsável deu outro exemplo ao afirmar que os condutores de transporte público de passageiros têm de ser sujeitos a uma avaliação física e mental e a proposta do Governo «faz tábua rasa» dessa avaliação. «É a lei da selva. Fé em Deus e pé na tábua». acrescentou.

Florêncio Almeida não tem dúvidas: «Não há preços mínimos para eles e vão fazer a cartelização. Vão tentar arruinar o setor dos táxis para depois cobrarem os preços que entenderem.»

Plataformas satisfeitas

A Uber aplaude o avanço que foi dado na regulação e diz que o Executivo «ouviu a grande maioria dos cidadãos portugueses na sua aspiração por uma mobilidade urbana mais moderna em Portugal». Ainda assim, admite que, os taxistas devem manifestar a sua opinião desde que seja em respeito pela ordem e segurança públicas.

Já em relação à proposta regulatória, o diretor-geral da empresa diz que ainda não conhece o documento em detalhe, daí ainda não poder comentar nem fazer avaliações muito específicas. E diz apenas que vê «como um primeiro passo para que Portugal tenha um quadro regulatório moderno e transparente», alinhado com os interesses dos cidadãos e motoristas, e que contribua para cidades mais sustentáveis.

 Já a Cabify lembra que «tudo indica que o Governo vai fazer corresponder ações concretas às declarações que tem vindo a prestar sobre a questão da mobilidade nas cidades, indo ao encontro dos cidadãos e das suas necessidades». Ainda assim, garante que está a aguardar que seja enviada a base do diploma legal «para poder dar o eventual contributo».

O que é certo é que muitos portugueses mostram-se rendidos ao serviço prestado pela Uber. Um inquérito do ISCTE, divulgado em setembro, apurou um elevado grau de satisfação entre os clientes da plataforma com o serviço recebido, o que se traduziu na recomendação desta alternativa de transporte a amigos.

A  perceção de boa qualidade de serviço foi apontada por 99% dos inquiridos, justificando a razão que motivou os utilizadores a usar a Uber pela primeira vez.  Entre os que repetiram a utilização deste serviço, o conforto, destacado por 99%, e a segurança de condução do motorista, mencionada por 96%, foram as explicações mais salientes.

Daí não ser de estranhar que, na altura, 96% dos utilizadores concordassem com a continuação da operação desta plataforma de transporte em Portugal.