A confirmação definitiva da escolha de António Guterres como nome apontado pelo Conselho de Segurança só chega hoje, mas isso não impediu a classe política portuguesa de rejubilar com a notícia. Orgulho é, sem dúvida, a palavra que melhor define o sentimento dos políticos. E felicidade. Tanta que até deixou o Presidente da República sem palavras. Sim, “não há palavras” foi mesmo uma das frases utilizadas por Marcelo Rebelo de Sousa na sua reação à eleição do ex-primeiro-ministro português.
Transparência
O chefe de Estado realçou que esta vitória é “muito boa” para Portugal e para as Nações Unidas, mas foi mais longe. “É uma vitória da transparência na vida política internacional”, afirmou o Presidente da República, acrescentando que venceu quem correu “a maratona” desde o início.
Marcelo defendeu que foi escolhido “o melhor” e deu conta da “coincidência” desta notícia surgir no dia 5 de outubro, dia da Implantação da República: “Não podia ser uma melhor notícia para a democracia portuguesa.” Rebelo de Sousa não poupou sequer no adjetivo para qualificar aquele que é um dos seus amigos mais antigos. “O eng.o António Guterres é, de facto, excecional”, afirmou.
Também o embaixador Seixas da Costa viu no feito de Guterres uma “vitória da transparência”, mas também uma “vitória das Nações Unidas”. “O facto de os candidatos terem tido a possibilidade de se apresentarem publicamente, comparando os seus projetos, sujeitando-se a um exigente contraditório, trouxe à evidência a qualidade relativa dos candidatos”, afirmou o embaixador ao i, explicando que, nos anos anteriores, a seleção era feita “nos corredores”. Desta vez, ganhou o mérito: “Guterres venceu pela sua qualidade e pelo ensejo que este novo método dava aos candidatos.”
Costa emocionado
Quem não escondeu a emoção ao saber da novidade foi o primeiro-ministro. António Costa disse ter recebido a notícia “como português, com enorme orgulho, e como cidadão do mundo, com enorme satisfação”.
Apesar de só depois da votação formal, que se realiza amanhã, se ter a confirmação de que Guterres será o nome indicado pelo Conselho de Segurança, o primeiro-ministro considerou que as palavras do embaixador russo da ONU são “inequívocas” e acredita que “tudo indica que vamos ter a pessoa certa no lugar certo”.
“Eu acho que à sexta votação já ninguém tem dúvidas de que a pessoa mais bem colocada para exercer as funções de secretário-geral das Nações Unidas é o eng.o António Guterres. E isso, como amigo, dá-me uma enorme satisfação”, afirmou, com a voz visivelmente emocionada.
“Orgulho”, “alegria” e “satisfação” foram também as palavras usadas pelo ministro dos Negócios Estrangeiros português. “António Guterres tem a capacidade de estabelecer pontes. Ele vai ser um secretário-geral que representa a voz das Nações Unidas como tal, de todas as nações, de todos os 193 países que fazem parte das Nações Unidas”, afirmou Augusto Santos Silva à Lusa.
Ferro Rodrigues também disse ter recebido a “quase certeza” de que Guterres será o próximo líder da ONU “com enorme satisfação”, adiantando que o português será um secretário–geral “à altura da complexidade dos problemas do mundo atual”. “Espero amanhã [quinta-feira], quando estiver em Bratislava na cimeira de presidentes dos parlamentos da União Europeia, poder festejar a efetiva eleição de António Guterres”, disse o presidente da Assembleia da República.
O antecessor de Marcelo em Belém também não deixou em branco a vitória de Guterres. Cavaco Silva disse estar “particularmente orgulhoso” de uma vitória que se deve ao “mérito” do candidato, mas também “ao prestígio de Portugal no mundo como país facilitador do diálogo entre os povos, defensor da paz entre as nações e do combate à fome e à pobreza, e à eficácia da diplomacia portuguesa”.
Certamente um grande dia para Portugal e talvez também para o mundo, descreveu Jorge Coelho a vitória da candidatura portuguesa nesta sexta votação. “Estou convencido de que António Guterres, como secretário-geral da ONU, vai também promover mudanças que façam com que o mundo possa viver de outra forma bem diferente da letargia que se tem verificado nos últimos anos”, afirmou um dos amigos mais chegados do ex-primeiro-ministro à SIC Notícias.
António Vitorino, por sua vez, realça o facto de ter havido quem tenha tentado manobras de última hora e falhado. “E ainda bem que falharam. Falharam porque António Guterres teve a qualidade e o mérito de barrar o caminho àqueles que queriam que falhasse. Eu acho que as Nações Unidas já devem a António Guterres ter provado com maior transparência, de uma forma mais inclusiva, esse mérito de ter contribuído para um processo que enobrece a ONU”, disse o ex-comissário europeu à SIC Notícias.
Elogio à diplomacia
Para Jorge Sampaio, a vitória de Guterres é mesmo um triunfo “contra manobras de última hora”, numa alusão à candidatura de Kristalina Georgieva. À SIC Notícias, o ex-Presidente disse que Guterres é “uma esperança” e “um sangue novo” para as Nações Unidas, que agora começam uma “nova época”. E destacou o papel da diplomacia portuguesa neste processo. “Somos vistos de uma forma muito positiva, com capacidade de diálogo em todas as direções.”
Também Assunção Cristas sublinhou o papel da diplomacia, considerando que esta “terá feito a diferença”. A líder do CDS ressalvou que é uma vitória não só para o português, mas também para as Nações Unidas, “que escolheram o melhor candidato”. “É algo que honra muito Portugal e que permite continuarmos a afirmar-nos como nação que constrói pontes, consensos, e que procura trabalhar pela paz no mundo.”
A coordenadora do BE concorda que esta é uma vitória para as Nações Unidas, que demonstraram ter conseguido estar “imunes a manobras mais ou menos estranhas”. Para Catarina Martins, Guterres é “um bom nome no reforço da paz, cooperação e desenvolvimento, que as Nações Unidas promovem”.
Passos Coelho foi outra voz no coro de elogios à diplomacia, mas sublinhou também o papel do governo, considerando que foi “relevantíssimo” em todo o processo. Para o líder do PSD, Guterres é “manifestamente o melhor candidato” e vai “encher Portugal de orgulho pela forma como irá exercer o cargo de secretário-geral da ONU”.
Já o PCP fala num “passo importante e quase decisivo” para a eleição do português como próximo secretário-geral da ONU. Ângelo Alves disse à Lusa que o futuro líder das Nações Unidas tem diversos “desafios” e que terá de “contrariar aquilo que tem sido, infelizmente, uma linha de instrumentalização da ONU, nomeadamente pelas maiores potências ocidentais e, nomeadamente, as potências da NATO”.
“É um secretário-geral a sério, que é isso que as Nações Unidas já há algum tempo não tinham.” Foi assim que Ana Gomes definiu António Guterres à SIC Notícias, comparando-o com o atual líder da ONU, Ban Ki-moon. A eurodeputada considerou o socialista um “homem de princípios, de valores”, e “conhecedor da máquina das Nações Unidas”.
Facebook repleto de reações
Foram também muitos os políticos que utilizaram as suas páginas de Facebook para reagir à notícia. “Orgulho Nacional. António Guterres eleito Secretário-Geral da ONU. Um dia histórico para Portugal e um extraordinário triunfo da nossa diplomacia. Uma enorme vitória do humanismo e da decência, uma derrota da Comissão Europeia, da Alemanha e da direita dos golpes baixos. Parabéns, Guterres!”, escreveu o socialista Tiago Barbosa Ribeiro. “Orgulho de ser português e ter um compatriota desta envergadura!! Este é o ano de Portugal! É para mim uma honra e um privilégio ser seu amigo!”, disse Álvaro Beleza.
Paulo Trigo Pereira teve indicações de que a candidatura portuguesa iria sair vencedora, mas isso não retirou a emoção do momento em que teve a confirmação. “Hoje, na manhã do 5 de Outubro, falei com vários diplomatas estrangeiros que me sugeriram que Guterres deveria ganhar. Fiquei otimista. E ganhou! É uma enorme satisfação que um português que poderia ter sido Presidente da República, assim o quisesse, vá assumir, tudo o indica, uma posição cimeira na ONU. Parabéns!”
Nas várias publicações não faltou o sentido de humor. “A votação da ONU é a maior humilhação internacional da Alemanha desde o hat-trick do Sérgio Conceição”, escreveu o bloquista José Gusmão. “E uma pessoa pensava que já não se faziam Cincos de Outubro como antigamente!”, referiu o socialista Pedro Delgado Alves.
Georgieva felicita Guterres
Lá fora, as reações também não se fizeram esperar. Apesar de Bruxelas ter remetido para mais tarde as reações, a principal adversária do ex-primeiro-ministro português e vice-presidente da Comissão Europeia felicitou Guterres pela vitória através do Twitter. “Parabéns a António Guterres, o próximo secretário-geral. Boa sorte em continuar uma agenda ambiciosa para a ONU”, lê-se na publicação. A embaixadora dos EUA na ONU, Samantha Power, referiu no Twitter que o Conselho de Segurança das Nações Unidas esteve “unido” na escolha para o próximo secretário-geral: António Guterres. Aos jornalistas, e citada pela Lusa, a norte-americana reforçou essa ideia: “As pessoas queriam unir-se em volta de uma pessoa que impressionou ao longo de todo o processo e impressionou a vários níveis de serviço.”