Ser Dario Fo é ser Dario Fo até ao fim. Ainda há um mês o dramaturgo (um dos maiores da história do teatro italiano), encenador e ativista, Nobel da Literatura em 1997, tinha feito questão de se juntar a uma manifestação do 5 Estrelas, movimento anti-sistema criado por Beppe Grillo. E depois de há 12 dias ter sido hospitalizado, Dario Fo morreu ontem, aos 90 anos.
Com a sua morte, “a Itália perde um dos seus maiores protagonistas do teatro, da cultura e da vida cívica”, reagiu o primeiro-ministro italiano, Matteo Renzi, ele que várias vezes foi alvo do humor subversivo de Fo. “A sua sátira, o seu estudo, o seu trabalho no teatro, a sua atividade artística multifacetada permanecem o legado de um grande italiano no mundo.”
“Morte Accidentale Di Un Anarchico” (“Morte Acidental de Um Anarquista”, disponível em Portugal na tradução inglesa, “Accidental Death Of An Anarchist”), polémica comédia levada a cena pela primeira vez em dezembro de 1970 no Capannone di Via Colletta, em Milão, tornou-se na sua obra mais conhecida e é hoje considerada um clássico do teatro do século XX que lhe deu ter sido já representado em mais de 40 países tão díspares como o Reino Unido, o Chile, a Roménia, a África do Sul ou o Irão. Baseada em factos reais, ocorridos no ano anterior, conta a história de Giovanni Pinelli, anarquista detido pela polícia depois da explosão de uma bomba no centro de Milão, que levou à morte de 16 pessoas. Quando era interrogado pela polícia, Pinelli ter-se-á atirado de uma janela, versão oficial da história. Porque o que Fo defende, escreveu a peça por isso e repetiu nas entrevistas que deu ao longo dos anos, é que foi assassinado pela polícia. “Há provas consideráveis de que a morte de Pinelli foi assassínio, não um acidente como a polícia contou”, defendeu numa entrevista à revista “Bomb” em 1985, quando a peça chegou a Nova Iorque. “Portanto o título ´Morte Acidental de Um Anarquista’ é irónico.”
Fo nasceu em 1926 em Leggiuno, pequena cidade nas margens do Lago Maior, na fronteira com a Suíça. O seu pai, que trabalhava nos caminhos-de-ferro italianos, era ao mesmo tempo ator amador; o seu avô um camponês que viajava pela Itália rural e atraía clientes para comprar os seus produtos fazendo anedotas das notícias locais. Anos mais tarde, Fo viria a ser chamado para se alistar nas tropas de Mussolini mas conseguiu escapar, vivendo na clandestinidade durante os últimos meses da guerra, até à libertação do país. Depois da guerra, começou a dedicar-se ao teatro, com as primeiras encenações de monólogos improvisados. Ocupação que ocuparia a sua vida inteira.
Além de “Morte Accidentale Di Un Anarchico”, destaca-se entre as dezenas de peças que escreveu – a última delas “C’é Un Re Pazzo in Danimarca” (2015) – “Il Dito nell’Occhio” (1953), o seu primeiro grande sucesso, que satirizava as falsidades históricas sob as quais Mussolini construiu o Fascismo. Peça que contornou a censura mas proibida por alguns padres nas suas paróquias, descrita por Fo como “uma crítica satírica a qualquer assunto em que se possa pensar”. Como, de resto, fez questão que fossem a sua vida e a sua obra, até ao fim.