Há um mês e meio que a comissão parlamentar de Negócios Estrangeiros tenta sem sucesso marcar uma data para ouvir Durão Barroso, Paulo Portas e Martins da Cruz sobre a guerra do Iraque. Mas até agora nenhum dos três mostrou disponibilidade para ir ao parlamento.
“Têm sido propostas várias datas, mas ainda não foi possível marcar um dia”, conta ao i uma fonte da comissão, explicando que o parlamento tem tentado tudo para conciliar as agendas dos antigos governantes que ajudaram a organizar a Cimeira das Lajes. Desde que aprovou o requerimento do PCP para ouvir os responsáveis pela cimeira que serviu de pontapé de saída para a guerra do Iraque que a comissão tem usado todos os meios para contactar Durão, Portas e Martins da Cruz. Já seguiram cartas e emails, e nos últimos tempos têm sido vários os telefonemas. Tudo na tentativa de os trazer à Assembleia da República. Mas sem sucesso.
Durão Barroso, Paulo Portas e Martins da Cruz não são legalmente obrigados a depor perante a Comissão de Negócios Estrangeiros, pelo que poderão simplesmente não ir. Mas até agora nenhum dos três disse abertamente que não iria. Simplesmente, têm-se arrastado as tentativas de acertar datas para as audições.
Com a possibilidade de as audições acontecerem efetivamente, mas sem qualquer data definida para que aconteçam, o assunto deve ser debatido na próxima reunião da comissão, na terça-feira da semana que vem. A ideia será discutir como se poderá ultrapassar este impasse gerado pela dificuldade em agendar as audições.
Sampaio já disse que vai
Quem não teve problemas em se disponibilizar para ir ao parlamento recordar o que aconteceu há 13 anos foi o ex-Presidente da República Jorge Sampaio. Sampaio já garantiu à comissão que está disponível para ir ao parlamento. O problema é que pode não fazer sentido ouvir quem não tinha responsabilidades executivas na altura e não ouvir o primeiro-ministro, o ministro da Defesa e o ministro dos Negócios Estrangeiros de então.
Relatório chilcot
A haver audições, em cima da mesa estarão as revelação feitas pelo Relatório Chilcot, um documento encomendado pelo então primeiro-ministro inglês Gordon Brown sobre a participação do Reino Unido na intervenção militar que levou à deposição de Saddam Hussein, em março de 2003.
O relatório, que John Chilcot demorou sete anos a fazer, conclui que a decisão de invadir o Iraque foi tomada com base em informações pouco credíveis dos serviços de informações e antes de se esgotarem as tentativas pacíficas de resolver o problema.
Mais: o documento revela que Tony Blair, ao contrário do que o próprio tentou veicular na altura, não tinha razões sólidas para concluir que Saddam dispunha de armas de destruição massiva. Ou seja, o Relatório Chilcot faz cair por terra aquele que era o argumento mais forte para defender a invasão do Iraque.
É com base nisso e na intervenção portuguesa no processo que o PCP sustenta o pedido de audições na comissão parlamentar de Negócios Estrangeiros. “Face às revelações agora conhecidas e à importância do conhecimento dos dados deste relatório, torna-se imprescindível que a Assembleia da República e, especificamente, a Comissão dos Negócios Estrangeiros e Comunidades Portuguesas volte a discutir esta situação, ouvindo os ex-governantes portugueses para que deem as explicações necessárias e sejam confrontados com as suas responsabilidades, nomeadamente por terem envolvido Portugal naquela guerra de agressão”, lê-se no requerimento comunista aprovado em julho com os votos favoráveis de PS, BE e PCP e o voto contra de PSD e CDS.
Sampaio desmentiu Durão
De resto, na altura em que se conheceu o relatório, a guerra do Iraque foi motivo de polémica entre Durão e Sampaio. O ex-primeiro-ministro afirmou numa entrevista que só tomou a iniciativa de organizar a cimeira que juntou Tony Blair, George W. Bush e José María Aznar nos Açores depois de ter consultado o então Presidente da República. “Aliás, na altura, com o apoio do parlamento português e com o apoio do Presidente da República de Portugal, o dr. Jorge Sampaio, que expressamente disse que sim, que concordava. Foi a única pessoa que eu ouvi antes”, disse ao “Expresso”.
Jorge Sampaio não gostou e publicou um artigo de opinião para desmentir Barroso. “Costuma dizer-se que a memória é seletiva e que os relatos históricos são reconstruções narrativas”, escreveu Sampaio no “Público”, frisando que “também não é necessário ser-se constitucionalista para se perceber que não cabe ao Presidente autorizar ou deixar de autorizar atos de política externa”.