ONU. Chegou a hora da mulher de Leste?

Guterres quer uma mulher como n.º 2, mas há várias candidatas possíveis para o cargo. Ter portugueses na equipa também é uma hipótese e especialistas avançam com alguns nomes.

António Guterres deu na passada quinta-feira o primeiro sinal de como irá compor a equipa que o irá acompanhar nos próximos cinco anos nas lides das Nações Unidas.

«Quando propuser uma secretária-geral adjunta será uma mulher. É a minha firme intenção que seja uma mulher», garantiu o ex-primeiro-ministro português aos jornalistas, após ter sido oficialmente designado como nono secretário-geral da ONU.

Uma situação um tanto ou quanto esperada. A questão da paridade de género foi um dos temas abordados pelo recém-eleito secretário-geral não só no discurso desta semana, como ao longo de toda a sua candidatura.

Quem será a escolhida ainda é um mistério. Vários especialistas referem que o português deverá optar por uma das candidatas ao seu lugar.

 

Mulheres não faltam à ONU

Lívia Franco, professora do Instituto de Estudos Políticos da Universidade Católica, destaca duas mulheres que já ocuparam cargos relevantes na organização: Susana Malcorra, atual ministra dos Negócios Estrangeiros da Argentina e ex-chefe de Gabinete do Secretariado das Nações Unidas, e Helen Clark, a antiga primeira-ministra neozelandesa e atual responsável pelo Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento. «Há vários critérios que estão na origem da distribuição dos lugares principais da equipa do secretário-geral. Para além dos clássicos – mérito próprio, uma equipa que prometa eficácia e rigor –, há sempre uma preocupação em manter um equilíbrio do ponto de vista regional e também contemplar a quota de género», diz a especialista ao SOL. Esta situação aliada ao facto de ambas terem uma experiência «suficientemente interessante e atrativa»  faz delas boas candidatas ao cargo de número dois de Guterres.

Há porém outras candidatas que se enquadram neste perfil, nomeadamente as búlgaras Irina Bokova, diretora-geral da UNESCO, e Kristalina Georgieva, vice-presidente da Comissão Europeia – com o plus de contemplarem os critérios informais que acompanharam a corrida à liderança da ONU desde o primeiro dia: mulher e da Europa de Leste. «Bokova acaba por ser a primeira opção do governo búlgaro; não teve oposição conhecida, nomeadamente da Rússia; e há uma aproximação em relação a Moscovo que deve ser feita», explica Viriato Soromenho Marques ao SOL.

Para o professor catedrático na Universidade de Lisboa, o sucessor de Ban Ki-moon terá «uma atitude de grande prudência e respeito diplomático pela Rússia», uma vez que o país liderado por Vladimir Putin é «indispensável» para resolver a guerra da Síria – questão considerada pelo especialista como «o primeiro grande teste» de Guterres.

José Miguel Bettencourt, por sua vez, diz ser plausível a possibilidade da secretária-geral adjunta ser oriunda de um país da Europa de Leste e com um trabalho reconhecido. Sublinha, contudo, que é essencial escolher os membros da equipa com base na sua experiência dentro da ONU até para se proceder à reforma na organização a que tanto se aspira. «Não devemos cingir o mérito das pessoas pela questão do género. Seria muito redutor se isso acontecesse», ressalva o especialista em relações internacionais.

Lívia Franco também não descarta a hipótese de Bokova ser escolhida como secretária-geral adjunta, mas dá outro nome: a holandesa Sigrid Kaag, Coordenadora Especial das Nações Unidas para o Líbano. «Tem um perfil de grande destaque e é uma mulher com uma reputação de grande eficiência», afirma a professora, acrescentando que se trata de alguém com uma «grande visibilidade interna».

 

A difícil escolha de uma equipa

Ainda assim, a escolha da equipa do próximo secretário-geral não se resume exclusivamente à secretária-geral e, tal como explicou Miguel Monjardino esta semana ao i, não será uma tarefa fácil.

O especialista em política internacional considera que, nos próximos tempos – e à medida que se for definindo o staff do líder da ONU – vai-se perceber que «negociações» estiveram por trás da candidatura portuguesa e se Guterres fez algum tipo de «promessas». «A ausência de vetos no Conselho de Segurança sugere que foi negociado um entendimento para a atribuição de uma série de cargos na equipa de António Guterres e na ONU. O n.º 2 será particularmente importante para compreendermos a 6ª e última votação», escreveu Miguel Monjardino na sua página de Facebook, no passado dia 5 de outubro.

Numa entrevista ao Expresso, o embaixador José Freitas Ferraz,  o coordenador diplomático da candidatura do ex-governante português, garantiu não terem sido feitos quaisquer «compromissos».

Soromenho Marques não acredita em promessas de bastidores e diz mesmo que o português terá «uma grande margem de manobra» para escolher o seu staff. «As promessas que Guterres fez foram aquelas feitas em público: respeitar todos os países, não humilhar nenhuma soberania e colocar os direitos humanos no centro do debate».

Mas o facto do recém-eleito secretário-geral não ter dado quaisquer garantias não quer dizer que não haja expectativas por parte das várias potências, nomeadamente dos  cinco membros permanentes do Conselho de Segurança (China, França, Rússia, Reino Unido e Estados Unidos), ressalva Lívia Franco. «Sabemos que a Rússia não quis apresentar veto. Se calhar foi porque ficou convencida que poderia ter algum benefício com essa abstenção. Não acho estranho que a expectativa russa seja poder ter alguém da Europa de Leste num lugar de destaque».

A professora do Instituto de Estudos Políticos da Universidade Católica dá ainda o exemplo da China. O país há vários anos ambiciona um lugar de chefia nas Forças de manutenção da paz das Nações Unidas, que há mais de uma década se encontra a cargo dos franceses. «Guterres é  independente para não se sentir obrigada a nada, mas é simultaneamente responsável para saber que tem de haver um equilíbrio e respostas a uma série de expectativas na distribuição dos principais cargos da sua equipa», sublinha Lívia Franco.

 

Diplomatas portugueses na equipa

E se tanto se fala na vitória do ex-governante português como sendo também um triunfo da diplomacia portuguesa, não seria de esperar a presença de diplomatas portugueses na sua equipa? Soromenho Marques não tem quaisquer dúvidas. «Os portugueses vão ter uma presença visível e outra mais subliminar. Não só vão aparecer portugueses na equipa de Guterres como ele poderá sempre contar com a diplomacia portuguesa para aquilo que entender», defende o professor catedrático ao SOL, referindo ainda nomes como Tiago Pitta e Cunha, antigo representante de Portugal à Assembleia Geral da Convenção do Direito do Mar das Nações Unidas, e Jorge Moreira da Silva, atual vice-presidente do PSD e candidato ao lugar de secretário executivo da Convenção Quadro das Nações Unidas para as Alterações Climáticas – Ban Ki-moon optou pela ex-ministra dos Negócios Estrangeiros do México.

Mas há ainda outros nomes que se destacam: João Madureira, atual ministro conselheiro na Missão de Portugal junto das Nações Unidas; Miguel Graça, diplomata de carreira; e o próprio Álvaro Mendonça e Moura, embaixador de Portugal na ONU. Fonte próxima da ONU consultada pelo SOL refere que estes diplomatas portugueses «foram fundamentais na perceção de possíveis aliados à candidatura», tendo mesmo prestado «apoio e contacto junto da diplomacia internacional em Nova Iorque».

Já José Miguel Bettencourt destaca Miguel Serpa Soares, subsecretário-geral da ONU para os Assunto Legais e «atualmente o português com mais influência e poder nas Nações Unidas». «Serpa Soaresé um dos mais bem preparados e qualificados membros da secretaria-geral da ONU, sendo por isso natural a sua recondução no atual cargo ou até assistir-se a um reforço de competências junto do próximo secretário-geral».

Para o especialista, seria «um reconhecimento natural e mais do que justo» ter no gabinete do próximo secretário-geral «os portugueses que estiveram na primeira linha do apoio diplomático a António Guterres, constituindo a sua task force direta».

Lívia Franco, por sua vez, não acha expectável a presença de portugueses nos lugares principais da equipa de Guterres. «Ele já é o secretário-geral e o princípio da distribuição regional equitativa torna isso difícil». E acrescenta. «Os secretários-gerais não está em representação do país. O eng. Guterres é o representante dos interesses da comunidade portanto não em que avançar nenhuma agenda portuguesa».