O PS já dá por arrumado o assunto do salário milionário de António Domingues na Caixa Geral de Depósitos, pelo menos nesta sessão legislativa. A questão é polémica e divide PS, PSD, BE e PCP. Mas a forma como os sociais-democratas votaram ontem uma proposta dos comunistas na comissão parlamentar de Orçamento e Finanças encerrou um tema que ainda podia dar dores de cabeça ao governo.
O PCP levou à comissão uma proposta que pretendia revogar o atual regime – que acaba com a limitação salarial – e introduzir como teto aos vencimentos dos gestores da CGD o montante do vencimento do primeiro–ministro. Por não concordar com esta segunda parte da proposta, o PSD ajudou o PS a chumbar o texto apresentado pelos comunistas. E com isso fechou o caminho a que o assunto da limitação salarial da administração da Caixa volte a poder ser votado nesta sessão legislativa.
É, pelo menos, esse o entendimento de duas fontes socialistas da comissão, que acreditam que, graças a esta votação, “para já, o assunto está arrumado”.
O PSD pretendia voltar ao regime que vigorava na anterior legislatura, quando o salário dos gestores era calculado com base na média dos seus vencimentos nos três anos anteriores. O PS entendia que essa limitação fazia, por vezes, com que alguns vogais ganhassem mais do que o presidente do conselho de administração e acabou com o limite através de uma legislação que, apesar das reservas do Presidente, acabou por ser promulgada por Marcelo, tendo sido apresentada como uma peça- -chave da entrada de António Domingues para a administração e do plano de reestruturação e recapitalização de que a CGD tanto precisa.
A votação do PSD acabou por ser uma forma de contornar a falta de apoio que o fim do limite salarial tem por parte dos parceiros do governo à esquerda. BE e PCP defendem que os gestores não deveriam poder auferir mais do que o primeiro-ministro. E ontem, Catarina Martins disse mesmo a António Costa, durante um debate no parlamento, que este não é, para o BE, “um assunto encerrado”.
A intenção política ficou expressa, mas é muito pouco provável que se traduza em mais do que isso, pelo menos nesta sessão legislativa e graças à forma como o PSD votou na comissão. Quando os sociais-democratas se aperceberam das consequências de chumbar o texto do PCP, ainda tentaram repetir a votação, mas não houve consenso na comissão para que isso acontecesse. Resta ao PSD tentar provar que a proposta que querem que vingue – que passa pela revogação do regime em vigor – não foi alvo de votação nesta sessão legislativa.
PSD não desiste Prova de que não estão dispostos a atirar a toalha ao chão foram as declarações de Duarte Pacheco aos jornalistas após o debate. O deputado social-democrata adiantou que o partido irá apresentar até ao final da semana – e agendar até ao final do ano – “uma alteração ao enquadramento do gestor público para limitar de novo os salários da administração da CGD”.
E justificou ainda o chumbo da proposta do PCP. “Não entramos em demagogia fácil. Se queremos os melhores no Estado, temos de ter condições para lhes pagar”, disse Duarte Pacheco, acrescentando que não é possível comparar “o recrutamento de alguém para uma administração” com, por exemplo, o Presidente da República, o primeiro-ministro e os deputados, “que se disponibilizaram para vir para estas funções”.
Ainda assim, o PSD estava disposto a votar na proposta do PCP, mas “não houve acordo”. “No íntimo dos deputados do PSD, nós desconfiávamos que à última hora ia haver uma qualquer justificação para que essa proposta fosse retirada, porque decerto que o PS iria fazer pressão junto do PCP para que a proposta não fosse a votos. (…) O PCP retirou a sua proposta de votação considerando que ela já estava ultrapassada a partir do momento em que os outros limites não tinham sido aprovados”.
Para o PS, a atitude do PSD comprova o seu “desnorte” e “incoerência” relativamente a esta questão. O socialista João Paulo Correia referiu também que os social-democratas podiam ter apresentado uma proposta alternativa à do PCP, mas como não o fizeram, tiveram de votar “a proposta que estava em cima da mesa”.
O deputado reforçou ainda a ideia que o modelo adotado pelo executivo gera uma maior poupança. Para além de não ter em conta os salários dos últimos três anos dos gestores – o que permite que esse vencimento possa atingir um valor mais reduzido –, os salários dos gestores do banco público estão em linha com os vencimentos praticados noutros bancos. “Se olharmos para os vencimentos dos presidentes dos bancos que estão sob a alçada da supervisão do Banco Central Europeu em Portugal – Novo Banco, CGD, BPI e BCP – verificamos que o salário do presidente da CGD é a média dos vencimentos dos presidentes dos outros bancos”.
Já o CDS lamenta que o facto de nenhum partido “ceder milimetricamente na sua posição” tenha levado a que nada se alterasse. “Infelizmente o CDS é o único partido que está numa posição de dizer que, quer há um mês atrás quer hoje, tudo fez para que os gestores da Caixa voltassem a ter regras”, afirmou Cecília Meireles.
A centrista não deixou, contudo, de lançar farpas ao PCP e ao BE, sublinhando que os dois partidos podiam ter “votado a favor da revogação desta vigência”.
Ainda assim, Cecília Meireles não põe de parte que a possibilidade do CDS voltar ‘à carga’, apesar de já ter apresentado uma proposta. “Podemos pensar noutras propostas para revogar, por exemplo, a iniciativa do governo, mas aquilo que se torna cada vez mais evidente é que todos os partidos procuram desculpas para não resolver o problema”.