Neste horrendo caso de Aguiar da Beira há um mistério inquietante. Todas as pessoas da terra que falaram do homem – conhecido na terra por Pedro João e não por Pedro Dias, como é referido pelos media – disseram tratar-se de uma pessoa simpática, afável, quase doce. Um homem bom. E não acreditam que ele tenha praticado os crimes que lhe são atribuídos. Mesmo o médico que o acompanha desde pequeno, há cerca de 35 anos, diz ter dificuldade em reconhecer o seu paciente no retrato que dele traça a generalidade da comunicação social.
Temos portanto, de um lado, a imagem de um homem sedutor, que cai no coração das pessoas, e do outro a figura de um assassino frio, que mata sumariamente sem ponta de humanidade.
Tal como foram descritos, os crimes que Pedro João aparentemente cometeu são de uma violência extrema. Raramente se tem visto em Portugal uma coisa assim.
A história começou em Aguiar da Beira, onde o homem foi abordado por uma patrulha da GNR dentro de uma pick up junto a um hotel abandonado a meio da construção. Eram 3h00 da madrugada e estava sozinho. O que faria ali, num ermo, a essa hora? Abordado pelos agentes, entregou o livrete e a carta de condução a um. E quando o outro foi ao carro-patrulha pedir à central informações sobre a carrinha, abateu-o com um tiro na nuca. E depois obrigou o outro a meter o colega na bagageira do carro da GNR e a acompanhá-lo num macabro passeio, que acabou num descampado onde o carro ficou atolado. Aí, obrigou o guarda a sair e disparou sobre ele, atingindo-o no pescoço. E abandonou o corpo no local, tapado com arbustos.
O próximo ato desta viagem louca seria uma descida à estrada, onde mandou parar um carro, obrigou os ocupantes – um jovem casal – a sair e baleou-os sem piedade: o homem morreu logo ali, a mulher está no hospital em morte cerebral. A seguir meteu-se no carro deles e voltou ao local do crime. Aí pegou na pick up, dirigindo-se a casa da ex-namorada, em Fornos de Algodres, onde trocou a pick up por uma carrinha. Pôde fazer tudo isto tranquilamente, pois julgava que o segundo GNR também estava morto. Só horas depois este conseguiria arrastar–se até um local onde pediu ajuda.
Nessa outra carrinha, Pedro João seria mais tarde abordado por uma patrulha da GNR sobre a qual disparou, ferindo um guarda, sendo avistado nos dias seguintes em vários locais da região e roubando outros veículos. Brutalizou dois idosos, levando o carro de um deles, e não os matou porque aparentemente já não tinha armas.
Dir-se-ia estarmos perante um homem que subitamente enlouqueceu, passando para o outro lado da realidade. De pacífico, pacato e cumpridor, transformou-se de repente, por qualquer estranha razão, num assassino medonho, que mata as suas vítimas sem piedade. A história poderia ser essa – mas não é.
A consulta do cadastro de Pedro João não regista crimes de sangue. Mas tem muitos registos de delinquência: violência doméstica, furto de animais, posse de droga, posse de armas ilegais. Não era um criminoso, mas também não era um santinho, como os seus conterrâneos julgavam. Tinha duas faces. Era uma pessoa em casa e outra em público. Disfarçava bem. Era um sedutor com as mulheres, do alto do seu 1,88 m, e um charmoso com os vizinhos. Mas já tinha o diabo dentro dele – que saiu cá para fora numa madrugada fatal quando foi abordado pelos guardas da GNR.
O facto de ninguém, nem o seu médico, se ter apercebido durante quase quatro décadas da sua perigosidade, leva à tal questão inquietante: pode estar um assassino entre nós e não sabermos. Não sabemos se aquela pessoa simpática com quem nos damos, ou até o amigo, não pode esconder um assassino. E não um assassino qualquer – mas um homem capaz de matar com absoluta frieza por dá cá aquela palha.
O carinho com que as pessoas de Arouca (aquelas que aceitaram responder aos jornalistas) falaram de Pedro João deve-nos provocar inquietação a todos. Quem sabe se mesmo ao nosso lado não mora um monstro?