Black Power. Ou como terminou o reinado do all white em Hollywood

A culminar meses de polémica, Chris Rock marcou a última cerimónia dos Óscares com algumas black jokes, mas este ano promete-se o enterro do all white e dão-se as boas vindas às suas black stars.Será difícil não escutar o talento ensurdecedor de nomes como David Oyelowo, Nate Parker,Aja Naomi King ou Ruth Negga.Mas há mais

Foi em 1967, numa altura em que o ódio racial americano estava ao rubro, que aconteceu o impensável. Um Sidney Poitier imponente, como detetive Tibbs, a devolver no mesmo segundo a estalada aplicada por um branco racista. A imagem mantém-se firme no policial “No Calor da Noite”, de Norman Jewison, e serviu durante muito tempo como bandeira dessa necessidade de reagir contra a prepotência. De resto, esse mesmo instantâneo de dois segundos integra uma escolha de imagens destinadas a promover o ciclo “Black Power”, promovido pelo British Film Institute, e que recupera a história e o poder do cinema negro ao longo dos anos. Até pode ser uma espécie de lambada com luva negra à descuidada falta de diversidade de algumas cerimónias dos Óscares – com a última a atingir o pico desta polémica – demasiado all white e algumas célebres capas anémicas que a prestigiada revista “Vanity Fair” publica, nessa altura, com os novos valores e usado como motivo de chacota e humor, verdadeiramente negro, explorado por Chris Rock nos prémios do cinema do ano passado, bem como pelo movimento #Oscar So White. 

Dificilmente os Óscares, ou a revista “Vanity Fair”, cometerão este ano semelhante gaffe, dada a relevância dos valores que têm vindo a despontar nos últimos meses, ou que se voltam a confirmar. Mais, por oposição, este ano promete até ser uma espécie de celebração da cultura negra no cinema. De resto, na recente 60.ª edição do BFI Festival de Cinema de Londres pudemos ver alguns dos filmes, e prestações, que marcarão a saison. Um festival que premiou ainda a carreira notável do cineasta – negro – Steve McQueen, autor de “Fome”, “Vergonha” e “12 Anos Escravo”.

Desde logo, do cartaz deste festival, o incontornável “The Birth of a Nation”, realizado e protagonizado pelo avassalador Nate Parker, merece o devido destaque. E mesmo afetado por alguma polémica, não belisca o talento de Parker e afirma-o como um inquestionável front man de futuros voos. O mesmo se dirá do relevo de Aja Naomi King, a mostrar-se ao mundo na sua ligação romântica. É claro que David Ayelowo já não deveria necessitar de apresentações, ele que deixou a sua intensidade habitual em dois filmes relevantes (“A United Kingdon” e “Queen of Katwe”). Ele próprio declarou em Londres que “se não formos parte da solução, seremos sempre parte do problema”. O mesmo se diga de Lupita Nyong’o (“Queen of Katwe”) que muitos descobriram em “12 Anos Escravo”, onde ganharia o Óscar respetivo.

Outro dos momentos mais intensos do ano foi-nos dado por Ruth Negga, em “Loving”, numa história de amor inter-racial. Há ainda que recordar Mershala Ali, que soube fazer o salto da série “House of Cards” para um papel intenso em “Moonlight”.

Mas para além deste lote comprovado, haverá ainda que considerar a prestação do indiano Dev Patel, que carrega parte de “Lion” aos ombros e que faz assim a ponte para o cinema mainstream, ao lado de Nicole Kidman. Para além disso, temos ainda duas espécies de joker guardados para o final do ano, com a dupla Will Smith e Viola Davis, a prometerem baralhar as contas das nomeações em “Fence”, um filme apostado nas conturbadas relações entre afro-americanos nos anos 50. Bem como o tal filme que evoca o primeiro namoro de Barack Obama com Michelle Robinson, a cargo de Parker Sawyers e Tika Sumpter, em “Southside With You”.