Orçamento: receitas fiscais afinal vão ser menores com desvio de 650 milhões

Em 2016, a receita não vai correr como previa o governo. Os três principais impostos, IRS, IRC e IVA, foram todos revistos em baixa

A receita fiscal em 2016 não vai correr como esperado. O efeito vai ser anulado pela contenção da despesa e é esta a fórmula prometida pelo governo para cumprir o défice de 2,4% este ano. Esta é uma das informações divulgadas pelo Ministério das Finanças ao parlamento e que está presente numa das 37 páginas, 34 delas com tabelas, que estavam em falta.

Mas vamos a números. A receita global vai diminuir 1893 milhões de euros face ao esperado quando se traçou o Orçamento do Estado para 2016. No entanto, a despesa vai compensar praticamente todo o bolo de receita que não chegou: o corte de 1887 milhões de euros nos gastos vai fazer com que o défice não se modifique.

Por seu lado, os impostos que captam mais receita, IRS, IRC e IVA, foram revistos em baixa, uma consequência de as previsões de crescimento inscritas no Orçamento do Estado para 2016 não se terem verificado. O executivo prevê ter menos 400 milhões de euros de receita do IVA face à meta.

Além disso há uma queda de 150 milhões de euros no IRS e de 100 milhões de euros no IRC, o que se traduz – feitas as contas com as variações dos restantes impostos com menos receita atribuída – num corte de 650 milhões de euros na receita fiscal total.

Apesar da descida dos ganhos com o IVA, os impostos indiretos vão continuar a ser a maior fonte de rendimento para as finanças públicas – uma diferença de cinco mil milhões a mais em relação aos impostos diretos. 

Ao contrário do IVA, nos impostos de selo e tabaco, Mário Centeno conta arrecadar mais receita do que previa – há um desvio positivo de 35 milhões no primeiro imposto (com a receita a passar para 1410 milhões) e de 79,2 milhões no segundo (para 1593 milhões de euros).

Além disso, um dos fatores que poderão dar um empurrão na receita e potencialmente diluir estes desvios negativos é o programa de regularização de dívidas ao fisco e à Segurança Social, a que as empresas e os contribuintes particulares podem aderir até 20 de dezembro. 

Ainda assim, o ministro das Finanças garante que estes valores não podem ser dados como adquiridos. “As estimativas obtidas em contabilidade pública nesta fase da execução orçamental do ano em curso têm uma margem de erro assinalável”, revela. 

Alterações para 2017 Já para o próximo ano, embora o saldo global se mantenha inalterado e o governo continue a prever um défice de 1,6% do PIB em 2017, o ministério assume agora que as medidas do lado da receita vão ter um impacto de 773 milhões de euros na consolidação orçamental, quando antes era apenas indicado um efeito de 140 milhões. 

Esta alteração surge sobretudo porque as Finanças assumem agora que a recuperação da garantia do BPP e os dividendos do Banco de Portugal entram na receita – antes, estas medidas estavam incluídas na categoria de “outros efeitos”.

Também na despesa há alterações relevantes na composição do ajustamento. Antes, era indicado que a reposição salarial na função pública iria ter um impacto de 257 milhões de euros, mas o ministério de Mário Centeno diz agora que a medida vai, afinal, custar apenas 181 milhões de euros.

Passos fala em desvio O líder do PSD afirma que os dados que estavam em falta revelam um desvio do lado da receita do Estado, considerando que o executivo errou completamente nas previsões. “Essa informação, quando comparada com aquela que era disponibilizada na proposta de Orçamento do Estado, deixa bem visível a dificuldade que o governo vai ter em cumprir o seu Orçamento este ano e em ter a base de partida para 2017 que inicialmente tinha apontado”, afirmou Pedro Passos Coelho.

E, segundo o líder da oposição, o caminho a seguir pelo governo é simples: “Sacrificar, como até aqui, o lado da despesa, sobretudo a aquisição de bens e serviços do Estado, bem como o investimento público, para garantir que o objetivo da meta do défice será alcançado.” 

Para Passos Coelho, o cumprimento das metas anunciadas para 2017 só poderá acontecer “se o Estado continuar a não investir o que é adequado, se os serviços públicos continuarem à míngua com cativações permanentes e que nunca existiram no passado”.

O presidente do PSD defendeu a necessidade de os partidos que apoiam o governo “se abrirem a propostas” que visem “mais ímpeto reformista para a economia, mais investimento, e que tornem mais pujante o quadro das exportações”. 

Mapas “escondidos” Os dados que faltavam na proposta orçamental para 2017 e que foram entregues na noite de sexta-feira levantaram muita polémica no parlamento. O CDS e o PSD estavam desde a semana passada a requerer ao governo o envio dos mapas em falta na proposta do OE 2017. Os dois partidos chegaram a acusar o governo de “falta de transparência” no processo orçamental, questionando de que terá o executivo medo ou o que quererá esconder para só então se comprometer a entregar a documentação em falta.

Também a própria Unidade Técnica de Apoio Orçamental (UTAO) chamou a atenção para a falha de informação, assinalando “a ausência da estimativa de execução para as receitas e despesas de 2016 em contabilidade pública”. 
Entretanto, a presidente da comissão de Orçamento, Teresa Leal Coelho, garantiu que o governo se tinha comprometido a entregar até sexta-feira os mapas que faltavam, uma data que foi cumprida por Mário Centeno. 

Estes dados vão agora ser debatidos na segunda audição ao ministro das Finanças, agendada para amanhã. Centeno já veio afirmar que “o governo está disponível para acrescentar mais informação”, ainda que tenha considerado que a “informação que está no relatório é suficiente para debater as escolhas do governo” para o próximo ano.