O Rei D. Fernando usufrui muito da Pena?
Ah, sim! Em todos os sentidos. Ele frui do palácio não só por cá habitar, não só por receber aqui imensa gente, não só por ter o palácio aberto aos amigos e até a qualquer pessoa que quisesse visitar o palácio mesmo estando cá ele – houve visitantes que vieram aqui acima aos terraços e ouviram uma senhora a cantar numa das salas superiores do palácio. O D. Fernando acompanha as obras, está aqui com muita frequência – mesmo no inverno –, vem para aqui muitas vezes com a condessa, passeiam pelo Parque, vivem no chalé e fruem muito desta paisagem, das plantações que estão a fazer. Além disso, o Palácio esteve sempre em obras. Quando a construção termina, as campanhas de decoração são constantes. Por exemplo, a moda romântica de ter muitos reposteiros, muitos tecidos, a revestir o interior do palácio. Esses tecidos apodrecem muito facilmente com toda a humidade que aqui temos, portanto são renovados com uma certa frequência. Quando o palácio começa a estabilizar em termos de obra, começa a haver campanhas de encomendas de mobiliário e em 1880 temos campanhas de estuques. Repare que o D. Fernando começa a construir a Pena primeiro remodelando o antigo mosteiro em 38, depois construindo o Palácio novo a partir de 40, 41, 42, e em 80, cinco anos da sua morte, há mais uma campanha. Portanto ele está não só a fruir mas permanentemente a criar.
E quando termina essa criação?
Em 1885 ele morre, e a condessa percebe que não tem condições para manter toda esta propriedade, que inclui o castelo dos mouros. Nessa altura, ela, que é uma mulher inteligentíssima, inicia negociações com o Estado Português para ceder à Coroa, obviamente em troca de outros valores, o parque e o Palácio da Pena e o castelo dos Mouros.
[Ouve-se o vento a assobiar lá fora]
Isto é o normal da Pena. Hoje é um dia bom – tiveram sorte porque se tivessem vindo ontem não se via nada com o nevoeiro. Já agora aproveito para fazer uma referência. Temos concertos na Pena no inverno e não há coisa mais maravilhosa do que ter um concerto na Pena com as nossas lampadinhas que imitam chamas acesas, e lá fora a chuva e o vento a fustigar as janelas – mas à grande, não é isto.
A chuva e a humidade colocam-vos muitos problemas de conservação?
[Não consegue evitar uma gargalhada] Colocam. Como é que eu posso pôr esta questão? No dia em que li as notas do Eschwege em ele se queixa que uma das salas do palácio novo, dois, três anos após a construção mete água por tudo quanto é sítio, no dia em que li isso deixei de me atormentar com essa questão. Há uma coisa muito difícil para a museologia, mas temos de aceitá-la: tudo o que fazemos aqui é muito efémero. Tivemos um restauro absolutamente exemplar que foi inaugurado em princípios de 2013, mas temos os vãos de janela com o estudo colorido já muito degradado. Qualquer pessoa vai dizer: ‘Enfiaram aqui uma quantidade de dinheiro e já está neste estado?’. A casa é assim. A pessoa tem de viver com isso.
E como se contraria essa degradação?
Temos que instituir – já instituímos – algumas rotinas de manutenção. Sempre que há uma janela a meter água, temos de repará-la, sempre que chove e que o vento bate a chuva, a chuva entra pela janela. O que é que a gente faz? Muito simples: recuperámos os velhos chouriços. É um chouriço especial, por dentro tem uma espécie de uma areia granulosa que absorve aquela água toda, quando está cheio substitui-se por outro, aquele fica a secar. Isto provoca-nos alguns problemas, o mobiliário tem de ser constantemente monitorizado, porque há muitos elementos que se descolam, têm de ser imediatamente colados, temos que aceitar que a pintura no verão está toda esticadinha, no inverno está toda ondulada. São materiais vivos – telas, tecidos, pigmentos naturais, madeiras – e reagem bem às variações de temperatura e de humidade, os objetos estão habituados a esta situação e portanto todos nós vivemos com o reumatismo que este clima nos dá. Já sei que quando em Lisboa estão menos de 25 graus eu tenho que vir encapotado para esta casa, como sei que o mobiliário e o acervo têm este problema com que temos de lidar. Aqui há uns anos o Panteão de Lisboa fez uma exposição sobre o Almeida Garrett, que caiu no inverno. Quando a minha colega do Panteão mandou as características técnicas do Panteão, eu disse: ‘Isabel, esteja descansada, o quadro vai para aí, porque têm tanta humidade como nós’. Se fosse um pedido do museu de arte antiga ou do museu do Chiado se calhar não podia emprestar, porque eles têm uma humidade controlada e a nossa pintura ia chegar lá e ficar toda desfeita. Temos de viver com estes constrangimentos. É um trabalho acrescido, mas a verdade é que a Pena aqui está há 160 anos e há-de estar muito, muito tempo depois de nós já não estarmos.
Mas aqui dentro está tudo com um ar muito confortável.
Está aqui dentro, pois. Mas se for à parte expositiva, vai perceber que tem imensas correntes de ar. Volta não volta temos uma nuvem de nevoeiro que entra pelas salas adentro, mas o que é certo é que como está tudo aberto e há terríveis correntes de ar que são muito desconfortáveis para quem trabalha naquele local, este fluir do ar impede o aparecimento de fungos. E se reparar o palácio tem muito pouco cheiro a mofo [risos]… em relação àquilo a que teria direito pelo clima em que se encontra.