Com a garantia de que a esquerda aprovará hoje na generalidade o Orçamento do Estado para 2017, o arranque da discussão de ontem sobre o documento abriu pistas para o segundo ato: o da negociação na especialidade. É aí que BE e PCP vão tentar melhorar um documento que consideram ir no bom sentido, mas que ainda é insuficiente.
O debate de ontem no parlamento permitiu antever duas medidas em relação às quais o governo parece disposto a dar luz verde, três que ainda poderão ser negociadas e outras duas que muito dificilmente irão mudar durante a discussão na especialidade.
Pagamento especial por conta O sinal positivo mais claro foi para uma velha reivindicação do PCP: o do fim do pagamento especial por conta para as pequenas e médias empresas. Mário Centeno não se comprometeu com nada concreto, lembrando a “restrição orçamental” que tem de ser respeitada. Mas ficou aberto o caminho para a uma aproximação à medida reclamada pelos comunistas.
A promessa do ministro das Finanças foi a de encontrar “fórmulas para melhorar” no pagamento especial por conta depois de o deputado João Oliveira defender a “redução do pagamento especial por conta com o objetivo da sua eliminação e da sua substituição por um mecanismo mais justo para as pequenas e médias empresas”.
Sobretaxa de imi Mário Centeno também se mostrou aberto em relação a outra proposta do PCP: a de rever os termos do imposto global sobre património imobiliário. A proposta de Orçamento diz que esta sobretaxa do IMI se aplicará a patrimónios superiores a 600 mil euros, os comunistas preferiam que tributasse quem tem mais de um milhão em imóveis.
Na discussão de ontem o deputado Paulo Sá pediu a Centeno um “aperfeiçoamento do novo imposto” para garantir “maior equidade fiscal”. O ministro respondeu ter “total disponibilidade” para debater o assunto na especialidade.
Deduções de educação e escalões do irs A mesma resposta de disponibilidade tiveram dois outros temas que foram levantados por Paulo Sá: o alargamento das deduções das despesas com Educação e a revisão dos escalões do IRS. “Há melhorias a introduzir neste Orçamento do Estado, estamos abertos a esse debate”, afirmou Centeno em relação a duas medidas de difícil desenho técnico e que, apesar de estarem a ser estudadas pelo governo e pelos partidos da esquerda, será prematuro dizer que terão luz verde. Neste caso, será mais adequado falar em sinal amarelo para dois dossiês aos quais Mário Centeno não fecha a porta.
Apesar de toda a abertura que o ministro não se cansou de anunciar, há duas exigências de BE e PCP que muito dificilmente serão satisfeitas neste Orçamento: o aumento generalizado de 10 euros para todas as pensões e uma renegociação da dívida.
Os dois temas voltaram ontem a estar no centro do debate, mas com uma nuance. No caso das pensões, acabou por ser o CDS o partido que mais defendeu a importância de não deixar as pensões mínimas e rurais de fora deste aumento extraordinário. No caso do PCP, o deputado João Oliveira assegurou que essa seria a solução preferida pelos comunistas, mas preferiu “valorizar” uma proposta que sobe pensões que não sofreram qualquer aumento extraordinário na anterior legislatura.
“Não desvalorizamos uma proposta que significa que cerca de 98% das pensões do regime geral da Segurança Social terão um aumento”, vincou João Oliveira, num discurso que se aplica, de resto, à maneira como a esquerda olha para esta proposta de Orçamento, valorizando o “sentido geral de reposição de direitos e rendimentos”, mesmo que o considere “insuficiente”.
Pensões O sinal dado pelo PCP e a forma como Mário Centeno respondeu ao CDS mostram que o dossiê das pensões é, pelo menos por agora, dado como encerrado. Centeno respondeu a Mota Soares, dizendo que a opção do governo foi a de “aumentar as pensões que não tinham sido aumentadas” e que estavam “totalmente esquecidas” durante o mandato do anterior governo.
Renegociação da dívida O outro tema onde não se avançará à esquerda é o da renegociação da dívida. O BE voltou ontem à carga com o assunto, um dia depois de ser conhecido um alegado acordo secreto entre a Comissão Europeia e o governo francês (ver pág. 7).
“Estamos a endividar-nos para pagar uma dívida pública que nunca vamos conseguir pagar”, lembrou Mariana Mortágua, explicando que há um excedente orçamental de mais de cinco mil milhões de euros que “está a ir diretamente para o pagamento da dívida pública”.
Centeno foi dando sinais de que o tema da dívida o preocupa e que é necessário negociar novas regras na Europa, mas a mensagem é clara: o governo não rasga os compromissos europeus. “Partilhamos as suas preocupações quanto ao peso e à problemática da situação da dívida e temos de lutar por elas no plano europeu”, afirmou o ministro das Finanças, defendendo que “é essencial que se tenha uma redução da taxa de juro que Portugal paga pelo seu endividamento”.
Uma resposta curta para as ambições de BE e PCP que acreditam não se poder contar com a “sensatez” de Bruxelas neste tema e gostariam de uma atitude mais dura.