O plano de recapitalização da Caixa Geral de Depósitos (CGD) poderá sofrer um impasse se a atual administração do banco do Estado sair. Este poderá ser um cenário em cima da mesa caso o Tribunal Constitucional obrigue a equipa liderada por António Domingues a entregar as declarações de rendimentos e património. Essa saída, de acordo com alguns economistas contactados pelo i, poderá criar um atraso na implementação do plano aprovado por Bruxelas.
João Duque admite que “corremos o risco de entrar uma nova administração e não concordar com o plano aprovado”. Segundo o economista, se isso acontecer, “essa capitalização poderá ser eventualmente retocada aqui ou acolá” e lembra que o anterior presidente da CGD “dizia que o banco precisava de injeção de capital, mas nunca em montantes tão elevados”.
E João Duque dá exemplos: “Pode chegar lá alguém a dizer que, afinal, não precisa de tanto dinheiro e quer poupar, por exemplo, mil milhões de euros. A nova administração também pode chegar à Caixa e dizer que cinco mil milhões de euros não chegam e que precisa de sete mil milhões e, nesse caso, terá de se iniciar um novo processo de renegociação com Bruxelas. Como também pode chegar lá alguém e dizer que concorda totalmente com o plano que foi negociado e, nessa altura, só precisa de implementar o programa. Mas há sempre um risco de algumas coisas virem a sofrer grandes atrasos”, refere ao i.
Ainda assim, o economista defende que, perante esse cenário de substituição da administração da Caixa, o que o ministro das Finanças tem de fazer é convidar rapidamente outras pessoas e pedir autorização ao Banco Central Europeu (BCE) para não adiar ainda mais o plano que já deveria estar em marcha. “Não é nada desejável andarmos nesta fase, isto é um desastre. Todo este processo é um desastre, tudo na praça pública. Não ajuda ninguém, não ajuda Portugal, não ajuda a banca portuguesa, destrói o setor. Já chegava a confusão que tínhamos e, agora, ainda mais esta.”
impacto Devastador Também confrontado com essa hipótese de substituição da administração da CGD, Mira Amaral chega mesmo a dizer: “Nem sequer quero pensar nisso.” No entender do economista, “atrasar a recapitalização seria devastador para a economia e para o sistema financeiro”.
Para o ex-administrador da Caixa, só há uma solução: “Os gestores têm de apresentar a sua declaração de rendimentos e é isso que têm de fazer imediatamente. Formalmente, podem estar isentos da função de gestores públicos, mas estão à frente de uma grande instituição financeira pública e, como tal, não estão isentos. Tem de haver transparência”, refere.
E dá o seu exemplo. Como ministro de vários governos do PSD, foi obrigado a divulgar o seu património. “Espero que todos os envolvidos nesta polémica tenham a noção de que isto não se pode arrastar por muito mais tempo, pois afeta a imagem do banco e isso tem consequências negativas.”
Ainda assim, o economista mostra-se mais otimista do que João Duque e acredita que não vai ser necessário chegar a esse cenário de substituição. “Acredito que eles vão ganhar juízo e vão apresentar as declarações. Têm de estar à altura das responsabilidades que aceitaram.”
Plano de Bruxelas inalterado Já Nuno Teles defende que o plano de recapitalização da Caixa não depende de pessoas concretas. “Um plano com essa importância não depende só de uma administração”, diz ao i. E perante a necessidade de vir a encontrar uma nova administração para o banco do Estado, o economista diz apenas “que seria necessário encontrar uma alternativa e que fosse encontrada uma equipa que tivesse a confiança do BCE. É preciso encontrar alguém com esse perfil”, salienta.
Nuno Teles admite que o dossiê Caixa tem assistido a vários momentos de impasse, mas porque ao mesmo tempo que Bruxelas avaliava a nova equipa proposta pelo governo, estava também a discutir o plano de recapitalização. “A partir do momento em que o plano de recapitalização está definido, não acredito que o problema se coloque da mesma forma como se colocou no final do verão. Depois é só dar o aval à nova administração. Não acredito que haja falta de quadros competentes em Portugal para assumir esse cargo”, acrescenta.
Recorde-se que a recapitalização da CGD foi aprovada em agosto passado pela comissária europeia da Concorrência, Margrethe Vestager, em negociações diretas com o ministro das Finanças, Mário Centeno. O valor imposto pela comissária, e aceite pelo governo português, é de 2,7 mil milhões de euros para a recapitalização direta. Mas no total das operações financeiras permitidas, a operação poderá atingir os 4,6 mil milhões.
A recapitalização é composta por três parcelas. Uma é o investimento de 2,7 mil milhões. Outra é formada pela possibilidade de conversão dos 900 milhões que o Estado investiu no setor bancário aquando da intervenção da troika (conhecidos como CoCos). Estas duas parcelas perfazem os 3,6 mil milhões autorizados ao Estado. O governo português está ainda autorizado a lançar uma operação de venda de obrigações da própria CGD até um valor-limite de mil milhões de euros.