Paulo Moura. ‘Tinham o hábito engraçado de nos apontar metralhadoras à cabeça’

A propósito do livro “Depois do Fim”, o repórter recorda a sua experiência em Grózni, capital da Tchetchénia, em 1995.

Qual o sítio mais estranho onde já esteve?

O conceito de estranho é um bocado estranho, ele próprio. Estranho em que sentido? No sentido de ser culturalmente diferente?

Imagino que há sítios que nos devem parecer cenários quase surreais. Que têm qualquer coisa de absurdo, talvez…

Sim, há muitas situações que nos parecem absurdas. Ainda que é surpreendente a rapidez com que nos habituamos a qualquer situação. Grozny, por exemplo. A situação era esta: uma cidade completamente arrasada. Na altura, a única comparação possível era Hiroxima. Vias as casas, algumas só a ruína, sem a fachada, mas as pessoas viviam lá na mesma. E os russos, que tinham feito aquilo umas semanas atrás, estavam lá a ocupar a cidade, orgulhosamente nos seus tanques. Quando chegámos – eu, o meu guia e um jornalista espanhol que se juntou a nós, Ricardo Ortega, que cinco anos depois foi assassinado no Haiti – eles tinham o hábito engraçado de nos apontar as metralhadoras à cabeça e de desatar aos gritos em russo, visivelmente bêbedos – porque eram rapazes que não queriam estar ali e passavam o dia a beber vodca – o que era uma coisa um bocado desagradável.

Só um bocado?

Ao princípio foi uma coisa muito assustadora. Mas rapidamente me habituei àquilo, a certa altura já lhes tirava a metralhadora e insultava-os em português. Hoje penso como é que tinha coragem de fazer aquilo… Quando tens de sobreviver num sítio, em dois dias já estás adaptado a toda a lógica do momento. Por mais absurda e estranha que seja.

E quando regressa a casa consegue retomar a normalidade?

Sim, retomo também muito rapidamente.