Web Summit. A maior das incubadoras [vídeo]

Há cinco anos, a Uber esteve numa das pequenas bancas onde as startups apresentam, durante um dia, o seu projeto, em busca de parceiros, clientes, investidores. Nesta edição da Web Summit, a primeira em Lisboa, foram quatro mil as startups envolvidas. O B.I. foi conhecer algumas

Foi há muitos anos, e um pouco por todo o país, que timidamente se deram os primeiros passos para aquilo a que a cidade de Lisboa assistiu na semana que passou. Sobretudo na reta final dos anos 90, começaram a surgir as primeiras empresas tecnológicas que efetivamente deram nas vistas em Portugal. Numa altura em que o termo startup não existia sequer. “Foi na Startup Lisboa que se usou o termo pela primeira vez cá em Portugal, apesar de já antes falarmos muito de empreendedorismo. A responsabilidade da Startup Lisboa foi ter vindo mostrar o que eram as startups digitais”, recorda João Vasconcelos. O secretário de Estado da Indústria é o homem forte no Governo quando o assunto é inovação. Aliás, não terá sido por acaso que Paddy Cosgrave, criador e mentor da Web Summit, o apelida de “ministro das startups”.

“Há coisas em que não se pensa muito, faz-se”, diz João Vasconcelos, a propósito dos primeiros passos para a criação da Startup Lisboa, de que foi responsável. “Havia um projeto do António Costa, à data presidente da Câmara de Lisboa, de trazer jovens empresários para a Baixa de Lisboa, pois isso poderia ser uma forma de reabilitação. Começámos num edifício devoluto com mais de 300 anos”, recorda. Depressa se apercebeu que já começavam a vir para Portugal muitos estrangeiros com intenção de estabelecerem aqui as suas startups: “Ligávamos a televisão e estava tudo a ir para fora de Portugal, mas depois tínhamos grupos de 20 alemães a virem.” Porquê? Porque temos mão de obra muito qualificada, ideias, iniciativa e, ainda, a ajuda ditada pela abertura às low costs aéreas. O cenário estava montado.

Depois de, nesta edição ter juntado 53 mil participantes vindos de 167 países do mundo – que durante os dias de evento enviaram, através da app da própria Web_Summit mais de 1,3 milhões de mensagens –, este é agora, oficialmente, o maior evento do mundo de startups. “Ter isto na nossa terra, no nosso pátio, até há um ano atrás nem me passava pela cabeça. Mas nem é só o evento, são as pessoas. Ontem jantei com investidores que passei a vida toda a tentar conhecer. E estão cá em Lisboa. E fomos juntos para a Night Summit. Tipos de Silicon_Valley que, para além de Londres e Paris, não conheciam mais nenhuma cidade da Europa! As pessoas não têm noção do impacto que isto tem em Portugal._Só daqui a uns anos teremos bem esta noção”, afiança, recordando a primeira visita que fez a uma Web_Summit, em 2014, para acompanhar a Codacy, startup portuguesa que acabou por vencer essa edição.

Apesar de todas estas ilustres visitas, da presença de países e das maiores empresas do mundo na área tecnológica – e não só – para João Vasconcelos, a parte mais importante da Web_Summit são mesmo as pequenas bancas de startups. “É aqui que têm a oportunidade de, durante um dia, mostrarem o que fazem e o que pretendem. São quase quatro mil startups que passam por aqui. É este o core business da Web_Summit. Há cinco anos, uma Uber esteve numa destas pequenas bancas. E como a Uber outras empresas que mudaram a nossa vida. Estiveram nestas bancas, de t-shirt, a venderem a sua ideia. Este é que é o segredo da Web Summit.”

Foi com isto em mente que fomos à procura de dez apps websumitásticas, apresentadas esta semana em Lisboa, neste evento que é seguramente a maior incubadora do mundo das startups. Do Pokemon Go da vida real (made in Portugal) ao Tinder para animais de estimação, e respetivos donos.

 

Wikiflip, 2016, Estocolmo

wokcraft.com

O trivial interminável

A ideia mostra como é no baralhar de conceitos que pode estar o ganho, algo bastante frequente pela amostra da Web Summit no que toca a aplicações. Eric Bolinder, com 20 anos de experiência no ensino, usou a Wikipédia para criar uma espécie de Trivial Pursuit interminável, dando a hipótese aos utilizadores de criar quizzs a partir das páginas da enciclopédia digital. O Wikiflip, com um formato idêntico ao do Instagram e mais de 48 mil perguntas de cultura geral, é a terceira app da comunidade World of Knowledge, com três anos de existência e um base de mais de 330 mil questões. Além do novo formato em que as perguntas surgem associadas a imagens, é possível descarregar outras duas aplicações, a WOKwiki e a Kingwiki, todas gratuitas. Os autores dizem que estão a tornar a Wikipédia “jogável” e a criar a uma nova ferramenta de aprendizagem, que os professores podem usar para os alunos aprofundarem a matéria, exemplificam. Só é preciso confiar na fonte. “Uma pessoa pode tornar-se médico a jogar, temos mais de 25 mil perguntas sobre corpo humano”, diz Bolinder. Calma… A maioria das perguntas estão disponíveis inglês mas é possível criar questionários noutras línguas.

 

City Guru, 2015, Lisboa

thecityguru.com

O GURU CHEGA EM CINCO MINUTOS

É o Uber das visitas guiadas. A aplicação City Guru permite contratar guias turísticos através de um clique e, tal como os novos serviços de transporte, dá para ver os gurus mais próximos da localização do utilizador. A ideia surgiu em Lisboa pelas mãos de João Almeida e de Said Baaghil, homem do marketing natural do Yémen mas que em Março decidiu responder ao convite do amigo para se instalar na capital portuguesa. Há circuitos predefinidos com temas como a cena musical da cidade, amantes de vinho e comida ou os cemitérios da capital. É ainda possível encomendar visitas personalizadas consoante o tempo disponível e escolher o guia através do perfil. Uma hora de visita guiada ronda os 15 euros. O objetivo da equipa do mundo, já que contam ainda com um programador indiano, é arranjar financiamento para exportar a plataforma para outras cidades e países.

 

Desabafa, 2016, Brasil

desabafabrasil.com

O snapchat do colo

Ruy Goes é um bom conversador. Tem 63 anos, vive em São Paulo, começou por ser engenheiro de software mas na última década dedicou-se à psicologia. No ano passado decidiu aproveitar o melhor dos dois mundos e criou a aplicação Desabafa Brasil. A app permite aos utilizadores, sob anonimato, partilharem os seus estados de alma e receberem feedback da comunidade. Com um twist. “Tem um lado de Snapchat: as mensagens só duram 24 horas”. Porque as crises emocionais podem ser sérias, todos os posts são lidos por uma equipa de “mediadores”, que intervém quando há sinais de alerta. “Mensagens de ódio, confissões de crimes e ‘bobagens’ não são permitidas.” Para o engate e mensagens que revelem a identidade, explica Goes, há a hipótese de enviar mensagens privadas. Mas há uma segunda vertente no projeto, admite Goes, que como qualquer empreendedor não esconde que para terem uma app gratuita o modelo de negócio tinha de encontrar outras formas de ser rentável. Têm robôs a analisar as mensagens anónimas para recolher informação sobre a forma como as pessoas lidam com problemas comuns como a traição, a inveja ou as dúvidas de sexualidade. “Acabamos por ser um laboratório de marketing e podemos vender a informação anónima às empresas para poderem criar campanhas dirigidas aos clientes”. A Desabafa Brasil tem por agora 100 mil utilizadores, cerca de cinco mil em Portugal. O passo seguinte é internacionalizar a ideia. Goes quer manter o nome Desabafa. “Vão aprender na nossa língua a emoção de desabafar. Não tem tradução, é como a saudade”, sorri. Quem sabe a ideia para uma próxima app.

 

Speak&Lunch, 2016, Suíça

speakandlunch.com

Die Rechnung, bitte.

A primeira metade do almoço é numa língua, a segunda noutra. Esta é a única regra da app Speak&Lunch, uma comunidade “esfomeada” por aprender, diz o site da startup suíça que lançou o conceito em Genebra em 2014. A ideia é tornar as horas de almoço mais produtivas para quem quer aprender línguas diferentes juntando pessoas disponíveis para ensinar e aprender. Uma novidade apresentada na Web Summit é a hipótese de empresas criarem grupos privados para os colaboradores perceberem que colega convidar para o almoço consoante a língua em que têm mais dificuldades. Em Outubro, a Speak&Lunch chegou oficialmente a cem cidades mas ainda só têm 25 utilizadores em Portugal, disse ao BI Eleni Theocharopoulos, representante da empresa. “Em Lisboa e noutra cidade que começa por um V…”, hesita. É Viseu. Se é alemão que quer aprender, ajudamos a fazer um brilharete na hora de pedir a conta (cada um dos convivas pagará a sua). “Die Rechnung, bitte”.

 

Lemur – Pet Dating, 2016, Rússia

lemurapp.co.uk

Os nossos gatos podem conhecer-se?

Funciona como o tinder, mas a ideia é aproximar os utilizadores através dos seus animais de estimação. Aliás, é a foto e o nome do bicho que surge em grande destaque no ecrã, com uma imagem mais pequena do dono. O nome é ambíguo – Lemur – Pet Dating – mas podemos concluir que é uma app de engate para animais de companhia e ao mesmo tempo corações que tenham em comum a paixão pelos bichos. “Vai conseguir ver o perfil de animais que estão à procura de amigos no seu bairro e imediações?”, diz o site. Denis Bolotov e Vitaly Stepanov conheceram-se na Universidade Estatal de Moscovo e decidiram avançar este ano com o conceito. Para já está ainda numa fase de testes em IOS: descarregámos a app e só apareceram uns poucos estrangeiros e os seus respetivos melhores amigos num raio de 12 km, provavelmente participantes da Web Summit. Mas os promotores anteveem um futuro promissor: em cinco anos, esperam ter 20 milhões de utilizadores ativos em 60 cidades e receitas na casa dos 90 milhões de dólares. Querem também ser dar a cara pela causa dos animais e proteção da natureza. A primeira iniciativa foi uma campanha de donativos para o Fundo para a Proteção da Natureza (WWF) da Rússia.

 

King of App, 2014, Espanha

Kingofapp.com

Apps em 20 minutos

O logótipo não é o mais vanguardista nos escaparates da Web Summit e o nome faz lembrar uma churrasqueira de bairro, mas há um número que chama logo a atenção: esta start up espanhola recebeu dois milhões de euros de financiamento comunitário através do programa científico Horizonte 2020. Criaram um modelo que permite a qualquer pessoa ou empresa construir a sua aplicação através de um sistema módulos. O conceito do faça você mesmo no mundo digital não é inédito, mas são os primeiros a ter software de código aberto (open source). Apesar de alguns fundos e modelos serem pagos, com a King of App é possível fazer uma aplicação básica em dez a vinte minutos sem custos. Para a publicar, o custo mínimo são 100 euros, mas alguém com conhecimentos mais avançados consegue exportar o código da app e publicá-lo por conta e risco a melhor preço. “A grande vantagem é que conseguimos um preço de 100 euros enquanto a concorrência chega a cobrar 3000 pelo produto final e o desenvolvimento pode demorar meses. Por isso existem 50 milhões de sites e muito menos aplicações”, explica Sabrina Boado. “Desenvolvemos o código e simplificamos o processo. Estamos a democratizar o mundo das aplicações”. Por dez euros, por exemplo, é possível acrescentar a funcionalidade cada vez mais popular de notificações (pushs) dos utilizadores, sem limite de utilizações. Até 31 de Novembro pode aproveitar o desconto da conferência para ter uma app gratuita com o código ‘websummit2016’.

 

Catxi, 2016, Portugal

Catxy.com

O Pokemon Go da vida real

Depois do mundo ter andado louco com o Pokemon Go, há uma nova app de realidade aumentada e é portuguesa. Chama-se Catxi e a ideia não é caçar pequenos monstrinhos, mas caras conhecidas ou desconhecidas à nossa volta. Diogo Sousa e Silva explica que o conceito surgiu com um anúncio da Heinz e ganhou força nos últimos meses. Lançaram a app há dez dias e já têm 10 mil utilizadores, a mais famosa a atriz Kelly Bailey. Como funciona: aponta-se a câmara do telemóvel em qualquer localização e dá para ver outros utilizadores registados por perto, com o perfil a surgir em bolinhas consoante o local onde estão tal como no Pokemon Go apareciam zubats e pidgeys. “Quantas vezes uma pessoa vai a um concerto e depois percebe que um amigo também esteve lá e não o viu”, exemplifica Diogo. É possível estar visível para toda a comunidade Catxi ou só para a rede de amigos. No futuro querem aumentar a sustentabilidade da empresa vendendo locais patrocinados a marcas. “A publicidade deixa de estar limitada a espaços físicos. Uma pessoa pode estar no estádio da Luz e quando liga a aplicação surgem, além dos utilizadores, os perfis patrocinados, por exemplo da Emirates”, explica Diogo, que lançou a start up com um amigo dos tempos de escola no Entroncamento, ele originalmente com formação em farmácia e Fábio Rodrigues da área de gestão. “Dizíamos que um dia íamos ter uma empresa e uma casa na Quinta do Lago. Já temos a empresa”, sorri.

 

Doitwine, 2017, Portugal

doitwine.com

Um bocadinho de vinha

Esta aplicação só tem lançamento previsto para o início de 2017, mas José Alberto Rodrigues está entusiasmado. Com a Doitwine vai ser possível a qualquer pessoa alugar alguns metros quadrados de vinha durante um ano e receber em casa o respectivo néctar. “Muitas pessoas gostavam de ter uma vinha mas o processo é dispendioso”, explica o responsável, produtor de vinho no Dão. A ideia é ter parceiros como vinicultores de todo o mundo e ir ao encontro do interesse dos consumidores, que através de uma app poderão controlar todo o processo, da vindima à produção. Os valores da renda vão depender da vinha, castas e localização, mas o responsável revela que um pacote básico deverá rondar os 300 euros, com direito a cerca de cem garrafas de vinho. Não é caso para enjoar? José Alberto Rodrigues diz que não faltará vinho para levar aos jantares de amigos mas a aplicação permitirá ainda criar uma comunidade e haver trocas é uma possibilidade em aberto.

 

Gluteno, 2016, Hungria

Facebook.com/glutenofood

These are a few of my favourite things

A foto de António Costa a atacar brownies sem glúten já ninguém lhes tira. Ildi Richter é a alma da Gluteno, uma das startups bafejada com a visita do primeiro ministro durante a conferência. Para já são uma cafetaria de produtos sem glúten em Budapeste, mas querem crescer em dois caminhos. O primeiro é uma cadeia de street food para intolerantes ao glúten, ideia que lhes valeu um cartão de contacto da Sonae. O segundo conceito é uma rede social que ajude os portadores desta intolerância a alimentar mas também de outras doenças. Ildi, de 33 anos, cresceu com problemas de saúde mas só há cinco anos, quando foi hospitalizada em estado crítico, foi finalmente diagnosticada com uma doença rara em que a ingestão glúten piora o prognóstico. “Além do lado físico, numa situações destas uma pessoa vai completamente abaixo.” Para complementar o negócio alimentar, quer criar uma aplicação que ajude a ultrapassar os momentos mais difíceis, inspirada no truque que usava em miúda. “Um dia ao ouvir a canção ‘Favourite Things’ do filme ‘Música do Coração’ comecei mesmo a pensar que são as coisas pequenas que nos fazem felizes. Gotas de orvalho em flores, os bigodes dos gatinhos. Comecei a ter uma pasta onde guardava poemas e fotografias que me faziam sentir bem.” A aplicação, em desenvolvimento, vai chamar-se Favourite Things e permite a cada utilizador ter uma lista de dez coisas que o fazem feliz, para ter de pensar bem nelas. “Se quiser acrescentar, tem de tirar alguma das que lá estavam.” Ao mesmo tempo, terá partilhas na comunidade e o encontro entre pessoas que sofram dos mesmos problemas. Ildi não dispensa nem a canção nem os brownies.

 

Business in the air, 2016, Portugal

Businessintheair.com

O LinkedIn dos aeroportos

Georges Ribeiro, engenheiro informático bracarense, teve a ideia num voo de Hannover para Portugal, depois de participar numa conferência da sua área. Na escala em Frankfurt, reparou que muitos dos passageiros com quem partilhava a sala de espera tinham saído de Lisboa no mesmo voo e pensou para os seus botões que quem viaja em trabalho podia aproveitar melhor os compassos de espera nos aeroportos e, quem sabe, fazer negócio. Em março, ganharam um concurso de startups da Vinci Airports e deram asas à aplicação Business in the air, uma espécie de LinkedIn ao vivo e a cores. Para já ainda numa fase de testes, mas já disponível para download, o registo pode ser feito importando o perfil da rede social profissional, para simplificar o processo. No mesmo lobbie, os utilizadores conseguem ver quem está por ali e enviar mensagem ou podem optar por fazer as coisas à moda antiga com uma pequena ajuda da tecnologia: depois de descobrir o contacto mais interessante, levantam-se para meter conversa.