“Há atendimentos que são fisicamente inaceitáveis no SNS”

Hospitais e centros de saúde vão ser obrigados, a partir do próximo ano, a melhorar atendimento, revela Constantino Sakellarides. Consultor do ministro deixa um alerta: “O SNS, para sobreviver, tem de receber bem as pessoas”

Filas na rua e salas de espera sem condições, pessoal sem formação e desmotivado, cartazes informativos nas paredes com letra “em tamanho 11”, ilegíveis. O governo quer acabar com este cenário. E por isso, a partir do próximo ano, a qualidade do atendimento ao público nos serviços de saúde do SNS – hospitais e centros de saúde – vai passar a pesar no financiamento das instituições.

A medida foi anunciada ontem por Constantino Sakellarides numa iniciativa do ‘think tank Saúde que Conta’, que discute formas de melhorar a literacia no setor em Portugal. Em declarações ao i, à margem do encontro, o especialista em saúde pública e consultor estratégico do ministro Adalberto Campos Fernandes alerta que, atualmente, há “atendimentos que são fisicamente inaceitáveis no Serviço Nacional de Saúde”, dando como exemplo unidades em que os doentes têm de esperar a sua vez à chuva.

“Mudar isto não obriga a grandes dispêndios, mas a que alguém diga ‘isto não pode ser assim’. Os serviços públicos nem sempre têm na ideia o cliente. Mas o Serviço Nacional de Saúde, para sobreviver, tem de receber bem as pessoas”.

Sakellarides defende que a melhoria do atendimento é um passo central para pôr as pessoas e não as instituições no centro dos cuidados e para melhorar a promoção da Saúde, tornando o acolhimento nos serviços uma oportunidade para passar mensagens que levem a população a prevenir e a aderir aos tratamentos.

É nesse sentido que as regras de contratualização entre o Estado, os hospitais e centros de saúde vão passar a incluir esta vertente, explica o especialista. Cada instituição terá de nomear um responsável pela requalificação – esse técnico deverá ter uma equipa e preparar um plano anual de intervenções. Para balizar os trabalhos a nível nacional será publicado um regulamento com os “mínimos a cumprir”, diz Sakellarides.

As instituições que não adiram ou não cumpram esses critérios – como por exemplo garantir condições de espera adequadas aos utente – serão penalizadas no financiamento. Já as que cumprirem serão beneficiadas, revelou, sublinhando que o objetivo é premiar as boas práticas. As unidades poderão ainda candidatar-se a projetos de beneficiação e receber verbas adicionais para isso.

Segundo o i apurou junto da Administração Central do Sistema de Saúde, as regras de contratualização deverão ser publicadas nos próximos dias e os contratos com os hospitais para 2017 deverão ficar fechados até ao final do ano.

Secretariado em risco de ‘burnout’ Outra componente da intervenção será a formação contínua do secretariado clínico que trabalha no atendimento ao público, revela Sakellarides. “São pessoas sujeitas a uma grande pressão, com elevado risco de ‘burnout’, e que hoje não têm qualquer acompanhamento.”

Aprender regras de comunicação, estratégias para lidar com o cansaço antes de entrar em esgotamento e formas de gerir as reclamações dos doentes são algumas das áreas a aprofundar com sessões de formação ‘online’, diz o responsável.

Tornando o espaço de acolhimento no SNS mais amigável, a ideia é aproveitá-lo para a promoção da Saúde. “As televisões poderão passar mensagens educativas e um dos planos é transpor os conteúdos do portal do SNS para suporte televisivo”, adiantou Sakellarides, explicando que a ideia é acabar com os televisores pequenos demais num canto das salas de espera e, muitas vezes, desligados porque já ninguém se lembra deles.

As iniciativas serão avaliadas pela Administração Central do Sistema de Saúde, diz ainda Sakellarides, adiantando que haverá formas “mais e menos simpáticas” de perceber se as unidades estarão a evoluir. “Doentes-fantasma”, como o cliente-mistério das empresas, é uma ferramenta que crê não vir a ser necessária, dando prioridade a instrumentos como inquéritos de satisfação dos utentes, promovidos pelas próprias equipas de requalificação das instituições.

estratégia nacional para a literacia

À quarta edição, o ‘think tank Saúde que Conta’ apresentou contributos de 22 peritos para uma estratégia nacional de literacia em saúde, conceito técnico que diz respeito à forma como a população domina e põe em prática conhecimentos sobre saúde e bem-estar.

“Descomplexificar” o SNS, melhorar as competências comunicativas dos profissionais de saúde, com cadeiras obrigatórias nas faculdades, e levar os doentes a “ensinar” médicos e enfermeiros sobre as características próprias das suas doenças são algumas das propostas.

Maria de Belém Roseira, ex-ministra da Saúde, foi uma das oradoras do encontro na Universidade Nova de Lisboa e deu como exemplo a má sinalética no SNS. “As pessoas perdem-se nos hospitais”, alertou. Uma das metas da tutela para 2017 é implementar o Programa Nacional de Educação para a Saúde, Literacia e Autocuidados, que começou a ser desenhado este ano e deverá ter a primeira avaliação em junho de 2017.