A polémica marca a Caixa Geral de Depósitos (CGD) nestes últimos anos. Polémicas políticas no maior banco nacional, que só acontecem por ser um banco do Estado – uma questão que começou a ganhar maiores contornos a partir de 2004. Feitas as contas, há 12 anos que a instituição financeira enfrenta problemas e nem os números que envolvem o banco conseguem salvar a Caixa deste problema.
Mas vamos a números: o banco conta com quatro milhões de clientes em Portugal, mais de 1200 agências, cerca de 8800 funcionários só em Portugal, mais outros tantos lá fora. A CGD absorve ainda mais de 58 mil milhões de euros em depósitos – entre particulares (quase 47 mil milhões de euros ) e empresas (mais de seis mil milhões de euros) – e concede mais de 52 mil milhões de euros de crédito, de acordo com a informação mais recente disponibilizada pelo banco. Tem atividade em 23 países, entre os quais Angola, Cabo Verde, Moçambique e Brasil, bem como Reino Unido, Espanha e França.
Números à parte, as polémicas começaram em 2004, era António de Sousa o presidente do banco estatal depois de ter sido nomeado pelo governo de António Guterres em 2000. Em 2004, Luís Mira Amaral é nomeado para a administração da Caixa, provocando alguma instabilidade na estrutura do banco.
Qual foi a solução encontrada? António de Sousa fica na presidência do conselho de administração e Mira Amaral, escolhido pela ministra das Finanças, Manuela Ferreira Leite, na liderança executiva. No entanto, esta liderança bicéfala termina passados poucos meses, em setembro.
Mira Amaral, mais uma vez, fica envolvido em forte polémica ao ser revelado que iria receber uma reforma de 18 mil euros, apesar de ter estado pouco tempo na administração da CGD.
O senhor que se segue Vítor Martins, ex-secretário de Estado dos Assuntos Europeus de Cavaco Silva, veio substituir António de Sousa e Mira Amaral. A nomeação foi feita pelo ministro das Finanças, Bagão Félix, já no governo de Santana Lopes. Com esta solução, o banco estatal passa a ter um único presidente, que passa também a acumular as funções executivas.
Nessa altura foi nomeada para administradora não executiva a ex-ministra da Justiça de Durão Barroso indicada pelo CDS, Celeste Cardona, provocando uma onda de forte contestação, ao ponto de a oposição ter exigido a presença de Bagão Félix no parlamento para explicar as razões desta escolha.
Sarilhos com Sócrates Já em 2005, com o governo de José Sócrates, a presidência da CGD é assumida por Carlos Santos Ferreira, que tinha estado à frente da área dos seguros da Caixa, numa administração que conta com Armando Vara, que tinha pertencido ao executivo de António Guterres.
Este nome que não tardou a espoletar críticas, já que a única experiência de Vara em instituições financeiras era como trabalhador de um balcão de agência da CGD – mais uma nomeação política para a vice- -presidência do banco público.
Santos Ferreira acaba por abandonar o banco do Estado no início de 2008 e vai diretamente para o BCP, levando consigo Armando Vara – uma decisão que levou o fundador do BCP, Jardim Gonçalves, a considerar que se tratava de um “assalto ao poder” através de dois “comissários políticos”. O certo é que este conselho de administração foi o que deixou a CGD com os resultados líquidos mais elevados de sempre e mais altos de toda a banca.
volta a liderança bicéfala Ainda é com o governo de Sócrates que entra para presidente do conselho de administração da CGD Fernando Faria de Oliveira, um ex-ministro do PSD. Mas três anos depois, em 2011, já com o governo de Passos Coelho, assiste-se a um regresso à liderança bicéfala, ficando Faria de Oliveira como presidente do conselho de administração (não executivo, chairman) e José de Matos, uma figura então praticamente desconhecida vinda do Banco de Portugal, como presidente executivo. E é nessa altura que o primeiro-ministro é acusado pelos partidos de esquerda de “partidarizar” o banco público devido a nomeações de vogais ligados aos partidos do governo, nomeadamente Nuno Fernandes Thomaz e António Nogueira Leite – uma acusação afastada por Passos Coelho ao garantir que não existe em Portugal qualquer nomeação que o executivo tenha feito “em razão de cartões partidários”.
Longa espera Apesar de ser conhecido que o governo de António Costa queria mudar a administração da CGD e de o mandato da equipa de José de Matos ter terminado no final de 2015, a equipa ficou no banco até final de agosto – uma longa espera para aguardar luz verde do Banco Central Europeu (BCE) à nova gestão liderada por António Domingues, a única maneira de evitar um vazio de poder no maior banco do país. José de Matos torna-se polémico por comparar a CGD a um petroleiro e por apresentar consecutivamente perdas no banco (ver texto secundário).
Princípio do fim Depois de uma longa espera para a aprovação do plano de recapitalização da Caixa – que está previsto arrancar no próximo ano e pode chegar aos 5 mil milhões de euros – por parte do BCE, António Domingues assumiu a presidência da CGD em 31 de agosto. Rapidamente, a polémica estalou com o salário do administrador, uma vez que beneficiou do fim dos limites salariais, com o governo a garantir que só assim iria buscar os melhores do setor. No entanto, foi com a recusa da entrega das declarações de rendimentos e património ao Tribunal Constitucional que o caso ganhou maiores contornos. O ainda presidente da Caixa bateu com a porta, alegando que a sua permanência poderia pôr em causa o plano de recapitalização, tal como o i avançou na edição de ontem. António Domingues ficará no banco até ao final do ano e o governo já prometeu revelar o seu sucessor até ao final desta semana.
Estes 12 anos ficaram ainda marcados pela eterna discussão em relação à privatização do banco estatal – uma intenção que tem sido adiada por uns governos e rejeitada por outros. Pelo meio está ainda uma comissão de inquérito no parlamento para avaliar a gestão entre 2000 e 2015, período durante o qual passaram pela administração António de Sousa, Luís Mira Amaral, Vítor Martins, Carlos Santos Ferreira, Armando Vara, Fernando Faria de Oliveira e José de Matos. No entanto, os trabalhos estão de momento suspensos, depois de a Assembleia da República ter recorrido ao Tribunal da Relação para garantir a entrega de documentação por parte do banco público e do Banco de Portugal, que alegam que essa informação é sensível.