Não se sabe ao certo qual foi a última peça a cair, mas, no fim do mês de novembro, as defesas rebeldes de Alepo desfizeram-se em pedaços. Cederam enfim a dois meses de cerco, que é o mesmo que dizer à fome, à falta de cuidados médicos, à ausência de armas e à fadiga.
Sucumbiram finalmente sob o peso das toneladas de bombas largadas todos os dias de aviões russos e sírios, algumas causando crateras tão profundas que, uma vez cheias com a água das chuvas, se transformam em pequenas piscinas públicas para as crianças dos bairros da oposição. Desintegraram-se com as guerras dentro das coligações entre os mais poderosos radicais islâmicos e os menos capazes, numerosos e um pouco mais moderados grupos locais.
As alianças aguentaram-se nos últimos anos não tanto por afinidade ideológica como pela busca da sobrevivência e o ódio mútuo a Assad, mas não resistiram às forças que se foram acumulando às portas da grande cidade síria. Há quem fale em golpe interno, mas não há forma de o saber com precisão enquanto o fumo da guerra não assentar e se enterrarem as centenas de cadáveres criados pelos combates dos últimos dias.
Alepo passou quatro anos dividida entre bairros rebeldes no leste e ruas governamentais no lado oposto. Não ficará assim por muito mais tempo. A Alepo rebelde cairá. Possivelmente até ao fim do ano e certamente antes do final de janeiro. Com ela tombará também a importância da oposição armada. Cinco anos e 400 mil mortos depois, Assad está perto da vitória final.
Início do fim A guerra civil não acabará com a vitória do regime em Alepo. Esse parece ser ainda um ponto distante. Assad, todavia, não precisa que o conflito acabe para vencer. Basta-lhe ser a única garantia viável de que o seu país não se transforma numa Líbia. E isso consegue expulsando os rebeldes de Alepo, o último centro urbano que não está por completo nas suas mãos.
Fora a grande cidade síria, aliás, a oposição tem apenas os campos rurais de Idlib, no noroeste. Vastos, sim, mas inúteis para garantirem um lugar à mesa. O resto do país não é alternativa. Para além do autoproclamado Estado Islâmico, que não tem ambições políticas e não dá ouvidos a ninguém, existem apenas algumas bolsas de oposição armada no sul, próximas da fronteira com Israel, financiadas pelos Estados Unidos mas estanques em termos territoriais. Assad, aliás, pouco lhes tem prestado atenção. Os curdos dominam uma longa tira de terreno no norte, que faz quase toda a fronteira turca, mas têm uma aliança informal com o regime, que tratará de lhes garantir alguma autonomia num cenário de resolução política – mas não ao ponto de despertar a ira dos turcos, que, passados anos de oposição violenta a Damasco e financiamento volumoso aos rebeldes, se aproximaram recentemente dos russos e quase não criticaram as últimas semanas de operações em Alepo.
Assad tem ainda mais motivos para sorrir se olhar para além do tabuleiro sírio, como explica ao i Antoun Issa, jornalista e investigador no Middle East Institute. “A vitória de Trump é absolutamente um presente para Assad”, argumenta. “Denegriu a oposição síria ao longo da campanha, manifestou proximidade com o maior aliado de Assad – Putin – e enfatizou a necessidade de combater o Estado Islâmico”, recorda. “A captura de Alepo pelo regime faz com que seja mais fácil a Trump transformar a sua retórica em ação. Com todas as grandes cidades sírias sob controlo governamental e a oposição armada quase vencida, será mais fácil para ele apoiar a posição russa, acomodar Assad e combater o Estado Islâmico. Isso anula o debate sobre se seria polémico Trump virar as costas à oposição síria que Obama apoiou”, diz, repetindo o consenso entre analistas: “A queda de Alepo será uma derrota monumental para a oposição.”
Aprisionados Não é ela a única derrotada. Os violentos combates das últimas semanas mataram dezenas de civis – ou centenas, não se sabe. Os que ainda não fugiram do pouco de terra que a oposição armada ainda detém, no extremo sul da cidade, arriscam-se a morrer nos combates das próximas semanas.
A Rússia anunciou ontem que iria suspender os confrontos para que cerca de oito mil pessoas pudessem sair dos territórios da oposição, como os rebeldes pediram na quarta-feira, quando os seus bairros da zona histórica foram retomados pelas tropas sírias – e pelos recém-chegados reforços xiitas vindos de quatro países. Mas não é certo que a pausa russa baste para retirar todos os residentes.
As Nações Unidas contam ainda cerca de cem mil pessoas nos domínios rebeldes. Washington e Moscovo, para além disso, ainda não chegaram a acordo sobre o que acontecerá às centenas de combatentes ainda na cidade.
Nã há muita esperança entre quem assistiu a sucessivas tentativas frustradas de trégua e onde a ajuda humanitária não chega há semanas – o regime não o permite. Damasco ainda tentou convencer a população a aproveitar os corredores que abriu para os setores que controla, mas poucos tomaram a oportunidade antes do assalto de novembro. Há décadas que se conhece o que se passa nas prisões do regime.
Era o mesmo no tempo de Haffez al-Assad, o pai de Bashar. Nas palavras de Mohamed Alaa Al Jaleel ao “El País”: “Aqui só continuam os pobres, aqueles que não têm para onde ir, aqueles a quem já não resta nada.”