Roberto Carneiro. “A escola não é um mero competidor de campeonatos”

Apesar de reconhecer a utilidade dos rankings para as famílias e para os alunos, o ex-ministro da Educação alerta para o risco de juízos falaciosos que podem resultar destas avaliações.

Roberto Carneiro. “A escola não é um mero competidor de campeonatos”

É sem surpresa que Roberto Carneiro vê as escolas privadas a ocupar, novamente, os primeiros lugares dos rankings. Uma tendência que o ex-ministro da Educação do governo de Cavaco Silva diz acompanhar “a generalidade dos países” havendo, porém, “diferenças muito menos acentuadas” entre o público e o privado. Em seu entender seria possível uma inversão nesta tendência caso a escola pública fosse dotada de mais autonomia, ficando fora da “infindável e paralisante” carga burocrática imposta pelo Ministério da Educação, que tem um perfil “napoleónico e hierático”.

Os rankings são úteis para os alunos e para as famílias?

São, indubitavelmente, úteis para os ‘clientes’ e primeiros interessados na qualidade da educação ministrada nos estabelecimentos de ensino que são suportados pelos impostos, e eventuais propinas, pagos pelos cidadãos, logo pelas famílias dos alunos. Mas direi também que a escola não é um mero competidor para ocupar um lugar de relevo em campeonatos nacionais ou internacionais.

Os primeiros lugares voltam a estar ocupados por escolas privadas. O que nos diz esta tendência?

Não me espanta. Na generalidade dos países o ensino privado tem um comportamento mais destacado, muito embora com diferenças muito menos acentuadas do que as que se verificam entre nós. Tenho pena pois, sendo a minha família uma ‘pesada’ utilizadora e cliente do ensino público, designadamente a partir do 5.º ano de escolaridade, tenho o entendimento de que a comunidade educativa nacional só teria a ganhar com uma aproximação entre os resultados aferidos dos ensinos público e privado.

O que se pode fazer para melhorar os resultados na escola pública?

As melhores escolas são aquelas que gozam de lideranças de serviço capazes de entusiasmar os professores, de inflamar os alunos e famílias fazendo com que se sintam aliados efetivos da aventura escolar, e de criar ou proporcionar contextos educativos ‘amigos’ da inovação e da vivência de uma autêntica confiança entre os parceiros do processo educacional. No caso do ensino público, a medida-chave vai no sentido de se garantir uma efetiva – que não uma mera retórica – autonomia da escola, acompanhada de formação e de coaching do pessoal dirigente a todos os níveis.

No futuro, o desfasamento entre público e privado vai acentuar-se?

Temo bem que a diferença não seja revertida se, como defendo desde há décadas, a escola pública não for devolvida por inteiro à sua comunidade de pertença, ao invés de continuar a ser tratada como um terminal da infindável e paralisante cadeia burocrática que impera numa mega-administração de perfil napoleónico e hierático – sujeita aos caprichos pontuais e discricionários de qualquer governação menos conhecedora dos ritmos e idiossincrasias próprias a um sistema social ultra regulado e refém de forças intervenientes, largamente desequilibradas no seu poder de condicionamento dessa mesma regulação.

O que não nos dizem os rankings?

Na ausência de um tratamento criterioso da variável tempo, arriscamo-nos a cair em juízos falaciosos, senão injustos, retirados a partir de leituras estáticas ou de corte conjuntural no tempo. Dou-lhe um exemplo facilmente apreensível: é evidente que um estabelecimento de ensino mergulhado num contexto sociocultural e económico desfavorável tem uma maior dificuldade em ocupar lugares cimeiros nos rankings. Neste caso, o que verdadeiramente interessa à política pública e à investigação é apurar em que medida essa escola está a conseguir superar o ambiente de manifesto desfavor em que opera e se evolui positivamente quando comparada consigo própria ao longo do tempo, ou por comparação com outros estabelecimentos, em condições semelhantes. Sem levar em conta essas considerações, dificilmente a produção de avaliações globais, baseadas em rankings congelados no tempo, serão de utilidade para a melhoria comparada do sistema.

Deveria ser o ministério a fazer os rankings?

Não. Creio que as avaliações válidas são as independentes e conduzidas por entidades idóneas, como será o caso da OCDE. Defendo mesmo que a inspeção da educação – atualmente IGEC – seja retirada da alçada direta do Executivo e colocada, por exemplo, na dependência do Parlamento (como acontece nos Países Baixos) ou da Presidência da República (como no Reino Unido). Isso aumenta a credibilidade das avaliações do sistema e dos rankings que sobre as mesmas sejam construídas. Mas essa preferência não impede o Ministério da Educação de elaborar rankings, como aliás qualquer outra entidade que o queira fazer. Contando o Ministério da Educação com um manancial de informação estatística manifestamente superior ao de qualquer outra entidade, esperaria que as análises que viessem a ser produzidas pelo responsável pela política educativa no país, fossem mais pormenorizadas e contivessem mais dados para a formação de opinião sobre o funcionamento das escolas por parte do cidadão comum e interessado.