Depois de vários meses de reuniões, o grupo de trabalho chegou a acordo em relação à solução a apresentar aos lesados. Acha que foi o melhor acordo possível?
Dentro daquilo que era a possibilidade acho que foi o melhor acordo possível. Sempre disse que estes clientes não só têm a razão moral, mas também a razão jurídica do seu lado. Muitas destas pessoas precisam desesperadamente de voltar a ter as suas reservas, as suas poupanças, alguns deles não têm idade para esperar por oito, nove ou dez anos por uma sentença transitada em julgado.
O que foi mais difícil ‘negociar’?
Diogo Lacerda Machado disse uma coisa que é verdade, não houve uma negociação no sentido de oferecer oito e receber nove para depois acertar por 8,5. Isso não aconteceu. O que aconteceu desde o início é que existia um conjunto de condições e requisitos, algumas delas que vêm da própria deliberação da Assembleia da República, que fundamentou juridicamente o aparecimento deste grupo e o aparecimento desta solução. Depois foram aparecendo mais, como o facto de a solução não poder ter custos para o contribuinte, o respeito pela medida de resolução e a determinado momento foi aparecendo a questão do impacto do défice. Cada uma destas variáveis e exigências tinha de ser integrada na solução que estava a ser construída e isso não foi fácil. Mas apraz-me dizer que logo nas primeiras reuniões, o grupo de trabalho funcionou como um todo e as entidades envolvidas, como a CMVM, o Banco de Portugal, o Governo através do representante do primeiro-ministro e os clientes deixaram de olhar para o seu próprio umbigo e começaram a contribuir ativamente e proativamente como um bloco para uma solução. Foi muito rápida a passagem de cada um estar na sua quinta para passarmos a trabalhar todos em prol de uma solução.
Sempre com a condição que a solução não tivesse custos para o contribuinte…
Essa foi sempre uma condição inicial e, a partir de determinado momento do ano, devido a um conjunto de circunstâncias também foi importante encontrar uma solução sem impacto ou que esse impacto fosse o mais reduzido possível para o défice. Isso teria de ser levado em linha de conta, não como condição indispensável, mas sempre como um requisito a ponderar.
A solução peca por ser tardia?
É óbvio. Mas ainda António Costa era secretário-geral do PS e candidato a primeiro-ministro quando se aproximou dos lesados e da associação, mostrando disponibilidade para dialogar sem nunca nos garantir nada. Garantiu apenas que queria ouvir e dialogar, coube depois à associação transigir. Havia pessoas que legitimamente entendiam que deviam receber 100% do seu dinheiro, mas a partir de determinado momento e, para se chegar a um acordo, tiveram de dar o primeiro sinal de que estavam dispostos a transigir. A partir daí foi fácil envolver os reguladores financeiros, principalmente o Banco de Portugal porque a CMVM sempre se mostrou disponível para dialogar. Só no final do ano passado, princípio de janeiro, já com António Costa no Governo é que ficaram reunidas as condições políticas para que os técnicos pudessem dialogar.
A partir daí demorou quase um ano a desenvolver esta solução…
Por ter passado por um processo equivalente no BPP sempre avisei que o caminho ia ser longo, até porque nas primeiras reuniões percebemos que as dificuldades técnicas que seriam necessárias ultrapassar seriam imensas. Achei o prazo de 30 de abril que na altura foi dado pelo primeiro-ministro quando assinámos o memorando em São Bento a 30 de março relativamente ambicioso, mas porventura exequível. Quando começámos a trabalhar, facilmente vimos que não era possível cumprir essa data. Acreditamos que apesar de ter demorado, a solução é possível e sei que a esmagadora maioria dos clientes e associados estão satisfeitos. Acredito que haja uma pequena minoria que não está, mas não é possível agradar a toda a gente e não é possível sacrificar os direitos de uma maioria por causa dessa minoria. Tenho clientes que não estão interessados em aceitar o acordo e respeito isso, mas sempre tive o cuidado de lhes explicar a determinado momento que as expectativas para cada caso não eram exatamente as mesmas.
Quando o prazo de 30 de abril não foi cumprido os clientes ficaram desmoralizados?
As maiores dificuldades que vivi na gestão deste processo foram mais internas do que externas. Algumas pessoas que faziam parte deste universo e colegas que representavam outros clientes nunca acreditaram na possibilidade de sucesso deste negócio. Houve um conjunto de entropias internas que, por vezes, dificultaram o trabalho de mobilizar e de cumprir o compromisso que tínhamos que era de parar com os protestos e manifestações enquanto o diálogo existisse. Ou seja, havia um trabalho de mobilização e de sensibilização por parte da associação presidida por Ricardo Ângelo que acreditava neste modelo de diálogo e depois apareciam dificuldades internas que criavam descrença, desmobilização e vontade de manifestar e de protestar quando as coisas estavam paulatinamente a acontecer positivamente. Além disso, havia também a dificuldade de gerir a reserva e o segredo do que se passava na sala de trabalho, em que não se podia explicar tudo às pessoas nem criar falsas expectativas.
Sente agora um alívio por parte dos clientes?
Sim, daí Ricardo Ângelo falar de bênção a cinco dias do Natal. As pessoas não têm a noção do que a esmagadora maioria dessas pessoas passou no Natal de 2015. A angústia, alguns viveram e ainda vivem dramas humanos, familiares: irmãos contra irmãos, maridos contra mulheres. O trabalho da associação foi fundamental porque acompanhávamos as redes sociais de alguns clientes, uns falavam em suicídio, houve pessoas da associação que chegaram a parar pessoas que iam com uma espingarda para dentro do Novo Banco e diziam que só saíam de lá com o dinheiro. Foram as pessoas da direção da associação com muito esforço pessoal que conseguiram ir acalmando e motivando as pessoas a dizer que o dia de hoje, agora com o acordo, iria ser uma realidade porque essa crença nunca desapareceu nem nos momentos maus.
Foi fácil convencer os clientes a abdicarem parte do seu dinheiro?
Não foi fácil, mas no início deste ano, em janeiro, foi acordado entre mim e Diogo Lacerda Machada que teria de ser dado um sinal público de que os clientes estavam dispostos a abdicar de algo. E numa entrevista a um órgão de comunicação social esse sinal foi dado. Não podíamos explicar tudo às pessoas naquele momento, mas era uma condição sine qua non inicial para que todo o resto do procedimento ocorresse e para que as entidades reguladoras, nomeadamente o Banco de Portugal, se sentasse à mesa. Nesse momento fui muito criticado, mas não era possível explicar às pessoas o porquê de estar a acontecer aquilo, mas era indispensável que aquele momento acontecesse e as palavras dos clientes a transigirem e a abdicarem de parte das suas poupanças foi fundamental para que esta solução tivesse alguma vez oportunidade de ver a luz do dia.
Compreenderam que teria de haver cedências…
Em bom rigor não há ninguém que possa dizer que tenha havido um erro. Desde que comecei a trabalhar neste processo, em fevereiro/março de 2015 disse que num acordo não era possível receber tudo e quem achasse que tinha de receber tudo teria obrigatoriamente de seguir pela via litigiosa. Quem esperasse chegar a um acordo quer no fator montante quer no fator tempo teria de ceder. Aqueles que tinham 100 ou 200 mil euros não ouviram o mesmo discurso da minha parte do que aqueles que tinham 400, 500 mil ou um milhão de euros investidos. O que antecipei naquela altura não foi muito diferente do que aconteceu. Nisso sinto a minha consciência tranquila porque nunca criei uma falsa expectativa.
Mas vários lesados desistiram?
Houve pessoas que decidiram não contratar os meus serviços porque acreditam que têm o direito a receber os 100% e respeito essa decisão. Nunca acreditei que uma pessoa que tivesse um milhão de euros por via do acordo viesse a receber 100% e isso foi-lhes dito. Há clientes com elevados montantes que não tendo a necessidade nem a urgência do dinheiro e tendo a possibilidade de litigar devem-no fazer se assim o entenderem. Não devem abdicar daquilo que é seu se entenderem que têm capacidade, vontade e disponibilidade para litigar. Os tribunais podem demorar mas funcionam e as pessoas que entenderem que essa é a sua via então não devem ser obrigados a aceitar um acordo que não concordam e que não gostam.
Em junho dizia que a solução poderia reunir 100% dos clientes. Ainda acredita nessa meta?
Acredito que vamos estar num valor muito acima daquilo que são as condições mínimas que são exigidas pelo acordo que é 50% mais um. Acho que vamos estar entre os 90 e os 95% do volume de adesão e foi isso que garanti dentro do grupo de trabalho.
Já realizou algumas sessões de esclarecimento, qual foi a recetividade?
Não existiram dúvidas porque o modelo que foi encontrado é muito próximo do modelo que tinha sido desenhado em junho, há um fator ou outro mais benéfico em relação ao tempo. As pessoas estavam à espera de receber entre cinco a dez anos e afinal vão receber em três. Há outras questões novas, como a do universo que foi um bocadinho mais reduzido, mas sem impacto nos membros da associação que é o facto de todas as pessoas terem adquirido papel comercial depois da medida da resolução, ou seja, a partir de 3 agosto estarem excluídas, excluindo assim os investidores com caráter especulativo. As reuniões têm servido mais para consolidar informação. Talvez a única novidade é o cronograma, porque diz o que vai acontecer em março, em abril e em maio, coisa que quando falámos em junho tínhamos uma ideia, mas não tínhamos o cronograma fechado.
Em junho quando apresentou a solução achava que o pagamento seria feito mais cedo?
Sim, pensava que aquilo que está previsto ocorrer para abril e maio iria acontecer entre o final do ano e o primeiro trimestre de 2017. Mas estamos a falar de uma derrapagem de 60 dias, o que num acordo desta dimensão não é problemático nem sequer censurável, é admissível.
De uma forma geral está satisfeito com a solução encontrada?
Sim, porque corresponde ao que me comprometi com a associação e com as pessoas que dele fazem parte desde março de 2015. Foi nisso que sempre me envolvi e mobilizei. Teria sido difícil gerir o fracasso se isto não tivesse acontecido. Felizmente a crença estava certa, felizmente o trabalho foi profícuo. Estou obviamente satisfeito depois de ter ajudado o BPP em 2010 e ter ajudado a construir esta solução para estas pessoas.
Mas há investidores que ainda não desistiram pois estão descontentes com a solução…
Isso era óbvio e com algumas dessas pessoas tive a oportunidade de falar antecipadamente em março/abril deste ano quando comecei a sentir que, após algumas reuniões, algumas das pessoas ficariam de fora da solução porque chegou-se a equacionar que aquele escalão dos 50% nem sequer iria existir ou porque teriam uma proposta que não seria interessante. Nessa altura tive o cuidado de falar individualmente com cada um deles e alertar para que isto poderia ser uma realidade. Essas pessoas que não estão satisfeitas não tiveram má informação ou informação errada, tiveram a informação certa. Não gostam dela, não concordam, mas obviamente têm um caminho alternativo para seguir como sempre lhes foi dito.
António Costa disse que era preciso minimizar as perdas…
Sempre foi esse o objetivo e essa frase está no memorando de 30 de março. Este acordo nunca teve o objetivo de recuperar integralmente as soluções. Isso é possível, mas por outras vias, não por via do acordo. Isso é possível se no futuro o veículo que vier a ser constituído vier a ganhar e a ter sucesso nas ações. As pessoas que estão agora a abdicar de 50% ou de 75% poderão no futuro vir a recuperar a totalidade do seu dinheiro. Em teoria e em abstrato essa situação é plausível e o documento diz claramente isso. Se for recuperado mais dinheiro do que aquele que foi gasto, esse dinheiro é para devolver. Mas também é verdade que, quem aceder a este acordo vai ter de renunciar a um conjunto de direitos, incluindo um conjunto de possibilidades de litigar contra quem tem mais responsabilidades. Leia-se o Novo Banco, o Banco de Portugal. Ou seja, a pessoa que ficar de fora do acordo tem mais direitos jurídicos e tem maior probabilidade de ganhar ações do que aquela que lá fica. E é aqui que o sistema bancário, a APB e o Fundo de Resolução não estão a perceber o bónus que vão ter porque a partir desse momento e por uma conta muito menor resolvem dois problemas. Qualquer sentença judicial em vez dos 286 milhões de euros pode no futuro custar 600 milhões e, por outro, o futuro acionista do Novo Banco não vai estar minimamente assustado com a possibilidade das contingências que daqui ocorrem, não só por questões jurídico financeiras decorrentes das ações em tribunal quer pelas ações de protesto que vimos acontecer durante o ano de 2015 à porta do Novo Banco que de certeza não acrescentaram valor e deve ter prejudicado o valor de venda.
Ao renunciarem, estas entidades quem é que podem processar?
Há um conjunto de entidades a que o documento chama de outros responsáveis que vão desde auditoras, seguradoras a bancos de investimento. Há um conjunto de entidades, pessoas singulares e coletivas que contribuíram, por dolo ou por negligência, para que isto viesse a acontecer e, em qualquer dos casos, há um conjunto de entidades que podem ser potencialmente responsabilizadas.
Os bancos não concordam com a solução…
Acredito que é por não terem a informação toda porque quando tiverem vão perceber que não é mau. Quando vi as declarações do presidente da APB, Faria de Oliveira, a dizer que não concorda, eu respondi que não é uma questão de gostar ou não gostar. Isto decorre da medida de resolução, pode concordar ou não com a medida. Se todas estas pessoas viessem a colocar ações e viessem a ganhar, o que era muito provável face à prova documental, testemunhal e até à prova pericial fruto do relatório da CMVM e do regulador sobre esta matéria, o grau de probabilidade do Fundo de Resolução perder uma ação destas é muito elevado e estamos a falar de uma conta de 600 milhões de euros. É um bom acordo possível para todos e não só para os clientes.
Mas o Fundo de resolução tem um banco do Estado…
Essas são as consequências naturais de nós enquanto república querermos um banco público. Nessa medida por um banco ser público tem aí uma fatia do seu contributo.
Também esteve envolvido no processo BPP. Comparando os dois qual foi o processo mais complicado?
Os processos não são muito diferentes, quer a nível de montantes quer a nível de pessoas. O perfil é que era ligeiramente distinto, o BES tinha uma dispersão e uma difusão num extrato económico diferente. Já em termos de complexidade técnica, o processo do BES foi de maior dificuldade.
Corre o risco de ficar conhecido como advogado dos clientes de bancos problemáticos?
Espero que não. Gosto de trabalhar, gosto de ter o rendimento do meu trabalho, mas preferia que fosse sob qualquer coisa que não esta. Todas as experiências profissionais e pessoais que passamos dão um legado que vão connosco, espero nunca mais precisar porque é sinal que mais nenhum banco vai passar por essas dificuldades.