Talvez tenha sido essa capacidade de se concentrar horas e horas no essencial, sem deixar de ver o acessório, que lhe permitiu concluir o puzzle mais complexo que lhe surgiu pela frente: a geringonça.
O governo está em exercício há 13 meses. Neste período, a estabilidade tem sido a bandeira mais visível de um governo minoritário dos socialistas, suportado no parlamento por Bloco de Esquerda e PCP. Sem sobressaltos aprovaram-se dois orçamentos. Nesta matéria, metade da legislatura está cumprida. Repuseram-se direitos perdidos no tempo da troika “e além da troika”. Aumentaram-se as pensões e o salário mínimo caminha para os 600 euros no final da legislatura, como previsto. O défice de 2016 vai ser o mais baixo em mais de 40 anos de democracia. O desemprego tem vindo a diminuir lentamente. Devagar, a economia lá vai crescendo. E as exportações seguem a mesma tendência. No sistema financeiro assistiu-se à chegada de novos investidores para o BCP, à resolução do impasse acionista no BPI, à luz-verde para recapitalizar a CGD. Só falta vender o Novo Banco (há ainda quem acredite que a operação poderá concluir-se até ao final desta semana). Mas, pelo meio, há avisos e obstáculos. O Presidente lembrou alguns ao promulgar o OE2017. Mais crescimento económico e mais exportações, precisam-se. Os perigos chegam do lado dos juros e da dívida e da “incerteza no mundo e na Europa”. Mas Costa, “o otimista”, continua a acentuar que a geringonça mostrou que “é possível quebrar o ciclo de austeridade e restituir direitos e confiança aos portugueses, ao contrário do que diziam os partidos do anterior governo – PSD e CDS”.
Até a Europa, sem invocar a imagem do “bom aluno”, tão do agrado de Cavaco Silva, aceitou o exercício do governo português. O procedimento de défice excessivo vai ser coisa do passado. Mas não foi um trajeto fácil. Bruxelas foi desde o início “um osso duro de roer” para Costa. O primeiro orçamento da maioria só foi aceite em fevereiro pela Comissão Europeia depois de ajustamentos em matéria de redução nominal e estrutural do défice. Em rigor, entre possíveis sanções por défice excessivo e o congelamento da transferência de fundos estruturais, Lisboa teve de se sujeitar a prolongadas negociações com Bruxelas entre maio e setembro. Mas seguiu em frente.
A demissão do ministro da Cultura João Soares, em abril, depois da ameaça digital de um par de estalos a dois comentadores, as viagens de três secretários de Estado a França a convite da Galp para assistirem a jogos do Euro 2016 e, sobretudo o processo de recapitalização e nomeação da nova administração da CGD foram dos momentos mais críticos deste primeiro ano de Costa primeiro-ministro. Da co-abitação com o novo inquilino de Belém, Marcelo Rebelo de Sousa, nem se fala. Aos olhos dos portugueses melhor seria impossível.
Um dos legados mais importantes do ano inaugural da geringonça foi a paz social e o apoio parlamentar inquebrável, apesar de todas as diferenças que marcam os três partidos, regularmente lembradas pelos respetivos líderes. É ali, em pleno hemiciclo, que se vota aos olhos de todos. Mas esse caminho rumo ao voto é negociado muitas vezes artigo a artigo, alínea a alínea, como de um puzzle se tratasse. E é neste domínio que Costa parece ser inultrapassável. Como dizia alguém que lhe é próximo, “este é o puzzle mais improvável e o mais difícil que alguma vez teve à sua frente. Mas até agora conseguiu aquilo que todos consideravam ser quase impossível. E já há quem fale em governo de legislatura”. Só quem o conhece acreditou, lembra essa fonte próxima, recordando os tempos de Costa no primeiro e único governo minoritário de legislatura (António Guterres), na solução que levou Jorge Sampaio à presidência da Câmara de Lisboa e na primeira passagem pela Praça do Município, como presidente sem maioria no executivo e na Assembleia Municipal.