Numa era, hoje distante, quando se perguntava às crianças pelo alcance dos seus sonhos, em vez da fama, muitas ambicionavam crescer para ultrapassar a última fronteira, tocar nas estrelas, ser astronauta. John Glenn, um miúdo sardento do Ohio, filho único de um condutor de comboios, provavelmente nem teria a partir da sua infância uma imaginação tão grande para abarcar a medida de todos os seus feitos, entre o seu nascimento a 18 de julho de 1921, e a morte, aos 95 anos, esta quinta-feira.
Foi o primeiro americano a fazer a órbita da Terra, circundando o planeta três vezes, em 1962, um ano depois da União Soviética ter enviado o seu homem, Yuri Gagarin, para completar com sucesso a mesma missão. Aclamado como um herói nacional durante um período tenso em que o seu país buscava garantir a supremacia sobre os soviéticos na corrida ao espaço, Glenn foi o quinto homem a ser enviado para o espaço, tendo recebido uma medalha de serviço especial do então presidente John F. Kennedy no seu regresso, e sendo recebido com efusividade por milhões de pessoas num desfile pelas ruas de Nova Iorque.
Era o último sobrevivente dos chamados Mercury Seven, um grupo de pilotos de testes militares que, em 1959, foram seleccionados pela NASA para se tornarem os primeiros astronautas americanos. O desejo de ganhar asas era um sonho que crescera com ele até tornar-se uma obsessão, e isto desde a infância que recordava como idílica e marcada por um grande patriotismo, na pequena cidade de Cambridge. Depois de, em 1939, ter entrado para a Universidade de Muskingum para estudar química, frequentando aulas de aviação no seu tempo extra, quando os japoneses atacaram Pearl Harbor, a 7 de dezembro de 1941, deixou a universidade e alistou-se um programa de cadetes da Aviação Naval, e ter concluído o treino como piloto decidiu juntar-se aos Marines. Durante a II Guerra, realizou 59 missões de combate no Pacífico, sendo várias vezes condecorado. E a sua colecção de medalhas continuou a crescer com o piloto a juntar-se à acção na Guerra da Coreia, onde realizou outras 90 missões.
Andava pela casa dos trinta, e tinha já uma assombrosa carreira militar, mas isso não o fez recostar-se, antes pareceu fazer dele um viciado na aventura, e logo voltou a arriscar a vida como piloto de testes nos primeiros tempos dos voos supersónicos. Em 1957, poucos meses depois da União Soviética ter lançado em órbita o primeiro satélite Sputnik, Glenn realizou o primeiro voo supersónico transcontinental, pilotando um F8U-1 de Los Angeles a Nova Iorque em tempo recorde: 3 horas, 23 minutos e 8,4 segundos. Mas estava só a começar. Já tinha conquistado a linha do horizonte, e estava prestes a lançar-se à conquista do mais vertical dos limites quando, em 1959, logo após ter sido promovido a tenente-coronel, respondeu à chamada de recrutamente da NASA, que iria constituir a equipa dos primeiros astronautas americanos, no âmbito do projecto espacial Mercúrio.
Qualquer dos sete eleitos tinham a maior vontade de fazer história, eram destemidos e ambiciosos, mas a determinação de Glenn era simplesmente esmagadora. O The New York Times ouviu Tom Miller, um general da Marinha reformado e amigo íntimo do astronauta dos tempos em que eram ainda pilotos ansiosos por provar o seu valor nos céus durante a II Guerra. Segundo Miller Glenn estava tão empenhado em ir para o espaço que começou a usar pesos na cabeça para tentar comprimir a sua altura para 1,80m, a altura máxima para os primeiros astronautas. Apesar de toda a determinação, não foi o primeiro a ser enviado para o espaço. Teve de aguardar os voos suborbitais de Alan Shepard e Gus Grissom, em 1961, antes de chegar a sua vez de orbitar em torno do planeta a bordo da cápsula espacial Friendship 7.
Nesse dia histórico, 20 de fevereiro de 1962, Glenn teve a experiência única de, em menos de cinco horas, ter assistido a três pôres-do-sol.Outra experiência que o deixou perplexo foi ter visto «pirilampos» do lado de fora da janela. Mais tarde a NASA determinou que era simplesmente a sua urina e suor que estavam a ser lançados para o exterior da cápsula e que se tranformavam em cristais congelados, brilhando na luz solar.
Depois da missão que o tornou famoso em todo o mundo, passariam mais de três décadas antes de voltar ao espaço. Kennedy connvenceu o astronauta de que a sua próxima aventura deveria ser na política, e de que o seu estatuto enquanto herói seria precioso ao Partido Democrata. Assim, depois de se ter retirado da NASA, em 1964, após algumas tentativas acabou por ser eleito senador pelo Ohio em 1974, funções que desempenhou ao longo de quase um quarto de século, até 1999, mais tempo do que qualquer outro senador na história daquele estado. Em 1984, ainda tentou a sua sorte enquanto candidato à Presidência dos EUA, mas sem grande sucesso. Aos 77 anos, era ainda senador quando, a 29 de Outubro de 1998, se tornou a pessoa mais velha a ter navegado no espaço.
Numa das últimas entrevistas que deu, Glenn foi lembrado de que o lendário jornalista e escritor Tom Wolfe, que escreveu muitas páginas sobre a era que teve o astronauta como um dos seus protagonistas, que ele tinha sido «o último verdadeiro herói nacional que América tinha tido». Glenn, no entanto, rejeitou sempre esse estatuto, afirmando que se levantava a cada dia e tinha que passar pelas mesmas dificuldades que qualquer pessoa da sua idade. Disse ainda que se sentia o mesmo rapaz que cresceu numa pequena cidade no Ohio. Num comunicado divulgado nas redes sociais, John Kasich, governador desse estado, disse que o antigo astronauta «é e será sempre o grande herói da sua terra natal. Apesar de ter subido ao espaço e às alturas da Colina do Capitólio, o seu coração manteve sempre as suas raízes firmes no Ohio».
John Glenn. O último grande herói americano
Aclamado como um herói nacional durante um período tenso em que o seu país buscava garantir a supremacia sobre os soviéticos na corrida ao espaço, Glenn foi o primeiro americano a fazer a órbita da Terra, circundando o planeta três vezes