Coincidências: foi esta a explicação de Fernando Teixeira dos Santos para ter tomado decisões que foram exatamente no sentido das pressões de que se queixou o seu antecessor nas Finanças e que levaram mesmo Campos e Cunha a apresentar a demissão, em choque com o então primeiro–ministro, José Sócrates.
Teixeira dos Santos foi ontem à comissão de inquérito à Caixa Geral de Depósitos garantir que não foi pressionado por Sócrates nem para demitir Vítor Martins e a sua equipa, nem para o substituir por Carlos Santos Ferreira e para nomear Armando Vara para a administração do banco público.
O ex-ministro das Finanças até assegurou que a Caixa não estava no topo das prioridades quando substituiu Campos e Cunha. Na altura, contou, estava sobretudo preocupado com “a preparação do Orçamento do Estado e com a defesa do Programa de Estabilidade”.
Então porquê a pressa de demitir a administração da Caixa, menos de duas semanas depois de tomar posse? “Não foi priorizar”, respondeu ao deputado do PSD Hugo Soares, defendendo ter entendido que “tinha um problema que se estava a arrastar” e que devia resolver.
desconhecia pressões “Na altura desconhecia que houve essas pressões internas”, afirmou Fernando Teixeira dos Santos, que chegou a pôr em causa que Campos e Cunha tenha sido pressionado por José Sócrates. “Eu não recebi qualquer pressão nem qualquer sugestão. Ao fim destes anos, tudo se pode dizer”, respondeu Teixeira dos Santos, negando ter tido qualquer conversa com Sócrates sobre o tema.
“O primeiro-ministro nunca me pressionou no sentido de fazer qualquer mudança ou de nomear fosse quem fosse para a administração da Caixa”, declarou, depois de classificar como uma “coincidência” ter escolhido precisamente Santos Ferreira, o nome que Campos e Cunha diz que Sócrates lhe tentou impor.
“Creio que foi uma coincidência. Ninguém está em condições de assegurar que esse nome foi sugerido ao meu antecessor. É a palavra dele contra todos”, disse o antigo responsável das Finanças, que começou por insistir na defesa de que tanto Santos Ferreira como Vara foram ideias suas para acabar por assumir – depois de Hugo Soares recordar que é crime mentir numa comissão de inquérito – que falou com pessoas que lhe indicaram nomes, embora tenha tido dificuldade em referir com quem teve essas conversas.
“[As nomeações] são da minha responsabilidade. A decisão foi minha, sem consultar, sem ouvir o eng.o Sócrates. Falei com várias pessoas, funcionários da CGD, não sei dizer nomes”, confessou, nomeando apenas o então administrador Francisco Bandeira como um dos seus interlocutores sobre o assunto.
Sobre como chegou aos nomes para a administração da Caixa, o ex-ministro foi vago. “Fui eu, eventualmente, que me poderei ter lembrado porque conhecia o seu trajeto”, disse sobre Santos Ferreira.
De resto, Teixeira dos Santos justificou a escolha de Carlos Santos Ferreira com o seu currículo e experiência, e a de Armando Vara com o facto de ser alguém que fez carreira na Caixa e conhecia bem a instituição. Ter sido seu colega no governo de Guterres também terá ajudado Teixeira dos Santos a ver em Vara uma boa solução.
Sócrates não interferiu
João Almeida, do CDS, quis saber como foram tomadas as decisões de conceder financiamento a projetos como os do Grupo Lena, da Pescanova ou de Vale do Lobo, que se revelaram ruinosos para a CGD. Mas o ex- -ministro das Finanças negou qualquer interferência do governo de José Sócrates nas decisões de atribuição de financiamento tomadas pela administração de Carlos Santos Ferreira.
“O sistema bancário português participou no financiamento desses projetos. Participou a CGD e participaram outros bancos”, afirmou Teixeira dos Santos, que desvalorizou as decisões de gestão que levaram a imparidades avultadas, explicando-as com a crise.
Culpa foi da crise
“Vai encontrar imparidades de montante semelhante noutros bancos, noutras operações que foram decididas na mesma altura. Não creio que a CGD seja uma vítima em especial”, respondeu a João Almeida, assegurando que a Caixa “não interferiu” na guerra de poder que houve no BCP e que a indicação de Carlos Santos Ferreira para a liderança do Millennium foi para ele uma surpresa, uma vez que “tencionava reconduzi-lo” no banco do Estado.
“O Ministério das Finanças não tem funções de acompanhar a atividade de crédito dos bancos e do banco de que é acionista. O acompanhamento de crédito era feito internamente pelos órgãos da Caixa”, acrescentou em resposta a Miguel Tiago, do PCP, a quem garantiu que cabia ao Banco de Portugal supervisionar o grau de concentração do crédito da CGD em relação a alguns clientes, nunca tendo feito qualquer alerta.
Em jeito de balanço, Teixeira de Santos lembrou mesmo que durante o período da administração de Santos Ferreira “houve uma melhoria do balanço e dos indicadores de robustez financeira da Caixa”.