Pela primeira vez na história da democracia portuguesa houve um funeral com honras de Estado. Impecavelmente organizado, impecavelmente acompanhado pelos órgãos de comunicação social, impecavelmente seguido pelo Povo.
Não houve gente a menos, nem falta de adesão de popular, nem ingratidão para com Mário Soares coisa nenhuma.
Portugal, pelo cerimonial e pela forma como soube prestar a última homenagem ao pai da democracia, advogado das liberdades, ex-Presidente da República eleito e reeleito, deu uma imagem de primeiro mundismo ao mundo que certamente mereceria os maiores elogios por parte de… Mário Soares.
Soares gostava de banhos de multidão em campanhas eleitorais, em comícios de mobilização para as lutas políticas que tanto gostava de travar, em ações de rua de combate aos poderes absolutos, totalitários ou democráticos.
Mas não gostava de manifestações de vassalagem. Nem a ele – que não tinha tão bom feitio quanto a imagem de bonacheirão poderia fazer crer – nem a ninguém.
Ao país, quando amorfo ou conformado, exigia indignação e ação… e reação.
Soares não podia com o culto de personalidades, não suportava seitas, nem manifestações de fundamentalismos de coisa alguma – fossem políticos, religiosos ou até desportivos.
Era um homem de combate, de polémicas, arrepiava-se com os consensualismos e irritava-se com os unanimismos.
Por isso, foi bonito o cortejo fúnebre, ainda que quase mais próprio da realeza de uma monarquia constitucional do que de uma república laica.
E houve um respeitoso e ordeiro acompanhamento por parte do Povo.
Tirando a natural concentração maior no Largo do Rato, junto à sede do PS, o cortejo foi seguido com naturalidade. Com gente q.b. nos passeios laterais. Ora com aplausos de homenagem, ora em silêncio enlutado.
Sem problemas de segurança. E com cortes de trânsito naturalmente incómodos para quem circula, mas extraordinariamente organizados e com uma fluidez inusual mal reabertos. E com uma presença muito discreta das forças policiais e militarizadas.
Tudo praticamente perfeito. Incluindo o percurso extraordinário pelos locais mais emblemáticos da cidade e da vida (pública e privada) de Mário Soares.
Lisboa é e está bonita. E o sol de inverno de um dia frio de janeiro, com a luz singular que faz sobressair as muralhas e as fachadas da cidade, ajudaram.
Soares teve uma merecida homenagem. Com laudas e críticas que o fariam certamente sorrir com aquele sorriso contagiante para os mais próximos ou desarmante para os rivais (que o diga Cunhal no memorável debate retransmitido nestes dias pela RTP).
Sem hipocrisias – que não as merecia – porque não era hipócrita.
Houve gente na rua, sim, porque o cortejo foi longo.
Mas mais valeu assim.
Não houve emplastros (tirando um, exceção que confirma a regra, num pequeno troço, precisamente no Rato) ou, se os houve, não se lhes deu destaque.
O mundo viu como Portugal homenageou Mário Soares. Com honras de Estado. Como ele merecia. O luto nacional está cumprido.
Siga a história. Que Soares tem nela lugar reservado, e de proa, porque mexeu com um Povo e com Portugal inteiro.
Para sempre.