Da esquerda à direita há, pelo menos, um consenso, nada se diz em público sobre Ricardo Salgado ter sido constituído arguido e ontem ouvido no DCIAP como suspeito no processo da Operação Marquês.
O antigo presidente do Banco Espírito Santo é pela primeira vez acusado de corrupção e tráfico de influências, mas os partidos políticos portugueses não proporcionaram qualquer reação à imprensa.
Sob reserva do anonimato, fonte de antigo governo de Passos Coelho esclareceu: “Não faz sentido ninguém falar antes de março até porque ninguém vai saber o que realmente se passa até março”, ironiza a fonte. É nessa data que o Ministério Público emitirá um despacho de arquivamento ou o mais provável despacho de acusação contra José Sócrates, o ex-primeiro ministro socialista. Novo adiamento também não é impossível e devido a essa incerteza de desenlace a classe política mantém-se muda.
Mas não foi assim até há muito pouco tempo. De Sócrates a Ricardo Salgado, de António Costa a Maria Luís Albuquerque com João Galamba à mistura, o PSD e o PS trocaram galhardetes vários acerca da queda do Grupo Espírito Santo ou do futuro do Novo Banco. Isto apesar de as duas maiores forças políticas da Assembleia da República terem ambas votado favoravelmente e em consenso as conclusões da comissão parlamentar de inquérito ao caso. Foi, aliás, a primeira vez em uma década que tal acordo foi conseguido. O relatório final sobre a gestão do BES e do grupo era, de acordo com Pedro Nuno Santos, “um texto bem feito, bem escrito e fiel à verdade”. Segundo o hoje secretário de Estado socialista, era “importantíssimo que fique para o futuro um voto a favor, amplo, para este relatório”.
Mas o consenso parece ter evaporado. De abril para outubro de 2015, o executivo foi do PSD para o PS e volvido um ano de governo à esquerda, o bom ambiente da Comissão de Inquérito – na qual o Partido Comunista foi o único a votar contra as conclusões – esfumou. A bipolarização entre a esquerda e a direita que a solução de governo conhecida como ‘geringonça’ pode ter garantido uma descrispação social, mas não evitou a crispação política entre a oposição de Passos Coelho e a governação de António Costa.
Tal foi visível quando António Costa, numa entrevista de primeiro aniversário do seu governo minoritário, afirmou: “O que é absolutamente irresponsável, é a postura do PSD que, enquanto governo, procurou esconder dos portugueses a situação em que se encontrava o sistema financeiro. Por sua responsabilidade, destruiu um banco como o BES, conduziu à destruição de um segundo banco, caso do Banif”. Isto apesar de em nenhuma das conclusões aprovadas pelo PS na Comissão de Inquérito a responsabilidade da queda do BES tenha caído no governo liderado por Pedro Passos Coelho. No entanto, responsáveis socialistas já tinham atacado a atuação do governo PSD/CDS antes de votarem as conclusões da Comissão de Inquérito.
O relatório final aponta à lentidão do Banco de Portugal, chefiado por Carlos Costa, mas delegando a responsabilidade central em Ricardo Salgado e em “todos os administradores e dirigentes de topo do Grupo Espírito Santo”.
Recentemente, Salgado veio corroborar a tese de que a culpa estaria no governo de Passos Coelho num artigo publicado no Jornal de Negócios em que defendia que tinha acontecido uma “destruição do Grupo Espírito Santo por um PREC de direita, de políticos despreparados”, numa clara achega ao executivo passista. Já em 2017, Ascenso Simões, deputado do PS, escreveu que “era possível salvar o Banco e salvar uma parte do GES se não houvesse um Passos e um Carlos Costa”, tornando a responsabilizar o PSD e não apenas Salgado ou o Banco de Portugal.
Por sua vez, Maria Luís Albuquerque, ex-ministra das Finanças do referido “PREC de direita”, acusou António Costa de “grande ignorância” por o primeiro-ministro culpar o PSD pela queda do Banco Espírito Santo e afirmou que se Costa fosse governo na altura “milhares de milhões de euros dos contribuintes teriam sido entregues ao dr. Ricardo Salgado”. João Galamba ripostou novamente, dizendo: “Quando o PSD diz agora que António Costa teria entregado milhares de milhões de euros a Ricardo Salgado, está a distorcer a posição do PS porque a nossa posição sempre foi, ao longo de toda a comissão de inquérito e ainda é hoje, que no momento em que se descobriu que Ricardo Salgado tinha falsificado as contas da Espírito Santo International, no final de 2013, esse era o momento para substituir-se Ricardo Salgado”.
O certo é que da paz da comissão à turbulência da eventual nacionalização do Novo Banco – que reúne os ativos alegadamente valorizáveis do BES – os partidos zangaram-se.