A primeira semana de janeiro registou o maior número de mortes no país dos últimos dez anos. Dados divulgados ontem pelo Instituto Ricardo Jorge, que acompanha a curva da mortalidade para analisar o impacto da época de gripe sazonal, revelam que o pico atingido este inverno foi o mais elevado desde 2007. Até aqui, o recorde tinha sido registado na terceira semana de janeiro de 2015.
Paulo Nogueira, diretor do serviço de informação e análise da Direção Geral da Saúde, explicou ao i que uma população cada vez mais envelhecida e o facto de este ano o vírus dominante em circulação ter sido do subtipo A(H3) – historicamente associado a mais mortalidade entre idosos – contribuem para o fenómeno. Na primeira semana do ano, revelou o responsável, morreram em Portugal 3363 pessoas, mais 200 do que na semana de 2015 que até aqui detinha o máximo na última década.
Todos os invernos morrem mais pessoas do que nos meses do verão. Ainda assim, há anos em que o frio e a gripe são associados a mais mortes do que é expectável, uma vez que a média aponta para 2500 óbitos em cada semana dos meses mais frios. O inverno de 1998/1999 foi o mais letal de sempre, acima dos valores registados este ano. Nesta última década, os invernos de 2011/2012 e 2014/2015 tinham sido, até aqui, os mais severos. Há dois anos, houve 5591 mortes acima do esperado.
Paulo Nogueira sublinha que esse balanço, este ano, ainda não pode ser feito. “Apesar de termos registado um pico de mortalidade mais elevado, um balanço acima ou abaixo de 2014/2015 vai depender do ritmo de diminuição dos casos de gripe”.
Apesar da agressividade do vírus em circulação, a boa notícia é que a época gripal parece estar a ser mais “rápida”. Ontem o Instituto Ricardo Jorge confirmou que os casos começaram a diminuir, pelo que, a manter-se a tendência, a fase mais crítica já terá passado. “Acreditamos que a melhor taxa de vacinação este ano possa ter contribuído para uma época gripal mais curta”, diz Nogueira.
O Estado adquiriu 1,2 milhões de vacinas e foram praticamente todas utilizadas pelos grupos de risco, que incluem idosos e portadores de doenças crónicas.
De acordo com os dados do Instituto Ricardo Jorge, houve 106 doentes internados em cuidados intensivos por causa de complicações de saúde motivadas pela gripe. Nogueira sublinha que, tendo em conta o vírus dominante, este número poderia ter sido mais elevado, até porque noutros anos em que a gripe era “mais benigna” foi superior. Isso e o facto de a procura às urgências ser, por esta altura, idêntica à do ano passado – em que a época gripal foi menos severa – levam o especialista da DGS a concluir que a resposta montada pelos serviços de saúde, e a estratégia de vacinação e informação da população para os cuidados a ter com a gripe e o frio, estão no bom caminho. “Teremos sempre picos de mortalidade, sobretudo com uma população cada vez mais envelhecida e vulnerável em que o que vemos, nestas alturas, é um precipitar da morte. Mais de 85% das pessoas que morreram tinha mais de 65 anos e a maioria mais de 85. O objetivo é evitar o que é possível ser evitado e conseguir ter números mais baixos.”
Menos pressão
Com o frio, os vírus sobrevivem mais tempo nas superfícies, por isso esta altura continua a ser propícia a apanhar viroses e constipações. Ainda assim, daqui para a frente é esperada menor pressão sobre os serviços de saúde, em particular nas urgências.
Um dos casos que marca este inverno é a denúncia da bastonária dos Enfermeiros de que um dos serviços hospitalares abertos no âmbito do plano de contingência para a gripe começou a funcionar com falta de material e sem o pessoal necessário. Ana Rita Cavaco denunciou que houve doentes, nesse serviço, que estiveram dois dias sem comer e sem medicação.
Ontem, numa entrevista ao “Público”, a inspetora geral das atividades em Saúde Leonor Furtado reconheceu que o serviço em causa pertencia ao Hospital dos Capuchos, não tendo a IGAS comprovado a situação. Leonor Furtado teceu críticas a Ana Rita Cavaco, comparando a Ordem a “uma espécie de sindicato”. Os enfermeiros não gostaram do tom e insistem que a denúncia é verídica. O caso será reportado ao Ministério Público e a bastonária admite recorrer ao Tribunal Europeu dos Direitos do Homem.
Nos últimos dias, o PCP denunciou um outro caso de resposta deficiente no Hospital de Santo António, no Porto, onde a filha de uma doente terá ficado dia e meio sem ter indicações sobre o estado clínico da mesma. Quando a deixaram entrar, “abundavam camas pelos corredores, os utentes estavam num estado de abandono, com fezes, cheios de sede e de fome”, denunciou o grupo parlamentar.
Fonte oficial do hospital negou ao i qualquer cenário deste género. “Mesmo no período de maior pressão por afluência elevada de doentes, não tivemos camas ou macas dos corredores”, garante o centro hospitalar, que adianta que os serviços têm equipas robustas para atender os doentes que frequentemente chegam em “condições de higiene más” vindos do domicílio ou de lares.