Ricardo Salgado terá pago 40 milhões a Sócrates e Zeinal Bava

Ex-presidente do BES foi constituído arguido na Operação Marquês. Em causa estão ‘luvas’ por quatro negócios que implicaram decisões polémicas de José Sócrates. Inquérito pode não ficar concluído em março. 

O conjunto de provas reunido pelo Ministério Público contra Ricardo Salgado na Operação Marquês indicia que este pagou várias dezenas de milhões de euros em ‘luvas’, no período que vai de 2006 a 2011, para obter decisões favoráveis ao Grupo Espírito Santo no âmbito da participação na Portugal Telecom. Os beneficiários terão sido José Sócrates (21 milhões), Zeinal Bava (18,5 milhões) e outros administradores da PT.

Em causa estão quatro negócios que implicaram decisões políticas e empresariais polémicas: o chumbo da OPA da Sonae à PT (2006), a autonomização da PT Multimédia (2007), a venda da Vivo à Telefónica (2010) e a compra da Oi. 

Neste processo, Sócrates ordenou a utilização pela primeira vez da golden share (ação qualificada) do Estado. Em todos os casos o GES obteve dividendos milionários, mas a PT foi levada ao colapso.  

O GES foi ‘propositadamente’ beneficiado

Os investigadores suspeitam que as decisões que foram tomadas na PT nos últimos 10 anos – e que acabaram por ditar a sua morte, em 2015 – beneficiaram propositadamente os acionistas, em particular o GES, acionista de referência da operadora. 

E constatam as coincidências temporais entre as principais decisões aí tomadas (desde a derrota da OPA da Sonae até à compra da Oi) com as transferências de dinheiro para as contas de Carlos Santos Silva na Suíça. Contas estas que pertencerão na realidade a Sócrates, tendo em conta a forma como dispôs desse dinheiro.

No conjunto dos quatro negócios, couberam ao ex-primeiro-ministro, como se disse, 21 milhões de euros – que acabaram por ser depositados nas contas bancárias de Carlos Santos Silva, depois de passarem por um complexo circuito de offshores pertencentes a Hélder Bataglia (administrador do BES Angola e próximo de Salgado), José Paulo Pinto de Sousa (primo de Sócrates) e Joaquim Barroca (administrador do Grupo Lena, a que pertenceu Santos Silva).

Os 18,5 milhões de euros que o MP suspeita terem sido recebidos por Zeinal Bava, ex-CEO da PT, terão circulado através de uma offshore do GES no Panamá.

Hélder Bataglia, recorde-se, foi interrogado no passado dia 5 pelos investigadores da Operação Marquês. Já antes, em abril do ano passado, disse ao Expresso que o dinheiro que passou pelas suas offshores com destino a Sócrates tinha origem no GES: «O dinheiro do caso Sócrates vem do GES», afirmou. Bataglia é arguido neste processo por crimes de corrupção para ato ilícito, fraude fiscal qualificada e branqueamento de capitais.

Investigação entrou na reta final

O interrogatório de Salgado no DCIAP, esta semana, insere-se numa linha de investigação que entrou no verão passado na reta final. Por essa altura, após uma série de buscas a antigos gestores da PT, incluindo Zeinal Bava e Henrique Granadeiro, o MP já chegara à conclusão de que grande parte dos cerca de 30 milhões de euros que José Sócrates acumulou em contas do amigo Carlos Santos Silva tiveram origem em sociedades do Grupo Espírito Santo e corresponderão, na sua maioria, ao pagamento de comissões nos anos da sua governação, em troca de decisões do Estado em negócios e investimentos da PT que favoreceram o grupo de Ricardo Salgado.

Recorde-se que o Governo de Sócrates assumiu uma posição contrária à OPA lançada em 2006 pelo grupo de Belmiro de Azevedo à PT, tendo dado ordens à CGD, enquanto gestora da participação do Estado, para votar contra a revisão dos estatutos da operadora, na assembleia-geral de março de 2007, o que fez a OPA ir por água-abaixo. 

O chumbo da OPA da Sonae levou à autonomização da área de media e comunicações da PT, dando origem à PT Multimédia – na qual o GES ficou com 13% das ações, cujo valor era de 165 milhões de euros.

Negócios no Brasil levaram PT à falência

O MP suspeita ainda que, em 2009 e 2010, Ricardo Salgado conseguiu, mercê da sua posição na PT e com o apoio de outros acionistas, que a PT comprasse papel comercial de sociedades do GES (Espírito Santo International e Rioforte). Estima-se que os títulos de dívida da ESI subscritos pela PT ascendiam, em 2010, a 400 milhões de euros.

Seguem-se, finalmente, os investimentos e vendas que a PT fez em 2010 e 2011. Por ordem de Sócrates, o Estado usou a sua golden share na PT para impedir que os acionistas vendessem à espanhola Telefónica, por 7,15 mil milhões de euros, a participação na brasileira Vivo. Para dar um ar credível e afastar qualquer suspeição, enquanto José Sócrates dizia no Finantial Times que o Estado iria usar «todos os instrumentos ao seu dispor para defender aquilo que acredita serem os melhores interesses da PT e do país», Salgado mostrou-se desagradado com a intervenção do Estado no processo. Apenas um mês depois (e após a Telefónica subir em 350 milhões de euros a sua proposta), o Estado aceitou, desde que a PT permanecesse no Brasil. Esta decisão levou a PT a comprar 22% da Oi, por 3,5 mil milhões de euros, valor considerado muito inflacionado. Pelo meio, o GES encaixou a sua quota-parte de dividendos pela venda da Vivo, o que terá proporcionado o pagamento de mais comissões a Sócrates e gestores da PT.

Inquérito arrisca derrapar

Em setembro, a PGR deu mais seis meses para a conclusão do inquérito, apontando-se o desfecho para março de 2017. Já em dezembro, quando poderia ter reponderado esta data, a PGR informou que  «face à informação recolhida», não se justificava a alteração do prazo. Agora, com a audição de Bataglia, nova documentação bancária anexa ao processo e cartas rogatórias ainda em falta da Suíça e do Reino Unido – e que não vão chegar até março – a conclusão do inquérito pode estar de novo comprometida. No despacho que alargou o prazo, Joana Marques Vidal já deixava em aberto essa hipótese, caso houvesse novos desenvolvimentos.