Foi uma prenda de anos antecipada. Miguel Guimarães completou 55 anos no domingo e é o novo bastonário da Ordem dos Médicos. Pela frente, tem um mandato de três anos, depois de uma eleição sem margem para dúvidas: na passada quinta-feira, participaram no sufrágio 14.685 médicos – um terço dos inscritos na Ordem – e 10.830 (73,75%) votaram nele. Depois de um médico de Coimbra à frente da Ordem – José Manuel Silva nasceu em Pombal mas fez toda a carreira na ‘capital’ da Medicina – é a vez de um homem do Norte rumar ao n.º151 da Avenida Almirante Gago Coutinho, em Lisboa. Pelo menos, durante a maior parte da semana. Numa entrevista ao i, Guimarães, que é urologista no Hospital do São João, no Porto, confessou que quer continuar a dar consulta, pelo menos um dia. «A título gracioso e se me deixarem».
Ou se o volume de trabalho na Ordem do permitir. O bastonário cessante, na mensagem que dirigiu aos vencidos e aos vencedores da corrida à Ordem, que elegeu também os conselhos regionais e órgãos fiscais, avisou que num «período de intensa crise», a tarefa será exigente. «Preparem-se, porque não vai ser nada fácil», rematou José Manuel Silva, que nos últimos seis anos imprimiu uma marca mais interventiva à Ordem, tendo sido muito crítico de Paulo Macedo e do esvaziamento do SNS, mais do que a troika obrigava.
Miguel Guimarães não o foi menos e está longe de ser um estreante no papel de representante dos médicos – tem estado apenas menos perto dos corredores do poder e dos microfones em Lisboa. Em 2006 integrou a direção do colégio da especialidade de Urologia e desde 2008 que estava na cúpula do Conselho Regional do Norte da Ordem dos Médicos, nos dois últimos mandatos (2011-2016) como presidente.
Uma das propostas da campanha é que a tutela, para perceber exatamente o que se passa no Serviço Nacional de Saúde, devia passar a fazer visitas-surpresa aos hospitais. «Já recebi visitas programadas no hospital e sei como é. Recebemos instruções para dar alta, para mandar os doentes para o internamento, para o serviço de urgência estar mais ou menos limpo», revelou na entrevista ao i durante a campanha. Definir tempos mínimos por consulta, mais alargados que os atuais 15 minutos (às vezes até menos) com que são marcadas no SNS, e reduzir as listas de utentes dos médicos de família são outras bandeiras. A eterna guerra dos médicos e das faculdades para reduzir os ‘numerus clausus’ para Medicina, que tem esbarrado no silêncio de sucessivas tutelas, é outra missão. Miguel Guimarães promete ainda um «relatório branco», com o resultado de uma auditoria independente da ordem sobre a qualidade e acesso a cuidados de saúde e formação médica especializada.
O melómano que adora café
Natural da freguesia de Santo Ildefonso, no Porto, Miguel Guimarães entrou em 1980 para a Faculdade de Medicina da invicta. Terminou a especialidade de urologia em 1997, com 19,1 no exame final. Trabalhou no Hospital de Santa Luzia, em Viana do Castelo, até 2005. Nessa altura, regressou ao Hospital de São João, onde se formara. Dá ainda consultas no privado, no Hospital da Lapa e no grupo Trofa Saúde.
A veia associativa manifestou-se ainda na juventude. Ajudou a criar a Associação Nacional de Jovens Médicos e foi treinador da equipa de voleibol feminino na faculdade. «Nunca estive só fixado nos estudos», contou ao i.
Além do investimento na parte clínica, acabou por ir gerindo o tempo entre formação de médicos e trabalho científico na área da urologia. Tem mais de cem trabalhos publicados e foi investigador principal e co-investigador em mais de 25 estudos de investigação clínica nas áreas da hiperplasia benigna da próstata, bexiga hiperactiva, disfunção erétil e carcinoma da próstata.
Fernando Araújo, colega de Miguel Guimarães no Hospital de S. João, hoje secretário de Estado Adjunto e da Saúde, destaca o seu empenhamento «incansável» em todos os projetos. Um bom exemplo, referiu ao SOL, foi a criação no Norte de uma urgência regional na área de urologia, que Miguel Guimarães coordenou. Não estava apenas ao comando, mas continuava a fazer urgência. Ainda assim, Araújo diz que o que mais o destaca é ser um bom líder. «Liderava pelo exemplo e isso faz toda a diferença».
Adora café e é um colecionador apaixonado de música. Na última edição do SOL, quando pedimos aos candidatos que falassem do que os marca além da Medicina, recomendou para leitura Ulisses, de James Joyce. O filme Lawrence da Arábia, de David Lean. A viagem da sua vida foi conhecer as Ilhas Galápagos, no Equador. O disco de eleição é Kind of Blue, de Miles Davis. Sem saber se o futuro da saúde no país será triste ou risonho, Miguel Guimarães – que acredita que o SNS está em maior risco do que no tempo da troika – toma posse nas próximas semanas.
Reações
Fernando Araújo
Secretário de Estado Adjunto e da Saúde e colega de Miguel Guimarães no Hospital de S. João
É um trabalhador incansável e muito empenhado em todos os projectos. Sublinho não apenas a competência e conhecimentos, ou a lealdade e a honestidade que todos lhe reconhecem, mas a amizade profunda que nos une.
José Manuel Silva
Bastonário cessante
Aos vencedores, em particular ao dr. Miguel Guimarães, endosso os meus parabéns e desejo as maiores felicidades. Neste período de intensa crise espera-os uma tarefa muito difícil e exigente. Preparem-se, porque não vai ser nada fácil!
Álvaro Beleza
Candidato a bastonário
O resultado desta eleição não foi, evidentemente, o que eu esperava. Mas, ainda assim, é um resultado essencialmente positivo. Um número muito significativo dos médicos votou. Mostraram que estão mobilizados para liderarem o sistema de saúde. A partir de hoje, o dr. Miguel Guimarães é o meu bastonário.
Carlos Cortes
Reeleito presidente da Secção Regional do Centro da OM
Estou certo de que poderemos contribuir para melhorar a vida das pessoas. Essa é a verdadeira função de uma Ordem profissional.