Doentes com cancro vindos do privado não podem passar à frente dos que já estavam no SNS

Parecer do regulador da Saúde diz que doentes devem ser informados do custo dos tratamentos antes de os começarem e avisados de que, se os hospitais tiverem capacidade esgotada, poderão ter de esperar para continuar a ser tratados

Chegaram ao conhecimento da Entidade Reguladora da Saúde (ERS) pelo menos dez casos de doentes com cancro que estavam a ser tratados no privado e que por razões financeiras ou por opção procuraram cuidados no Serviço Nacional de Saúde e encontraram dificuldades em entrar no sistema. Tendo em conta estes casos e um pedido de esclarecimento do IPO de Lisboa, a ERS aprovou no passado dia 25 de janeiro um parecer sobre constrangimentos na transferência de utentes com percursos terapêuticos já iniciados no setor privado e social para o SNS.
 
Caminho perigoso

No documento, que a ERS tornou público nas últimas horas, lê-se que o IPO de Lisboa considera que esta é uma situação “recorrente” e que deveria caber “sistematicamente à instituição privada responsável pelo início do tratamento a obrigação de assegurar a articulação adequada com os hospitais do SNS, no sentido de resolver estes casos de forma humanizada e o menos prejudicial possível à continuação do tratamento, designadamente através da elaboração de protocolos escritos, em vez de deixar os doentes à sua sorte, dependentes de vias de acesso aos hospitais do SNS que não foram previstas para este fim ou até de formas menos aconselháveis de acesso informal”.

O IPO de Lisboa considera mesmo que estes casos podem “causar graves problemas nos centros oncológicos se não forem devidamente acautelados, por se poderem estabelecer como método sistemático de acesso prioritário e violação do ordenamento de lista de espera, contrariando todos os princípios éticos e de equidade no acesso ao tratamento”.

Doentes têm de ser informados de tudo

Na sua tomada de posição, a Entidade Reguladora da Saúde divide os esclarecimentos em dois pontos: a informação a que têm direito os doentes que estão ser tratados no privado ou no sector social e como devem atuar os hospitais do SNS.

Por partes. A ERS sublinha que os hospitais privados e do setor social devem informar os doentes não só sobre o seu diagnóstico, tratamento e possívels efeitos secundários mas também fazer uma “previsão de custos correta sobre a totalidade dos aspetos financeiros que a prestação de cuidados de saúde irá implicar”.

Sempre que não seja possível estimar o valor global, “os utentes devem ser claramente informados dessa possibilidade e advertidos da relevância no custo total dessa impossibilidade de estimativa, coibindo-se as entidades prestadoras de cuidados de saúde de apresentarem estimativas incompletas ou orçamentos de episódios de tratamento.”

O regulador sublinha mesmo que são os hospitais que têm de informar os doentes sobre o que está ou não coberto por eventuais seguros ou subsistemas de saúde. 

A Entidade Reguladora da Saúde avisa depois que os doentes têm de ser informados logo no início dos tratamentos no privado de como funciona o SNS e avisados de que, caso venham a mudar para outro hospital, privado ou público, poderão ter de interromper temporariamente o tratamento enquanto esperam vez.

O “utente deve ser informado que a transferência para outra unidade de saúde pode não implicar que o tratamento ou intervenção interrompida seja imediatamente retomada, nos tempos clinicamente desejáveis, quer porque a dita unidade pode ter a sua capacidade de resposta temporariamente esgotada e, assim, não reunir condições para receber o utente".

A ERS sublinha que, no caso do SNS, esta interrupção temporário resulta do facto de o acesso estar devidamente regulado e sujeito a regras específicas, "que existem para assegurar que todos os cidadãos têm a mesma oportunidade de acesso a cuidados de saúde e não são prejudicados em função das respetivas condições económicas.” 

Assim, se o utente necessitar de cuidados de saúde urgentes/emergentes, tal como os mesmos se encontram definidos no SNS, o acesso deve ser efetuado através da rede de urgência/emergência hospitalar.

Se a situação específica do utente não se enquadrar nesse contexto, deverá o mesmo dirigir-se à rede de cuidados primários, à qual competirá efetuar a avaliação da sua situação e, em conformidade com a sua patologia e necessidades de tratamento ou intervenção, decidir pela competente referenciação hospitalar.

A ERS considera que deve ser o hospital de origem a articular e a fornecer toda a informação ao hospital de destino.