O deputado e dirigente socialista Porfírio Silva voltou à carga com o assunto numa entrevista ao “Diário de Notícias”, este fim de semana. “Temos de aumentar a ambição. E isso, para mim, significa responder a esta pergunta: que legado queremos deixar ao país ao fim de duas legislaturas? Estou a pôr a questão em termos de ambição estratégica. Em vez de pensarmos em termos anuais – Orçamento do Estado –, temos de pensar ao nível de Programa Nacional de Reformas. E até diria, voltando aos nossos próprios termos: precisamos de pensar numa agenda para a década, a esquerda tem de pensar uma agenda para a década”, respondeu o dirigente socialista e um dos principais conselheiros de Costa.
No fundo, este militante e um dos principais defensores dos acordos celebrados entre o PS, BE e PCP na sequência das legislativas de outubro de 2015, que deram origem à maioria parlamentar que apoia o governo, mais não fez do que desenterrar uma ideia por mais de uma vez invocada pelo líder do partido, designadamente na moção de estratégia levada ao último congresso socialista.
Talvez não seja por acaso. A chamada geringonça atravessou ao longo deste ano e pouco alguns obstáculos, o último dos quais o chumbo pelo parlamento da descida na taxa social única (TSU) acordada em sede de concertação social pelo governo, patrões e UGT, mas que BE e PCP chamaram a apreciação parlamentar. Aí, de uma forma talvez inesperada, receberam o apoio do PSD. Este travão a uma medida do governo pelo voto das esquerdas no parlamento obrigou o executivo a encontrar uma solução (redução do pagamento especial por conta, PEC) que acabou por ser aceite pelos parceiros parlamentares e recolheu a assinatura dos parceiros sociais.
Porfírio Silva lembrou, contudo, que os acordos celebrados entre a esquerda foram feitos do “ponto de vista” de uma legislatura. E depois de assinalar que nenhum dos partidos “está à espera que cada um dos outros deixe de ser aquilo que é”, atirou: “Mas acho que nós começamos todos a pensar noutra direção…”
Para um dos mais próximos conselheiros de Costa, é tempo de as esquerdas dizerem sim a conversas viradas para o longo prazo, de encararem essa necessidade. “Sim, sem dar um calendário, sem dar uma fórmula específica, acho que é preciso começar a pensar com outra ambição.”
Jerónimo de Sousa já respondeu
As palavras de Porfírio Silva foram escutadas e mereceram de imediato a análise e o comentário do líder do PCP, Jerónimo de Sousa. No próprio dia em que o dirigente socialista falou à imprensa, o deputado e secretário-geral dos comunistas lembrou que essa agenda política para a década (para duas legislaturas) de que falou Porfírio Silva depende de “uma clarificação do PS”, em especial “em matéria de União Europeia”.
Para Jerónimo de Sousa, a definição dessa agenda “faz-se a partir de coisas concretas”, lembrando, por isso, que os socialistas têm de clarificar o seu posicionamento perante os “constrangimentos externos”.
“Sem essa clarificação por parte do PS, é um bocado sem sentido estar a definir, a esta distância de tempo, uma solução”, declarou Jerónimo de Sousa. O líder dos comunistas salientou, contudo, que o partido tem valorizado “muito os avanços alcançados durante o tempo da nova solução política”, mas afirmou que o PCP tem sido “cada vez mais confrontado com constrangimentos que podem determinar muito do futuro”.
Por isso, o que será essa agenda depende da capacidade que haverá para “vencer os constrangimentos que são impostos”, esclareceu Jerónimo de Sousa. Ou seja, para o líder comunista, sem “vencer esses constrangimentos” que vêm da Europa não se poderá “determinar o futuro”, acentuando, todavia, que “felizmente tem havido uma grande clareza com o PS, uma grande franqueza e honestidade de relacionamento”.
Catarina Martins diz que compromisso mal começou
Já o Bloco de Esquerda não descarta também vir a debater com os restantes parceiros uma agenda para a década.
Aliás, os bloquistas remeteram o i para um artigo assinado este fim de semana pela coordenadora do BE, no “Expresso”, no qual Catarina Martins escreve que “o acordo [à esquerda] não está esgotado”.
“O que chegou foi o momento de clara separação de águas e que exige renovada determinação”, escreveu a dirigente do Bloco. Para Catarina Martins, “a reestruturação da dívida, necessidade que já ninguém contesta, deve deixar de ser tabu para o governo e o acordo de Bruxelas deve deixar de ser condição”.
A_coordenadora do BE recordou também que, para o partido, “o acordo não é uma simples lista de tarefas e metas (…). É um compromisso político para dar conteúdo político a uma expetativa de mudança à esquerda. E essa está longe de esgotada: mal começou”.
“Não resta dúvida de que o acordo da mudança é sólido. No respeito pelo seu objetivo – ‘virar a página das políticas que traduziram a estratégia de empobrecimento seguida por PSD e CDS’ –, ganha a densidade necessária para enfrentar cada problema em cada tempo. Saibamos, pois, colocar as questões para encontrar as soluções. PS, Bloco de Esquerda, PCP e PEV, agora é connosco”.