T2 Trainspotting. Choose life, outra vez

Uma sequela de “Trainspotting” era à partida um projeto arriscado e com tudo para ficar aquém do irrepetível original da década de 90. Foi o que aconteceu. Bem disse o próprio Jonny Lee Miller em Berlim que não é bem uma sequela, este filme, mas um post mortem

Histórias com 20 anos raramente se preservam intactas e as drogas de certeza que não ajudam à memória, portanto vamos ao ponto em que ficámos. Renton, Spud, Sick Boy e Tommy, Edimburgo, heroína, uma das mais inacreditáveis cenas de casa de banho de sempre, outra das mais inacreditáveis cenas de overdose de sempre, pés para a cova na vista de um caixão a partir de um tapete, a juntar ainda à história do bebé deixado a apodrecer por mais um chuto. Isto era 1996 e acabava com Renton a fugir de Spud, Sick Boy e Tommy com um saco de 16 mil libras. Avião para Amesterdão e o desejo de uma vida de casa e carro e emprego e família, “choose life” e já está tudo.

Pois passaram 21 anos que Renton passou em Amesterdão, avião apanhado de volta mesmo porque teve de ser, ou talvez não, mas isso é coisa que há de acabar por se esclarecer. Estar melhor é tão relativo como é ter uma mulher à espera do regresso, como estar na prisão neste caso ou como a ideia de montar um bordel com uma imigrante búlgara, Veronika (Anjela Nedyalkova), única novidade num elenco que Danny Boyle foi resgatar ao “Trainspotting” de 1996 para todos aceitarem, com a diferença de que Sick Boy (Jonny Lee Miller) agora é a Simon, coisas de quem, apesar de tudo, cresce com o tempo.

Não demoramos a perceber que a vida não está melhor, nada disso, a vida está na mesma mas com uma nova consciência de que não há grande coisa a fazer com ela, pelo menos de Mark Renton, o Ewan McGregor que nos tínhamos habituado a ter como narrador de “Trainspotting” e que aqui é só um com os outros, no confronto com os outros depois do regresso de Amesterdão, vida de novo perdida, regresso à casa dos pais e ao quarto forrado a comboios e aos discos que já não consegue ouvir.

“Foi a primeira decisão que tomámos, essa de um Mark que perdeu a sua voz, abandonado e perdido. Não estamos dependentes dele, mas do confronto entre eles”, explica o realizador Danny Boyle à imprensa no Festival de Cinema de Berlim, onde a sequela da adaptação da obra homónima de Irvine Welsh se estreou este fim de semana, fora de competição. “Não tem nada a que se agarrar e o que acontece é que começa a ter a sua voz de volta com o ‘choose life’ [numa conversa com Veronika] que se torna uma espécie de confissão sobre a sua própria frustração.” E é Sick Boy a perguntar-lhe porquê: “És turista no teu próprio passado, porque é que voltaste?”

 

Porquê? Pergunta por fazer desde o início sobre esta sequela, 21 anos depois do filme que, com um orçamento de apenas dois milhões de libras, se fez voz de uma geração, com todo o risco que isso trazia e que a equipa reconhece ao dizer que foi mais difícil fazer este filme. “O senso comum diz-nos que já é demasiado tarde para se fazer uma sequela”, diz Danny Boyle. “A espera não foi propriamente deliberada, há anos que falávamos de fazer um novo. Mas a verdade é que isso acaba por ser o que dá razão de ser ao filme. Quando vemos os atores ao lado de como eram há 20 anos, não parecem assim tão diferentes, mas 20 anos são muito tempo e isso sente-se. Conseguiram lidar muito bem com a sua aparência de hoje e a forma como iam ser comparados com a de antigamente. Foi honesto. Não tiveram vergonha de serem o que são agora e é sobre isso este filme.”

E, entre risos, Jonny Lee Miller acrescenta que isto não é bem uma sequela tradicional, mas antes um post mortem. “Sempre disse que não havia sentido em fazer uma sequela do ‘Trainspotting’ a não ser que fôssemos olhar para questões mais abrangentes. Como é ficar-se mais velho, o que é que fizemos, o que é que acontece a estas personagens e quais são as implicações disso? Uma simples sequela seria bastante aborrecida, a única forma de tornar isto interessante era pôr as vidas das pessoas no meio disso.”

A música que Mark turista no seu passado não conseguia ouvir quando voltou a casa era, afinal, “Lust For Life”, de Iggy Pop, regresso à impressionante banda sonora do filme de 1996 que não larga nem por uma cena este “T2” de 2017 que, apesar de construído sempre em paralelo com o anterior, é o “Trainspotting” de 1996 ao contrário. Mais cómico do que difícil, menos impactante, menos genial – porque mesmo quando está quase a ser não se livra da comparação e da cópia. Mas nada disso surpreende ou é necessariamente mau porque, antes de tudo, “Trainspotting” é irrepetível.