O Presidente não apontou a porta da rua ao ministro das Finanças depois de o ter chamado a Belém para esclarecer a polémica da Caixa Geral de Depósitos. Mas, no comunicado divulgado no site da Presidência quase à meia-noite de segunda-feira, Marcelo deixa Mário Centeno numa posição de ministro-porque-tem-de-ser. Se Marcelo fosse uma agência de rating, teria colocado Centeno “sob vigilância” – embora de maneira nenhuma na categoria de “lixo”. O problema é que, se as avaliações das agências de rating (injustas que sejam) têm influência nos mercados, as avaliações presidenciais não são menos importantes no “mercado político”.
O último parágrafo do comunicado do Presidente é particularmente elucidativo de como Marcelo, fosse outro o quadro económico, estava disponível para deixar cair Centeno: “Ouvido o senhor primeiro-ministro, que lhe comunicou manter a sua confiança no senhor professor doutor Mário Centeno”, o Presidente “aceitou tal posição, atendendo ao estrito interesse nacional em termos de estabilidade financeira”. Portanto, para Marcelo, a saída de Centeno só não se coloca por causa da “estabilidade financeira”. Mas ao chamar Centeno, depois de prévio contacto com Costa, a Belém e de ter também conversado com o ex-administrador da CGD António Domingues, o Presidente deu um sinal de apreensão perante a trapalhada do que disse o ministro sobre a isenção das declarações de rendimentos dos gestores.
A coisa foi violenta ao ponto de levar o ministro das Finanças a fazer uma longa conferência de imprensa a explicar-se ao país. Em sequência, o primeiro–ministro fez um comunicado a dizer que reafirmava a confiança política no seu ministro das Finanças “após contacto com Sua Excelência o Presidente da República”.
Em São Bento, o comunicado de Marcelo não foi recebido com alegria, por muito que tanto em Belém como no gabinete de Costa se insista que o namoro entre o Presidente e o primeiro-ministro se mantém e não sofreu nenhum arrufo no dia de São Valentim. Marcelo e Costa voltaram ontem a falar ao telefone – coisa, aliás, que acontece continuamente.
Mas António Vitorino, o senador do PS que nunca quis ser secretário-geral do partido , disse ontem na SIC Notícias o óbvio: “É manifesto que o ministro das Finanças está numa posição muito delicada criada pelo Presidente da República.”
Já antes, o secretário nacional do PS Porfírio Silva tinha escrito no Facebook: “Não basta querer ser ‘Presidente de todos os portugueses’ para ser um bom Presidente da República. É preciso saber e respeitar os poderes próprios e os poderes dos demais órgãos de soberania (…) É preciso não ter a tentação de compensar o excessivo ativismo com a técnica de ‘uma no cravo, outra na ferradura’.”
Também Vital Moreira, constitucionalista e antigo deputado do PS no Parlamento Europeu, se insurgiu contra Marcelo: “No meu entendimento, os ministros não carecem da confiança política do Presidente da República nem este os pode demitir por sua iniciativa, sem prejuízo de poder suscitar a questão da permanência de um ministro perante o primeiro-ministro. Por isso, quando um ministro se sente na necessidade de colocar o seu lugar à disposição, fá-lo perante o primeiro-ministro, não perante o Presidente”, escreve Vital Moreira no seu blogue Causa Nossa.
“O Presidente da República não é cotitular da função governativa, pelo que não deve imiscuir-se no exercício desta pelo governo nem parecer como se fosse tutor ou arauto deste, como sucedeu algumas vezes”, diz ainda Vital Moreira.
Também o deputado Ascenso Simões, que foi diretor de campanha de António Costa nas legislativas, criticou duramente o Presidente da República. Na sua página do Facebook, postou o comunicado de Belém com o seguinte título: “Uma vergonhosa nota do Presidente da República.”
As críticas do PS acabam por ter, para Marcelo, uma contrapartida não de todo desagradável: é que, nos últimos dias, o Presidente era o grande alvo do PSD. Neste sentido, algum equilíbrio partidário não deixa de ser vantajoso para a função.