Quantas mensagens trocaram Centeno e Domingues?
Haverá pelo menos três mensagens que parecem contrariar a explicação do “erro de perceção mútuo” dada esta semana pelo ministro das Finanças Mário Centeno. O número total de mensagens trocadas entre Centeno e Domingues não é público.
O que dizem as mensagens?
Segundo a "SIC", numa das mensagens Centeno dá a entender que já tinha conseguido que o decreto-lei não incluísse a obrigação da entrega da declaração de património. Na versão revelada pela SIC, que teve acesso ao conteúdo das mensagens, Centeno deixará claro que parece ter conseguido que o diploma não diga nada sobre a declaração de património. Numa segunda mensagem, Centeno explica a António Domingues que o processo de legislação estava atrasado porque Marcelo se opunha à isenção da apresentação da declaração de património. O “Correio da Manhã” adiantou que Centeno terá dito estar a tratar da “resolução” da situação. A SIC revelou também que, numa outra sms, Centeno dizia a Domingues ter o "ok" do primeiro-ministro para a não entrega da declaração.
Quando foram trocadas as mensagens?
O novo estatuto do gestor público foi aprovado em conselho de ministros a 8 de junho. A 21 de junho, o diploma é promulgado pelo Presidente da República. O diploma é publicado a 28 de julho de 2016. A troca de mensagens terá de ter começado antes deste processo.
Que ilações se pode tirar?
1) Marcelo
Antes de ir às mais recentes declarações se Mário Centeno, é possível recuar no tempo. A 31 de junho, é publicado no site da presidência uma nota com o título “Presidente da República explicita razões para promulgar diploma sobre a Caixa Geral de Depósitos”. Neste texto, Marcelo nunca refere a questão da declaração de rendimentos – que só seria suscitada publicamente por Marques Mendes a 23 de outubro.
Nesta primeira nota, o Presidente debruça-se com mais detalhe sobre a questão do fim dos tetos salariais na Caixa, salientando “que, na Caixa Geral de Depósitos já não havia teto salarial público e cada qual era remunerado de acordo com o seu passado próximo, variando o nível de gestor para gestor.” O Presidente conclui que ponderadas as diferentes razões, “, sobretudo, o facto de a não promulgação equivaler à não entrada em funções do novo Conselho de Administração, com o agravamento do risco de paralisia da instituição, decidira promulgar o diploma”.
Já depois de rebentar a polémica, Marcelo toma posição numa nova nota publicada no site da Presidência. “O Decreto-Lei n.º 39/2016, de 28 de julho, incidiu apenas sobre o Estatuto do Gestor Público, constante do Decreto-Lei n.º 71/2007, de 27 de março”, refere Marcelo, sublinhando que o estatuto nada diz sobre o dever de declaração de rendimentos e património ao Tribunal Constitucional. “Tal matéria consta da Lei n.º 4/83, de 2 de abril, na redação dada, por último, pela Lei n.º 38/2010, de 2 de setembro. (…) Ora, a Lei n.º 4/83, não foi revogada ou alterada pelo Decreto-Lei n.º 39/2016, de 28 de julho.”
O Presidente conclui que a “obrigação de declaração vincula a administração da Caixa Geral de Depósitos” e que “compete, porém, ao Tribunal Constitucional decidir sobre a questão em causa.” Segundo o conteúdo dos sms agora conhecido, Marcelo já teria sido auscultado durante o processo de negociação que haveria vontade de isentar os gestores da apresentação da declaração de património, ao que se opôs cinco meses antes de fazer estas explicações públicas.
2) Mário Centeno
O ministro das Finanças negou esta semana ter garantido a António Domingues a dispensa da entrega da declaração de rendimentos, referindo-se a um erro de perceção mútuo. As mensagens reveladas pela "SIC" sugerem que, em algum momento, terá ficado claro que havia o “ok” do primeiro-ministro e que o processo estava resolvido. Não se sabe, porém, se há ou não mensagens posteriores e qual a cronologia das mesmas.
3) António Domingues
Recusa revelar as mensagens, só admite fazê-lo à comissão de inquérito.
Quem já leu as mensagens?
Pelo menos Marcelo. Ter-lhe-ão sido facultadas durante o fim de semana por António Lobo Xavier, que na quinta passada revelou no programa “Quadratura do Círculo” haver uma “troca abundante de mensagens” entre Centeno e Domingues, seu amigo. Segundo avançaram hoje o “DN” e o “Público”, foi depois de ter tido acesso aos conteúdos dos sms e depois de ter recebido Centeno na segunda-feira que Marcelo decidiu fazer mais uma nota pública sobre a polémica em torno das declarações de rendimento e da CGD (da qual deu nota prévia a Centeno). A nota foi publicada no site da presidência à meia-noite de segunda para terça-feira e pode ser lida aqui. Marcelo dizia ter retido a admissão do eventual “erro de perceção mútuo na transmissão das suas posições.” Marcelo concluía dizendo que “ouvido o Senhor Primeiro-ministro, que lhe comunicou manter a sua confiança no Senhor Professor Doutor Mário Centeno, aceitou tal posição, atendendo ao estrito interesse nacional, em termos de estabilidade financeira.”