“Colo” não tem tradução, é demasiado ambíguo para isso e Teresa Villaverde prefere que permaneça assim. “Não tenho resposta exata sobre o que significa o ‘colo’ do filme”, diz a cineasta numa sala que juntou imprensa portuguesa a estrangeira em Berlim. “Embora a minha vida seja diferente da dos personagens deste filme, não me sinto noutro patamar. Acho que estamos todos num momento confuso em que precisamos de alguma coisa que não sei se sabemos o que é.” Confusão é a palavra para tudo o que vem dos anos em que um país inteiro foi ao chão para não saber quando se volta a levantar. “Se não voltares a ter trabalho”, “se o pai não voltar a ter trabalho”, receio presente mesmo quando não se diz, mesmo assim a dizer-se demasiadas vezes nesta que é a sétima longa-metragem de Teresa Villaverde, que 25 anos depois de “A Idade Maior” regressa a Berlim com “Colo”, na competição pelo Urso de Ouro.
E as respostas que a imprensa estrangeira quer depois de assistir a esta história de uma família dos subúrbios de Lisboa que se desfaz numa crise que não é só a do país, é essa crise a desfazer sonhos e vidas e expectativas e a trazer todas as outras para um lugar em que não as vamos conseguir resolver, é o que foi a crise afinal em Portugal, se estes portugueses aqui sentados – a realizadora e os atores – acreditam na democracia ainda, palavras políticas para esta edição que o diretor da Berlinale disse ser das mais políticas dos últimos anos, num festival já marcado por essa tradição. E Teresa Villaverde acedeu: “A Europa foi criada como um bloco de solidariedade onde os países deviam ajudar-se na construção uns aos outros e de algum modo isso está a perder-se e está a destruir a democracia em cada país com uma Europa centralizada que decide pelos outros países todos. Estamos aqui na Alemanha e são países como a Alemanha e a França, os mais poderosos, que acabam por impor algumas regras sobretudo à Europa do Sul e penso que foi isso que aconteceu a Portugal”, explica sobre as origens da crise, que não é só uma, é a económica e as que vieram com ela.
Em “Colo”, a crise “é mais do que a crise económica, é a crise da família, do pouco tempo que as pessoas têm para viver, da falta de comunicação, do tempo que as pessoas levam para chegar ao trabalho e do chegarem a casa extenuadas, quase não se verem, quase não se falarem, a solidão das pessoas nas cidades.” Obra que marca a passagem de Villaverde da película para o digital, “Colo” foi escrito, realizado e produzido pela cineasta, que explica que a experiência só não foi traumatizante por ter tido à sua volta toda uma equipa “da escola antiga”, que encarou o digital “com o mesmo tempo e a mesma preparação” que exige a película. Beatriz Batarda, João Pedro Vaz e Alice Albergaria Borges como protagonistas desta família-retrato num tempo de incógnita sobre duas gerações: a dos pais que perdem o emprego e não sabem se voltarão a ter e a dos filhos que lutam para conseguir o primeiro.
E este é um filme quase inteiro em espaços fechados, nos interiores deprimentes dos subúrbios, é um filme escuro e de silêncio. “Talvez de todos os meus filmes este seja aquele onde o silêncio se sente mais e é assim porque neste caso tinha de ser assim.” Porque o que importa quando se deixa de viver porque o cansaço já não deixa é o que não se diz entre as conversas circunstanciais que passam a ser todas. “O importante é o não dito e senti que para isso o silêncio e o tempo eram fundamentais”, apesar de não ser só de silêncio este “Colo” de que afinal todos precisamos, com boa parte da banda sonora da autoria de Tomás Gomes, ator que com Clara Jost, filha da realizadora, e Rita Blanco compõe o resto do elenco. “O genérico do filme ter uma música do Tomás com ele a cantar é o maior momento de esperança.”
E sobre silêncio e música mas desesperança é “Altas Cidades de Ossadas”, primeiro filme de João Salaviza depois de “Montanha”, regresso às curtas direto para a competição da Berlinale que em 2012 lhe deu o Urso de Ouro, por “Rafa”. Ao jeito que já lhe conhecemos, agora com o rap crioulo de Karlon, que veio à Berlinale atuar na festa das curtas metragens, para contar uma história a partir da sua, um bairro desfeito que era o seu, o da Pedreira dos Húngaros para realojamento, “tateio inquisitivo e imaginativo às suas memórias, ao cerco institucional às histórias submersas de um tempo sombrio”. Filmado num preto que raramente o cinema faz tão preto, “Altas Cidades de Ossadas” é rap mas baixinho. Silêncio e escuridão. “Quisemos fazer um filme sobre este processo violento de realojamento dos moradores da Pedreira dos Húngaros, nos subúrbios de Lisboa, com as ligações da comunidade que se perderam de forma abrupta”, disse Salaviza. “Mas quisemos ao mesmo tempo fazer um filme muito íntimo. Não temos medo da escuridão, como viram, e também não temos medo do silêncio.”