Juros da dívida portuguesa nas mãos de Draghi

Taxas de juro de longo prazo da dívida pública portuguesa estão em alta e só não sobem mais devido às compras do BCE. Mais do que especulação, é a má economia a falar.

Os investidores pagam a Portugal para absorver dívida de curto prazo. Mas cobram mais ao país para deter dívida de longo prazo.

No início de janeiro Portugal emitiu 3000 milhões de euros de dívida pública a dez anos pagando juros de 4,227%. Desde o final do ano passado que as obrigações a longo prazo da dívida portuguesa têm um juro acima dos 4%. Um mês depois, numa emissão a sete anos, agora em leilão – o primeiro do ano –, o juro foi de 3,668%, o dobro da taxa paga oito meses antes.

Esta semana Portugal emitiu 1250 milhões de euros em dívida de curto prazo em leilão com o juro mais baixo de sempre. No leilão a 11 meses, o IGCP conseguiu emitir mil milhões de euros, tendo pago um juro médio de -0,096%. No prazo de três meses foram leiloados 250 milhões de euros em bilhetes de tesouro com juros de -0,211%.

«A diferença entre os juros de curto e longo prazo está ligada ao risco associado a cada tipo de vencimento», diz Eduardo Silva, gestor da corretora XTB. «No caso de Portugal, verificamos ainda que no curto prazo a economia está estável e o banco central, apesar de ter um papel cada vez menor, ainda alivia alguma pressão sobre os juros. Já no longo prazo o histórico do país, a elevada dívida e o crescimento fraco serão sempre fatores que irão impulsionar os juros», sustenta o gestor.

Já Marisa Cabrita, de departamento de Asset Management da Orey Financial, acrescenta que «as expectativas de subidas de taxas de juro nos EUA, o risco político proveniente dos diversos atos eleitorais na Europa, o ressurgimento de alguns receios em torno da Grécia, devido à ausência de acordo entre credores», são fatores que contribuem para o aumento generalizado dos prémios de risco.

Discussão permanente

A possibilidade de haver especulação «está sempre em cima da mesa porque o BCE não é um credor de última instância, nem há mecanismos de subsidiariedade ou mutualização das dívidas», elucida Filipe Garcia, economista da IMF, para quem este é um problema político. «Nesse sentido, a UEM continua a ser uma construção imperfeita porque a um regime de câmbios fixos não está subjacente uma garantia comum. Sendo o euro uma construção política, a sua continuidade está sempre em discussão e depende dos governantes», argumenta o economista.

Ainda assim é sempre «possível ‘apostar’ contra a dívida de um país, por exemplo, assumindo posições curtas nesses títulos e longas noutros», diz o economista do IMF. «Quem o faça irá beneficiar financeiramente da queda dos preços dessas obrigações», acrescenta.

Já Eduardo Silva considera «importante que se perceba que quem empresta pede um juro pelo empréstimo, se não encontramos investidores que comprem dívida a juros baixos, não é um movimento especulativo, é o mercado a analisar o risco e exigir um prémio pelo risco».

Exemplo está na reação do mercado à divulgação pública das atas da última reunião do Banco Central Europeu (BCE). A autoridade monetária revelou quinta-feira estar disposta a flexibilizar a aplicação de algumas regras que condicionam a compra de obrigações para manter a sua política de estímulos.

De acordo com a agência Bloomberg, o BCE admite que «desvios limitados e temporários são possíveis e inevitáveis» para garantir a implementação do programa.

Esta mensagem levou os juros de vários países periféricos a cair. No caso de Portugal as yields a dez anos baixaram dos 4%. No entanto, ontem voltaram a subir acima deste valor.

Sustentabilidade

Segundo Filipe Garcia, «as taxas de prazos mais longas oscilarão com base no que se percecionar de apoio por parte do BCE e Eurogrupo e na evolução da economia portuguesa». O economista acrescenta que em Portugal há um «fator risco ligado à sustentabilidade da dívida».

Também Eduardo Silva argumenta que a «elevada dívida e o crescimento fraco serão sempre factores que irão impulsionar os juros».

O gestor da corretora XTB lembra que «nos últimos anos Portugal esteve protegido pelo programa de compra de dívida do BCE», ou seja, «o País não estava realmente exposto ao mercado no que diz respeito a juros».

O analista diz que durante este período – o programa de estímulos do BCE começou em maio de 2013 – Portugal teve tempo para recuperar a confiança dos investidores e implementar reformas estruturais. «A nível interno foram dados alguns passos nessa direção pelo anterior Governo, mas a nova coligação inverteu algumas medidas», refere Eduardo Silva, acrescentando que «apesar do atual momento económico positivo, a mensagem que passou para fora e para os investidores foi de que fizemos um esforço considerável, mas que foi parcialmente revertido e que devem estar atentos».

Impacto

Para este especialista, considerando o «nível atual dos juros de longo prazo, qualquer evolução negativa terá impacto imediato nas condições de financiamento» e o risco de este financiamento «se tornar ainda mais insustentável é elevado» Marisa Cabrita também considera que o «cenário a curto prazo é de incerteza elevada». Segundo a especialista da Orey Financial, o «crescimento das economias americana e europeia» levará a uma «aproximação de um cenário de normalização da política monetária do BCE, o que poderá elevar as taxas de juro».

Filipe Garcia lembra que é «o apoio do BCE» que justifica as taxas negativas a curto prazo «Sem esse apoio, as taxas dos títulos portugueses seriam bem mais altas», remata.