Parece fácil isto para o cinema português. Logo na edição seguinte ao Urso de Ouro para “Balada de Um Batráquio”, de Leonor Teles, chega Diogo Costa Amarante com “Cidade Pequena” à competição de curtas para voltar também ele com o maior prémio que podia levar do Festival de Cinema de Berlim. Parece fácil, mas não é. E a história desta “Cidade Pequena”, que desde sábado à noite todo um país celebra, outra vez, tem mais para contar do que aquela que apresenta. Quando Diogo Costa Amarante subiu ao palco da cerimónia de entrega dos prémios da competição oficial e da das curtas da Berlinale com a reação de quem não estava mesmo à espera, disse muito pouco, mas disse tudo e o que mais importava: “Este filme foi feito com a minha irmã, o meu sobrinho e o marido dela, três pessoas. Obrigado e desculpem, não consigo dizer muito mais.”
Não por decisão de Diogo Costa Amarante, que se candidatou com esta curta-metragem aos apoios do ICA, que não conseguiu. Avançou na mesma, até porque tinha de avançar, era com este filme que terminaria o seu mestrado na New York University/Tisch School of the Arts, num percurso que começou pelo direito para só depois ir dar ao cinema, com “Jumate/Jumate” como curta documental de estreia, em 2007, depois “The White Roses”, que em 2014 levou à competição de curtas do Festival de Cinema de Berlim, onde voltou este ano para vencer o Urso de Ouro com “Cidade Pequena”.
Filme que partiu do lugar em que termina, a família, do dia em que a irmã lhe contou que o sobrinho de seis anos, Frederico, tinha aprendido na escola que quando o coração para de bater morremos. Conversa que o levou de volta à sua própria infância, angústia que o levou à decisão de fazer com isso um filme, que pensou primeiro num sentido mais literal – um guião com uma cronologia e o sobrinho na escola com a professora – para depois perceber que o que importava para “Cidade Pequena” não era tanto a recriação desse acontecimento, como explicou numa entrevista ao blogue da secção competitiva das curtas, mas uma expressão de emoções. “Comecei então a filmar com uma abordagem mais espontânea. Fui com a minha irmã e o meu sobrinho aos lugares que pertenciam às memórias da minha infância”, instinto a emergir desses lugares familiares. As paisagens, as cores e os sons que encontramos em “Cidade Pequena”, sucessão de quadros que vemos por camadas, numa viagem ao mundo emocional de uma mãe e de um filho.
A família que Diogo Costa Amarante transportou da vida real para o filme e que são duas das pessoas de que falava quando recebeu o prémio. A outra é o marido da irmã, que fez trabalho de assistente na rodagem. “Foi quem me ajudou, no fundo, a fazer foco e a transportar as luzes”, conta ao i numa curta conversa antes de apanhar o avião de regresso a Portugal. “Pensando agora a frio, até parece melhor não ter recebido o apoio porque toda esta simplicidade também acabou por ajudar ao filme. Quando não tens dinheiro não complicas, não tens uma equipa, tens de optar por recursos mais simples, e isso está alinhado com a história deste filme.”
Mas na conferência de imprensa que se seguiu à cerimónia dos prémios, numa edição que ficou também marcada pela luta dos produtores e realizadores portugueses – Luís Urbano foi à apresentação de “Coup de Grâce”, de Salomé Lamas, que produziu, dizer que estava “em greve” e que não faria mais curtas – e a polémica da escolha dos júris, Diogo Costa Amarante afirmou: “Não ter conseguido o apoio do ICA não exclui a minha vontade de me associar ao grupo de pessoas ligado à Associação Portuguesa de Realizadores, com cujos valores me identifico.”
A vitória de um filme português na competição das curtas desta edição da Berlinale, que terminou ontem, podia nem ser esperada por nenhum dos realizadores, mas não pareceu inesperada. Afinal, Portugal era, depois da Alemanha, o país com mais filmes selecionados para a competição, quatro filmes elogiados pela própria curadora da secção, Maike Mia Höhne, numa entrevista ao i ainda no decorrer do festival. “A certa altura tivemos de parar, não podíamos ter uma competição só de filmes portugueses”, dizia, para acrescentar: “Podíamos ter selecionado ainda mais.” Além de “Cidade Pequena”, competiam ainda na Berlinale Shorts, cujo júri era presidido pelo artista alemão Christian Jankowski, “Coup de Grâce”, de Salomé Lamas, “Os Humores Artificiais”, de Gabriel Abrantes, que saiu desta edição da Berlinale nomeado para os European Film Awards 2017, e “Altas Cidades de Ossadas”, de João Salaviza.
O Urso de Ouro da competição oficial, que tinha como presidente do júri Paul Verhoeven e na qual estiveram “Colo”, de Teresa Villaverde, e a coprodução luso-brasileira “Joaquim”, de Marcelo Gomes, foi para “Testről és lélekről (On Body and Soul)”, da húngara Ildikó Enyedi, e o Urso de Prata de Melhor Realizador para o finlandês Aki Kaurismäki, que não se levantou da plateia para receber o prémio e alguém teve que ir entregar ao seu lugar, de onde agradeceu usando o urso como microfone. “Toivon tuolla puolen” é o seu filme, que traduzido quer dizer “o outro lado da esperança”. E foi muito sobre esperança esta edição da Berlinale.