O pedido de afastamento do juiz Rui Rangel da Operação Marquês já deu entrada no Tribunal da Relação de Lisboa. Como o i avançou na edição de hoje, o Ministério Público decidiu pedir a recusa do juiz depois de a Relação ter distribuído o 38.º recurso de José Sócrates a Rangel.
Em comunicado, a Procuradoria-Geral da República justifica o pedido de recusa de juiz por “considerar existir motivo sério e grave, adequado a gerar desconfiança sobre a imparcialidade do magistrado judicial.”
O pedido é feito ao abrigo do disposto nos artigos 43º, nºs 1, 2 e 3, 44º e 45º nº 1 al. a) do Código de Processo Penal. Estes artigos referem, precisamente, que a intervenção de juiz num processo pode ser recusada quando "correr o risco de ser considerada suspeita, por existir motivo, sério e grave, adequado a gerar desconfiança sobre a sua imparcialidade". Pode ainda constituir fundamento de recusa a intervenção do juiz noutro processo ou em fases anteriores do mesmo processo. Uma recusa pode ser sempre requerida pelo Ministério Público, pelo arguido, pelo assistente ou pelas partes civis.
O tribunal, se não recusar logo o requerimento ou o pedido por manifestamente infundados, ordena as diligências de prova necessárias à decisão. Dispõe depois de um prazo de 30 dias, a contar da entrega do respetivo requerimento ou pedido, para decidir sobre a recusa ou a escusa
Como o i avançou na edição de hoje, o desembargador foi o juiz escolhido para ficar responsável pela decisão do recurso intentado pelo antigo primeiro-ministro, que pede a nulidade dos atos processuais e o fim do inquérito por ainda não ter sido estabelecido um prazo final para a acusação. A distribuição do recurso surpreendeu juízes do Tribunal da Relação de Lisboa, que acreditam que Rangel não tem condições para assumir a tarefa e que, caso não fosse pedida escusa do processo, deveria ser o próprio Ministério Público a fazê-lo.
Rui Rangel foi relator de um acórdão, em finais de 2015, que fez cessar o segredo de justiça interno na Operação Marquês. Este foi aliás o único recurso ganho por José Sócrates na Operação Marquês.
Recorde-se que, em 2015, Rui Rangel criticou a forma como o procurador Rosário Teixeira e o juiz Carlos Alexandre geriram o segredo de justiça na Operação Marquês, afirmando que um arguido não pode ser impedido de ter acesso às provas dos crimes que lhe são imputados.
Nessa altura o Conselho Superior da Magistratura avançou com um processo disciplinar contra o desembargador. Em causa estava o facto de não ter pedido escusa após ter tido intervenções públicas a propósito da Operação Marquês e ter dado uma entrevista polémica ao i, na qual afirmou que os juízes “são a classe menos confiável, (…) infelizmente, não sabem ser membros de um poder soberano, agem com mentalidade de funcionários públicos”.
Sócrates contra o Estado
Neste 38.º recurso, o antigo primeiro-ministro pede a nulidade de todo o processo e o fim do inquérito, dado ainda não ter sido estabelecida uma data para a apresentação da acusação.
Recorde-se que a Procuradora-Geral da República, Joana Marques Vidal, prorrogou a investigação até 17 de março e até agora não foi feito qualquer anúncio oficial quanto ao prazo para o término da mesma. Entretanto, continuam a ser feitas diligências, tendo vindo a público que, ainda na semana passada, Nuno Vasconcellos, líder da Ongoing, e o sócio Rafael Mora foram alvo de buscas.
O único recurso ganho até hoje por José Sócrates nos tribunais superiores (Relação e Supremo Tribunal de Justiça) teve Rangel como juiz relator. Com essa vitória, em outubro de 2015, o ex-primeiro-ministro conseguiu pôr fim ao segredo de justiça interno e, consequentemente, ter acesso a documentos e testemunhos do processo.
No início deste mês, Sócrates anunciou que ia processar o Estado pela demora da investigação. “Entreguei hoje no tribunal competente uma ação contra o Estado. Se o Estado não arquiva, nem acusa, acuso eu”, afirmou na altura. O antigo líder socialista não definiu um valor para a indemnização, defendendo que isso “será o tribunal a decidir”. Sócrates exige apenas ser ressarcido “pelos prejuízos causados ao longo de todo este inquérito”. E não vai ficar por aqui. Sócrates lembra que é a primeira vez que processa o Estado e admite recorrer para o Tribunal Europeu dos Direitos do Homem e só não o fez porque ainda não esgotou “todos os recursos no sistema nacional”.
José Sócrates é um dos 20 arguidos da Operação Marquês e está indiciado por fraude fiscal qualificada, branqueamento de capitais e corrupção passiva para ato ilícito. Os empresários Carlos Santos Silva, Lalanda e Castro, Helder Bataglia, Joaquim Barroca, Diogo Gaspar Ferreira, Rui Horta e Costa, Rui Mão de Ferro, o ex-presidente do BES Ricardo Salgado, Inês do Rosário (mulher de Carlos Santos Silva), o advogado Gonçalo Trindade Ferreira, Armando Vara e a filha Bárbara, a ex-mulher de Sócrates, Sofia Fava, o motorista João Perna e cinco empresas (Oceano Clube, XMI, Lena Engenharia e Construções SA, Lena Engenharia e Construções SGPS e Rentlei) são os restantes arguidos.
Com Felícia Cabrita e Joana Marques Alves