Prefere começar pela política ou pelo futebol?
É indiferente
O que o apaixona mais?
O que me apaixona mais é o Desporto. Para ser sincero, o que me apaixona mais, hoje em dia, é a vida. Sabe que uma pessoa, aos 60 anos, ser operado pela primeira vez e ainda por cima ser confrontado com uma situação daquelas complicadas, que normalmente na linguagem da comunicação se chama doença prolongada… Ser confrontado com um carcinoma… Numa certa manhã o meu neto mais velho, que tem dez anos, ia a passar num quiosque de jornais e viu na primeira página de uma revista: ‘Seara com cancro’. Coisa que ele nunca tinha ouvido para sua segurança. Isto é a consciência de que a vida é o mais importante.
É verdade aquela ideia de que quando nos acontece alguma coisa mais complicada a nível da saúde mudamos e passamos a dar mais importância à vida e às pequenas coisas.
As minhas operações mudaram-me totalmente. É a primeira vez que estou a falar disso publicamente. Será a primeira e a última que falo destas questões.
Não se incomoda por aparecer com frequência nas chamadas revista cor de rosa?
Nós não mudamos as circunstâncias. Eu regressei ao escritório, após 12 anos de ausência. Sou o primeiro eleito no âmbito da câmara de Lisboa que não tem nenhum cargo político. Todos os outros candidatos do PSD tiveram cargos em diferentes situações. Eu apenas estou aqui no escritório e sou vereador sem pelouro e durante um tempo com suspensão de mandato.
Gostava de ter sido presidente da câmara de Lisboa?
Gostava, mas perdi inequivocamente e clamorosamente. Os dois aspetos que me ficam dessa campanha são que disse que António Costa, ao contrário de mim, não estaria com os dois pés em Lisboa e ele agora está em São Bento. Acertei. E espero que o candidato ou a candidata do PSD à câmara de Lisboa em 2017 tenha oportunidade de ter toda a gente com ele ou com ela na campanha eleitoral, porque em 2013 muitas pessoas do PSD, certamente por mera casualidade, resolveram meter férias em agosto e setembro de 2013 e, portanto, não se quiseram comprometer durante a campanha
Sentiu essa falta de apoio do PSD.
O que senti foi que muita gente meteu férias em agosto e setembro de 2013.
Era muito difícil ganhar a câmara
Foi um momento muito difícil, mas nos momentos difíceis… Eu num momento difícil candidatei-me a Sintra [em 2001], como o Álvaro Amaro, o Carlos Encarnação, o Rui Rio e o Pedro Santana Lopes. Uma das coisas que aprendi com a doença é que há pensos descartáveis. O mundo é feito disso e a vida política também é feita, principalmente nalguns momentos partidários, de pensos descartáveis. Nada como sentir quem é descartável.
Ficou magoado com a falta de apoio de algumas pessoas do PSD?
Não. Uma pessoa quando sai da sala de operações sente-se angustiada, mas também tem tempo para revisitar a história. Aquilo ajuda a reavivar a memória e não me esqueço.
Como tem assistido a esta novela no PSD à volta do candidato para a Câmara de Lisboa. O PSD ficou à espera de Santana Lopes que recusou ser candidato. Quem aparecer agora será sempre uma segunda escolha…
Quem aparecer tem que tentar apagar isso, mas vai ser muito difícil. O PSD quase que entrou numa disputa de novelas. A sensação que tenho é que não geriu bem este processo. Nem está a gerir bem.
Ainda é possível uma boa saída?
O PSD tem quatro vice-presidentes mulheres [Maria Luís Albuquerque, Sofia Galvão, Teresa Leal Coelho e Teresa Morais ]. Qualquer uma delas poderá ser candidata à Câmara de Lisboa.
Fernando Medina tem sido criticado por causa das obras e do excesso de turismo. Qual é a avaliação que faz do trabalho do candidato do PS?
Fernando Medina não fez mais do que aproveitar as circunstâncias que lhe foram proporcionadas. Nos últimos dez anos é o primeiro presidente de câmara a ter dinheiro. Tendo dinheiro consegue fazer obra. Aqui ao pé do meu escritório, ao pé da maternidade Alfredo da Costa, houve uma reformulação de trânsito e a nova praça do Saldanha. Sempre fui a favor da reformulação da zona e votei a favor. Toda a gente me dizia mal. As velhinhas diziam-me: ‘Ó senhor doutor isto é péssimo’. Sabe o que me dizem agora? Dizem-me que a praça Duque de Saldanha está bonita. Só quem nunca foi presidente de câmara é que não sabe isto e muitos dos que falam nunca foram, não sabem o que é e nunca se disponibilizaram para ser. São aqueles a que eu chamo os urbanóides contemporâneos. Nunca geriram, nunca tiveram que tomar decisões. Ser crítico de cadeira… É como eu digo: ‘Vou à Versalhes e encontro lá o conjunto de críticos’.
Isso quer dizer que Fernando Medina não vai ser penalizado por causa das obras?
Já se viu, nalguns casos, que as obras não vão ter esse efeito. Quem disse mal do Cais do Sodré vai começar a dizer a bem. Quem disse mal do Campo das Cebolas, quando estiver pronto, vai dizer bem.
E o turismo?
A questão do excesso de turismo é interessante, porque, nos últimos anos, em Lisboa, as lógicas das tensões sociais que, porventura seriam um elemento de polarização, deixaram de existir. Porquê? Porque há uma parte da classe média que aproveitou o turismo. A lógica do alojamento local é essa. A multiplicação dos pequenos restaurantes e pequenas lojas é consequência disso. E ai de qualquer partido que não perceba isso. Os confrontos à esquerda, em Lisboa, serão interessantes. Terá o Bloco de Esquerda a centralizar-se no excesso de turismo e o PCP com a sua lógica concreta em relação a Lisboa onde a questão dos transportes é central. E depois no outro lado do espetro político, desde o PS ao CDS, a questão da perspetiva da gestão.
O PSD terá dificuldades na disputa em Lisboa?
Lisboa mudou substancialmente com a reorganização administrativa. A Câmara, hoje em dia, nalgumas matérias, é quase uma sociedade gestora de participações. Qualquer candidato à Câmara de Lisboa não pode deixar de ter em conta a realidade do poder das freguesias. Em grande parte das freguesias os presidentes estão no primeiro mandato.
E a maioria é do PS…
Sim. Tiveram competências novas e meios próprios e os fregueses sentiram quer um grau de proximidade, quer um grau de resolução de assuntos concretos. A limpeza, as escolas, aquilo que mais sensibiliza as pessoas naquilo que se chama a eficácia política. Em segundo lugar, o Governo do PSD ajudou, sob o ponto de vista económico e financeiro, a Câmara de Lisboa, quer com a questão dos terrenos do aeroporto quer com o conjunto dos terrenos que passaram para o domínio da Câmara de Lisboa e que pertenciam ao Porto de Lisboa. O que significa um aumento substancial do ativo municipal. E, por último, Lisboa aproveitou esta realidade fantástica que foi a crise do mediterrâneo e tornou-se um destino turístico. A Câmara de Lisboa recebe aquilo a que eu chamo o bem bom do Governo e recebe o bem bom da situação internacional e da proximidade. Recebe de impostos a mais cerca de 300 milhões de euros nos últimos três anos e isso significa capacidade para fazer obra.
Com esse cenário que está a traçar o PSD dificilmente ganhará a Câmara de Lisboa
É um cenário que qualquer candidato do PSD não pode ignorar. A lógica é mostrar que a suas ambições ao nível da gestão são diferentes. Fala-se pouco numa coisa que é importante que é a carga tributária. Esta questão vai colocar-se nas principais cidades. A classe média está numa lógica de sofrimento resistente, mas a carga tributária é uma das questões substanciais que se vai colocar nos próximos dez anos.
O PSD devia ter apoiado Assunção Cristas?
Acho que nas grandes cidades, como Lisboa, Sintra, Gaia ou Porto, o centro e o centro-direita deveriam apresentar uma alternativa conjunta. Perante um Governo liderado pelo PS, com o apoio dos partidos de esquerda, seria um princípio de consciência política e de afirmação política tendo em conta os próximos atos eleitorais. Em Lisboa a tensão política vai centrar-se fundamentalmente no centro-direita. A disputa entre o PSD e o CDS em Lisboa pode ser uma disputa dolorosa.
Mas não era natural que o PSD, perante a dificuldade em ter um bom candidato, apoiasse o CDS?
O que era natural é que cada um dos dois partidos não assumisse nenhuma posição sem falar com o outro. O que acontece é que, por vezes, algumas elites políticas tentam repetir em circunstâncias diferentes momentos concretos da ação política. O tempo em que Paulo Portas foi candidato em Lisboa não é o tempo atual. O tempo que vivemos é um tempo em que, pela primeira vez, o PCP e o Bloco de Esquerda entram para o arco da governação. Esse é o facto político dos últimos 40 anos em Portugal e quem não perceber isso não percebe o sistema político.
O CDS precipitou-se?
Não estou a dizer isso. Esta é a minha avaliação política. Pela primeira vez PCP e BE entram no arco da governação.
A direita está a lidar bem com essa nova realidade? Já interiorizou a mudança profunda que aconteceu no sistema político?
Julgo que intimamente já interiorizou, mas acho muito estranha esta angústia em relação ao professor Marcelo Rebelo de Sousa. O professor Marcelo Rebelo de Sousa está a interpretar bem os poderes presidenciais. Não foi Marcelo Rebelo de Sousa que empossou este Governo. Este Governo resulta de uma maioria parlamentar que já aprovou dois Orçamentos do Estado em momentos fundamentais para a chamada articulação externa com Bruxelas. O Presidente da República tem, no momento concreto da Europa e tendo em conta a realidade financeira portuguesa, exercido muito bem o seu mandato.
Algumas pessoas do PSD não percebem isso?
Alguns deviam estar calados. Deviam estar em sossego existencial. Não precisam de fazer proclamações de fé tipo estou estupefacto com o Presidente ou estou perplexo com o Presidente. Nalguns casos o Presidente mais não faz do que cumprir as suas competências que resultam da Constituição da República. É preciso conhecer a Constituição da República.
Passos Coelho tem sido contestado internamente e Rui Rio já anunciou que pode ser candidato à liderança do partido. As autárquicas não serão fáceis para o PSD. Como vê o momento que o PSD está a atravessar?
São epifenómenos. Toda a gente está à espera da segunda-feira a seguir às eleições autárquicas como o PCP estava à espera do domingo a seguir às eleições legislativas para dizer que apoiava o PS.
E o PSD vai ter dificuldades nas autárquicas a nível nacional?
O PSD não pode ignorar que o PS conquistou algumas câmaras e que alguns presidentes de câmaras estão em primeiro mandato. Não pode ignorar que, nalguns casos, os mecanismos de afirmação do PS são significativos. Como não pode ignorar que, nalguns casos, como em Lisboa, as novas competências dos presidentes das juntas de freguesia, em razão da lei própria, são um reforço de energia para o PS. A não ser que – e estamos a falar nas vésperas do Carnaval – venha aí o Diabo.
Não gosta do discurso do Diabo?
É um discurso que porventura acredita que entre as eleições francesas e as eleições alemãs pode haver alguma rutura do outro lado do atlântico e, portanto, o Diabo vem de barco.
Mas julga que as autárquicas podem ter influência nacional e afetar a liderança?
Quem disser o contrário não é realista politicamente.
Rui Rio já disse que está disponível.
Primeiro tem que passar a Ponte da Arrábida. Só depois disso é que uma pessoa pode dizer alguma coisa em relação ao dr. Rui Rio. O problema é sempre a Ponte da Arrábida. Nunca dei para esse peditório.
O PSD deve apresentar-se às legislativas com esta liderança e com este programa ou há um certo desgaste e é preciso uma renovação?
Terei todo o gosto em responder a essa pergunta no princípio de outubro de 2017.
As sondagens são más para o PSD…
O PSD tem um drama que tem que resolver ao nível comunicacional. As pessoas não esquecem. O Stuart Mill no utilitarismo utiliza duas expressões: dor e prazer. O Governo do PSD foi dor. O Governo do PSD paras as pessoas foi dor e sendo dor tem a consequência da dor. A dor significa sofrimento. Isso tem a ver com o quotidiano psicológico das pessoas. As pessoas sofreram e a política é isto. Ai de quem não perceber a dor provocada.
O PSD ainda não percebeu isso na sua opinião?
Tem de perceber que fez sofrer. Tem de perceber que a política é competição e para milhões de portugueses a governação do PSD foi dor. Foi fundamental e necessário, mas suscitou sofrimento. Isso implica ter a perceção de que o sofrimento valeu a pena, mas não pode ser replicado sistematicamente.
Dá ideia de que o PSD não deu o salto para a nova realidade?
O PSD não pode transmitir que, se regressar ao poder, pode fazer a mesma coisa. É essa a questão. É esse clic comunicacional. Se não resolver esse problema não gera um elemento de convicção e o elemento de convicção é o pressuposto para a adesão. O elemento determinante para a adesão é a chamada lógica da mobilização.
Ainda há energias nesta direção para fazer essa reflexão que acha necessária?
Esta direção tem de perceber que a dor foi sentida e se não perceber que a dor foi sentida é muito mau.
Dizia que tem uma grande paixão pelo desporto…
Fui campeão nacional escolar de basquetebol em 1973.
Exalta-se muito a ver o jogos do Benfica?
Uma pessoa que diga que não sofre não fala a verdade. Sofro e tenho paixão. Tive o privilégio de estar no estádio quando conquistámos o Campeonato da Europa. É um dia que não esquecerei. Tenho acompanhado o Benfica em todos os jogos europeus. Tenho essa paixão.
E sofre a seguir ao jogo quando o Benfica perde? Anda mal disposto durante essa semana?
Não. Durante um tempo era aquele momento e a segunda-feira seguinte nos comentários. Agora é só aquele momento. Mas não deixo de sofrer e de vibrar.
Gostava de fazer comentários na televisão?
O meu querido pai gostava. A minha querida e saudosa mãe não gostava.
Porquê?
Achava que eu não devia estar naquele género de programas. Só aceitou depois quando comecei a participar com o dr. Eduardo Barroso, de quem ela não gostava muito.
São programa que vivem muito do confronto e às vezes de discussões quase irracionais.
Sou colega do Manuel Serrão desde que ele veio estudar para Lisboa. Somos amigos. Nós assumimos sempre que nunca ficaríamos zangados no final do programa. E nunca ficámos zangados
Era o comentador desportivo mais bem pago. Tinha boas audiências?
Não sei quanto ganhavam os outros, mas tinha boas audiências. Fui para a TVI 24 a convite do José Eduardo Moniz por causa das audiências. Acho que, no meio da minha irracionalidade, consegui ser racional. Conseguia ver os penáltis contra o Benfica. Alguns não conseguem.
É professor universitário. Gosta também muito dar aulas?
Gosto imenso de dar aulas. Tive alunos fantásticos. Milhares de alunos em Lisboa, no Porto, na Guiné Bissau. Acho que tive mais de 18 mil alunos. Alguns que são hoje ilustríssimas personalidades
Foi professor do Ricardo Araújo Pereira.
Foi meu aluno na Universidade Católica. Já na altura sentia que ele tinha uma capacidade invulgar. O Ricardo Araújo Pereira foi um dos meus alunos e acho que ele não ficará melindrado por eu contar que em viagens do Benfica nos encontrámos numa livraria de uma grande cidade europeia e cada um de nós gastou largas dezenas de euros em livros. Os dele eram de filosofia. Sempre foi uma pessoa com background cultural fora do comum.
Começou a vida política no CDS?
Fui secretário-geral do CDS com o professor Adriano Moreira.
O que o levou a abandonar o CDS?
Saí e fui para membro da Alta Autoridade para a Comunicação Social que deu um parecer para a atribuição dos canais privados de televisão. Tive o privilégio de ter como meus companheiros dois monstros da cultura portuguesa. A senhora dona Agustina Bessa Luís e o senhor António Quadros. Guardo para toda a vida os pequenos diálogos com a senhora dona Agustina. Eu contei-lhe uma pequena história da minha família e a Agustina Bessa Luís converteu essa história num dos romances mais lindos dela nos últimos tempos. Passa-se em Viseu e resultou daquelas conversas.
Tem prazer na vida. Não é uma pessoa que tenha angústias…
Tenho um prazer imenso, mas agora mais. Li agora a fantástica entrevista do António Lobo Antunes ao Expresso. Não me esqueço que o seu querido e saudoso irmão, professor João Lobo Antunes, um dia viu-me e disse: ‘Cuidado com esse sinal’. Tudo o que estou a sofrer resultou de um sinal.
Desvalorizou os avisos que lhe apareceram?
Houve uma desvalorização que não pode haver, mas por isso é que dou mais sentido à vida. Isto ajuda-nos a agarrar a vida. O resto relativizei. Vou-lhe fazer uma confissão, porque eu fugi da sala de recobro na primeira operação. Furei todas as regras hospitalares e vim ter, ainda meio adormecido, à Cave Real [um restaurante em frente ao escritório]. Entrei na Cave Real e disse ao senhor Alberto: ‘Uma sopa por favor’. A Cave Real é um bocado a minha cantina. Da segunda vez já fui um doente bem comportado. Cumpri todas as regras.
Teve medo de morrer?
Tive. Fez-me recordar outra situação. Tive o meu querido filho muito doente aos quatro anos e passei um tempo terrível no hospital da Estefânia. A dormir numa cadeira durante muitas noites. Só lá voltei na campanha eleitoral de 2013 para a Câmara de Lisboa e senti-me mal. Tive de sair imediatamente. Eram as mesmas escadas, os mesmos corredores…
Achou que ia conseguir…
Achei que ia conseguir e não consegui. Entrei, senti-me mal e saí. Ninguém percebeu o que se estava a passar. Rebobinei a memória e de repente lembrei-me que tinha andado ali com o meu filho numa cadeira de rodas. Não consegui.