Espanha. O estranho caso da esferográfica branca

Fernando Roig, presidente do Villareal, trouxe para a ordem do dia as ofertas dos clubes a árbitros depois da derrota frente ao Real Madrid. A imprensa lançou-se na peugada da história

Em Espanha andam às voltas com uma espécie de “Caso dos Vouchers”, essa tranquibérnia provocada pelo presidente do Sporting que denunciou o Benfica por oferta aos árbitros, em cada jogo, uma camisola de Eusébio, uma entrada no Museu Cosme Damião e uma refeição no restaurante A Catedral, no Estádio da Luz. Em Villareal, este fim de semana, depois do escaldante jogo Villareal-Real Madrid (2-3), que ficou marcado por um penálti polémico contra os da casa, que seria convertido em golo por Cristiano Ronaldo, o árbitro Gil Manzano e os seus auxiliares foram vistos a sair do Estádio de la Cerámica com umas bolsas oferecidas pelo clube madridista. A bernarda rebentou logo aí. O técnico do Villareal, Fran Escribá, que passou pelo Benfica no tempo de Quique Flores, levantou a voz indignado: “Ao menos não dês nas vistas”, terá dito.

Os árbitros não aceitaram as palavras do técnico com bonomia. Trocaram-se palavras duras, houve uma altercação, ouviram-se gritos. Ao chegarem à viatura que os devia de regresso a Don Benito, na Estremadura Espanhola, foram confrontados com um papel preso no para-brisas: “Ladrones!”

Ontem, o jornal “Marca”, o maior desportivo do país, dedicou-se a fazer uma listagem de todas as ofertas dos clubes espanhóis às equipas de arbitragem. O Real Madrid, por exemplo, tem por hábito entregar uma caixa com uma caneta, um porta-chaves, um pin e uma camisola. Já o Villareal mudou de política: antigamente oferecia um pin, uma bandeira e um caixote de laranjas. Agora não dá nada de nada.

A guerra

Foi, muito provavelmente, por se ter deixado de presentes aos árbitros que o presidente do Villareal, Fernando Roig, assumiu a posição duríssima que exibiu, acusando o colegiado de benefício ao Real e ligando esse benefício às ofertas. Em Madrid, a reação foi mansa: “É preciso saber ganhar e saber perder”. Já Roberto Palomar, um colunista do mesmo jornal “Marca” (que tem fortíssimas ligações ao clube de Santiago Bernabéu), lançou sobre Roig a matilha de cães de uma opinião feroz: “Fernando Roig aprovechó la autoridad moral que le da su posición de presidente impoluto del Villareal para soltar mierda sobre el colectivo arbitral. Lo hizo desde la perversión y la meledicencia, retorciando a conveniencia algo tan inocente como que Gil Manzano recibiera unas insignias e unos bolígrafos”. Aliás, a manchete é essa mesmo: “Ninguém se vende por uma esferográfica”.

Também os árbitros, através da sua comissão técnica, avançaram com uma queixa contra o presidente do Villareal. E isso parece ser, para ele, o lado para o qual dorme melhor. Continuará, segundo afirmações dos que lhe são próximos, a delatar situações idênticas de compromisso.

Estamos perante uma situação que se repete por todo o lado. São raros os clubes, de todos os campeonatos, que não entregam ofertas aos árbitros. Em Portugal, excetuando os casos sinistros dos apitos de ouro de Gondomar e das “deusas de café com leite” da Torre das Antas, as camisolas, os pins e bricabraque variado é a regra. Tal como uns acepipes no final dos encontros. A UEFA já estabeleceu um valor mínimo para que estas prebendas estejam dentro do que se considera “um gesto de cortesia”: 300 euros. Cada um que faça as contas. Mas era de voz corrente que o Bayern de Munique oferecia relógios, tal e qual como aconteceu durante uns anos com o Barcelona, utilizando para isso a sua parceria com a Nike.

Planeta Liga

É esta a expressão que está na moda em Espanha. E a acusação subsequente: “O Planeta Liga é uma mentira”. Críticas duríssimas têm caído sobre as arbitragens. No final do quentíssimo encontro do La Cerámica, Piqué, um dos capitães do Barcelona, veio a público falar de oito pontos que os árbitros teriam manipulado entre os dois candidatos ao título, com prejuízo para os catalães. Lá como cá, também se fazem contas. Mas veio do infatigável Roig a frase mais assassina que sublinhou a reviravolta do Real – recorde-se que esteve a perder por 0-2: “Así también remonto yo!” Já os adeptos do Submarino Amarelo preferiram cantar no final do encontro: “Así, así, así gaña el Madrid!”

O caldo parece estar entornado a 13 jornadas do final do campeonato. Sobretudo quando a equipa de Ronaldo parece passar por uma fase de fraqueza e já tem o Barcelona a um ponto e o Sevilha a três – embora com um jogo a menos, o que foi adiado devido ao mau tempo em Vigo, frente ao Celta. Há muito para jogar e ainda um Real-Barça no calendário. A guerrilha irá, sem dúvida, continuar. E o árbitro Gil Manzano foi, de imediato, lançado às feras: vai dirigir o Barcelona-Celta no próximo sábado, em Camp Nou. Calcula-se o ambiente que irá encontrar. À moda dos cristãos lançados aos leões para gáudio de quem queria pão e circo… É mais do que certo que os “culés” não lhe perdoarão qualquer gesto mal medido. Ainda por cima se for contra os seus interesses. Assim vai a arbitragem em Espanha.