França. Reviravolta no Fillongate

Suspeito de criar empregos fictícios para familiares, alocando centenas de milhares de euros dos contribuintes, François Fillon foi convocado para responder perante a justiça. Depois de ter prometido que se retiraria da corrida presidencial caso fosse acusado, o candidato conservador à presidência de França voltou atrás com a palavra, dizendo-se vítima de “assassinato político”. Os…

A vida não está fácil para François Fillon. O candidato do centro-direita às eleições presidenciais deste ano em França foi ontem convocado por juízes. Fillon fica assim colocado sob investigação formal.

O candidato do partido Os Republicanos é suspeito de criar empregos fictícios enquanto exercia cargos públicos de modo a beneficiar a sua família. Ao contrário do que havia prometido, vai manter-se na corrida, apesar de saber que será acusado. Declara-se inocente.

As novas circunstâncias de Fillon permitem antever que a segunda volta das presidenciais será disputada excecionalmente entre dois candidatos que não pertencem aos dois partidos do centrão gaulês: o Partido Socialista, de centro- -esquerda, e os Republicanos [antiga UMP], de centro-direita.

De acordo com as sondagens mais recentes, o Eliseu deve acabar disputado entre Emmanuel Macron, um independente centrista, e Marine Le Pen, a candidata da Frente Nacional, à direita.

Macron beneficia ou não?

Desde que rebentou o escândalo político-familiar dos Fillon que Macron, antigo ministro da Economia e adjunto de François Hollande, foi assumindo o segundo lugar nas sondagens para a primeira volta das presidenciais.

No entanto, após comentários sobre a colonização francesa em que comparava a guerra com a Argélia a um “crime contra a humanidade”, Macron oscilou nas intenções de voto e Fillon manteve um segundo lugar nalguns estudos lançados. Em primeiro, também na primeira volta, reina Marine Le Pen.

Voltar atrás

François Fillon havia afirmado que abandonaria a corrida presidencial caso a justiça francesa abrisse um inquérito formal, mas ontem, em conferência de imprensa após reunião com altos dirigentes do seu partido, o candidato considerou a investigação como um “assassínio político” que coloca a democracia em causa.

A decisão de não se retirar depois de se ter concretizado a acusação valeu-lhe a perda do seu porta-voz para as Relações Internacionais, Bruno Le Maire, que havia concorrido contra o próprio Fillon nas primárias para a nomeação republicana rumo às presidenciais.

Le Maire salientou o valor da palavra dada em política e vários deputados do partido de centro-direita aderiram à contestação. Fillon já não deveria ser o candidato, defendem.

As alegações contra Fillon passam pela criação de empregos públicos fictícios para a sua mulher e para os filhos, que terão beneficiado em centenas de milhares de euros.

Em reação à convocatória por parte dos juízes encarregados do processo, Fillon afirmou: “Não vou desistir, não me vou render, não me vou retirar [da corrida eleitoral].”

A persistência política de Fillon não é, todavia, acompanhada de um apoio popular correspondente. Aquele que era visto como favorito para substituir Hollande – o atual presidente tem a popularidade mais baixa da história da v República – conseguiu, em meses, passar de bestial a besta. Até para alguns dos seus correligionários.

Na sua opinião, François Fillon fez apenas o “que quase um terço dos membros do parlamento fazem”. “Empreguei familiares porque sabia que podia contar com a sua lealdade e competência. Eles ajudaram-me e eu vou prová-lo”, defendeu–se o candidato.

Fillon será interrogado pelos magistrados dia 15 deste mês. A investigação prosseguirá após a acusação formal e, depois, enfrentará julgamento ou verá as acusações retiradas.

O candidato conservador acredita que o primado da lei foi “sistematicamente violado” devido a fugas de informação para a imprensa, à quebra do segredo de justiça e ao timing da decisão dos juízes. Fillon foi convocado dois dias antes de terminar o prazo para a inscrição oficial como candidato presidencial.

O Ministério da Justiça reagiu às críticas do antigo primeiro-ministro, afirmando em comunicado: “A independência do sistema judicial é um princípio constitucional. Os juízes da investigação conduzirão os inquéritos com toda a independência e com respeito pelos partidos e pela presunção da inocência”.

Fillon não reagiu ao comunicado. Mas Hollande avisou-o de que, como candidato, “não tinha direito a lançar suspeitas ao trabalho da polícia e dos juízes”.

Alternativas que não o são

No entanto, Fillon parece ter o beneplácito dos barões republicanos para prosseguir na corrida. E não é por acaso. As alternativas possíveis não são propriamente órfãs de problemas com a justiça. Fillon saiu como vencedor surpresa das primárias promovendo-se com uma aura de político puritano. Os seus adversários mais diretos ao nível interno, por outro lado, já apresentavam um passado menos limpo: Alain Juppé foi condenado por um esquema em torno de assessorias e Sarkozy já esteve em tribunal acusado de financiamento ilícito de campanhas. O facto de Fillon não ser, nesse sentido, excecional, pode justificar a decisão de permanecer em campo.

A sombra de le pen

Marine Le Pen também tem a sua dose de problemas legais, mas, até à data, tal não implicou qualquer consequência nos seus índices de popularidade. Dia 23 de abril é quase dado como garantido que a candidata da Frente Nacional vencerá a primeira volta.

Historicamente, a FN tem-se visto em dificuldades para vencer na segunda volta das eleições presidenciais, visto a sua base de apoio estar circunscrita e um terço dos franceses. Esse cenário faz de Macron o favorito contemporâneo a ganhar o palácio do Eliseu. As águas do Sena já estiveram mais tranquilas.

“Isto é, de facto, um assassinato, mas não é só a mim que me estão a matar, é à eleição presidencial”