Há cerca de três mil agentes de todas as forças de segurança e militares da GNR reformados que vão recorrer aos tribunais contra o Estado, para que consigam reaver os cortes nas pensões que lhes foram aplicados pela Caixa Geral de Aposentações (CGA), no seu entender, indevidamente.
Para já, os agentes de segurança e militares vão interpor uma ação conjunta contra o Estado no Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa mas, ao SOL, admitem ir até às «últimas instâncias» e recorrer ao Tribunal Constitucional.
É que desde 2014 que a CGA tem vindo a calcular as reformas dos agentes da PSP, dos inspetores da Polícia Judiciária, dos guardas prisionais, dos militares da GNR e dos Serviços de Estrangeiros e Fronteiras (SEF), de acordo com as regras gerais aplicadas a todos os trabalhadores da Função Pública. Ou seja, não foram tidas em conta as regras específicas de aposentação de cada uma destas forças de segurança, que estão definidas e em vigor através dos seus estatutos profissionais.
Situação que o Governo corrigiu através de uma lei (o decreto-lei n.º 4/2017 publicado no início de Janeiro deste ano). Este diploma veio «clarificar e uniformizar» as regras de cálculo para os agentes de segurança e militares. Desta forma ficaram estabelecidas as regras de cálculo para a PJ, PSP, GNR, guardas prisionais e SEF, estando ainda previsto na lei que serão devolvidas as verbas retiradas indevidamente. A CGA tinha 90 dias (até ao final deste mês) para refazer os cálculos às pensões. A devolução das verbas seria feita em tranches anuais, a janeiro de cada ano.
No entanto, nem todos os agentes foram abrangidos pela retroatividade deste diploma.
PSP e guardas prisionais quer retroatividade a 2014
No caso da PSP e dos guardas prisionais, por exemplo, foram excluídos todos os agentes que se aposentaram antes de 1 de Dezembro de 2015, quando entrou em vigor a revisão do Estatuto da PSP.
Apenas os que se aposentaram entre dezembro de 2015 e janeiro de 2017 vão receber as verbas que foram cortadas. Uma realidade que os agentes de segurança não querem aceitar, reclamando que a retroatividade da lei se devia aplicar a 6 de Março de 2014, data em que entrou em vigor o primeiro Estatuto Profissional da PSP e dos guardas prisionais.
Em causa estão 500 agentes da PSP a que se somam 240 guardas prisionais que, desta forma, não vão receber a devolução das pensões por parte da CGA. A estes ainda se somam os inspetores da PJ, do SEF e outros dois mil militares da GNR que prometem avançar para os tribunais acusando o Estado de «incumprimento da legislação» e de «violação de direitos».
Questionado pelo SOL, o Ministério da Administração Interna, que tutela as forças de segurança, remete para o Ministério do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social (MTSSS), que tutela a CGA. Por sua vez, o gabinete do ministro Vieira da Silva confirmou ao SOL que a CGA está a rever os valores das aposentações depois de terem sido «levantadas questões por diversos sindicatos da PSP relativamente à aplicação do fator de sustentabilidade aquando da entrada em vigor do novo Estatuto, em 2015». No entanto, o MTSSS entende que apenas estão abrangidos pela retroatividade da lei os profissionais que se aposentaram «desde a aprovação do estatuto profissional do pessoal com funções policiais da Polícia de Segurança Pública que entrou em vigor dia 1 de dezembro de 2015».
Agentes descontentes com sindicatos
Para tentar estender a retroatividade da lei a Março de 2014, os agentes reformados da PSP estão a organizar-se entre si, através de reuniões pelo país e de comunicações através do Facebook para avançarem para os tribunais, socorrendo-se também do apoio de juristas. Esta semana os agentes reformados serão recebidos pelos partidos com assento parlamentar e, caso até dia 20 de Março, nada for alterado, darão entrada de uma ação conjunta no Tribunal Administrativo do Círculo de Lisboa.
Antes de tomarem esta iniciativa foram vários os agentes aposentados que alertaram o sindicato para a situação mas estes «não quiseram saber», conta ao SOL António Ramos, um dos organizadores da iniciativa autónoma dos sindicatos e membro da direção do Sindicato dos Profissionais de Polícia. António Ramos diz que «todos os dias» lhe chegam «vários casos» de agentes que se sentem «discriminados e injustiçados».
Contactado pelo SOL, o presidente da Associação Sindical dos Profissionais da Polícia (ASPP), Paulo Rodrigues, diz que o sindicato alertou a ministra da Administração Interna, Constança Urbano de Sousa, que «seria importante não deixar de fora da retroatividade aqueles que se aposentaram em 2014». Aviso que, segundo Paulo Rodrigues foi «desvalorizado» pela ministra. Por isso, também a ASPP garante que vai «recorrer junto de todas as entidades competentes» para tentar que a lei «seja retroativa a todos os elementos da PSP», corrigindo uma situação de «injustiça».
Também o presidente do Sindicato Nacional do Corpo da Guarda Prisional, Jorge Alves, avançou ao SOL que se vai «concertar com os sindicatos da PSP para avançar em conjunto para os tribunais».
No caso da GNR, o atual estatuto entrou em vigor em 2009, sendo já «centenas» os militares que avançaram para tribunal por erros da CGA nos cálculos das pensões mas são «cerca de dois mil» os militares «prejudicados», diz ao SOL o presidente da Associação dos Profissionais da Guarda, César Nogueira. No entanto, o Governo tem vindo a recorrer das decisões e os recálculos «têm sido adiados» pela CGA.
Cortes de 200 a 700 euros mensais
Para calcular o valor da reforma de cada um dos militares e agentes de segurança, a CGA usou como base 80% da remuneração bruta; teve em conta, até este ano, o fator de sustentabilidade (que implica um corte de 13,34%) e, em alguns casos, aplicou ainda a penalização da reforma antecipada por não ter sido atingida a idade legal na Função Pública (atualmente 66 anos e três meses).
Com todos estes critérios, que os agentes contestam, há polícias «com reformas de 900 euros quando deviam estar a receber 1.300 ou 1.400 euros», diz ao SOL António Ramos. «É um corte considerável para alguém que fez toda a sua carreira na polícia e que agora recebe pouco mais que o ordenado mínimo», alerta Paulo Rodrigues.
No caso dos guardas prisionais a pensão varia entre os 1.500 e 800 euros mensais e «o prejuízo para quem se aposentou antes da nova lei ronda os 150€ euros por mês» podendo subir aos 200 euros para quem se reformou antes dos 65 anos de idade, explicou Jorge Alves.
Já para os GNR o corte aplicado aos guardas é de cerca de 400 euros numa pensão de 1.500 euros. Para os coronéis, o corte rondou os 600 a 700 euros numa reforma de dois mil euros por mês.
Serão estas as verbas que agora serão devolvidas aos agentes e militares reformados mas, como o Estado só o garante para quem se reformou depois de dezembro de 2015, os lesados prometem não desistir.
Com a nova lei, a partir deste ano todas as forças de segurança e GNR passam a estar isentas do fator de sustentabilidade que continua a ser aplicado à função pública e o cálculo base regressa para os 90% da remuneração bruta. Para que se aposentem sem penalizações, no caso da GNR é exigido 55 anos e 36 anos de serviço. Os militares têm ainda um período de cinco anos de reserva durante o qual estão ao serviço.
No caso dos polícias e dos guardas prisionais podem passar à aposentação sem penalização os agentes que completem 60 anos de idade e 40 anos de serviço.