O cerco ao governador

O cerco ao governador Carlos Costa recomeçou, primeiro, com falinhas mansas, agora com ‘artilharia pesada’ para o dissuadir de continuar em funções. A renúncia seria uma bênção para António Costa, porque ficaria de mãos livres para remover  Mário Centeno das Finanças, concedendo-lhe, em troca,  o desejado  ajuste de contas.

Sejamos claros: a forma como foi lançada por Costa a história das offshores, um ano depois de o assunto ter sido tratado pelo Público, sem que houvesse o menor sobressalto, foi uma típica manobra de diversão. O crédito malparado da Caixa passou para segundo plano.

É dos livros. E a cartilha está a ser seguida à risca, com a cumplicidade de não poucos media.

O esquema era típico nos governos de Sócrates. Guardava-se no ‘congelador’ uma coleção de ‘histórias’ passíveis de aproveitamento mediático, para quando desse jeito. Depois, era só ativar o ‘radar’ dos media e esperar que o  isco funcionasse.

Graças à sucessão de ‘factos alternativos’, quem se lembra já que foi um Governo socialista que entregou o país falido em 2011? Varreram-se os incómodos para debaixo do tapete, e hoje fala-se como se nada tivesse acontecido.  

Um dos erros de Passos Coelho foi não ter denunciado, sem meias palavras, o descalabro das contas públicas, herdado da gestão de Sócrates. Se o tivesse feito, elucidando os portugueses sobre o sarilho em que estava metido, teria havido uma melhor perceção das restrições, ao saberem-se os cofres vazios da Fazenda.

Mas Passos Coelho preferiu não assustar o país, a braços com as incertezas do resgate, e entreteve-se a adoçar as arestas da crise, permitindo que lhe colassem a austeridade à pele, como se esta fosse culpa sua.

Ao contrário, António Costa, ex- ministro ao lado de Sócrates, absteve-se de qualquer crítica aos desvarios que colocaram Portugal à beira do colapso, apesar de comentador residente na Quadratura do Círculo.

O governador Carlos Costa foi tardio na resolução do BES? Com os dados de que dispunha poderia ter retirado a confiança mais cedo a Ricardo Salgado? Entrevistado, esta semana, pelo Publico, replicou em sua defesa: «Imaginem o que é tomar a iniciativa de criar uma perturbação numa instituição da dimensão de um banco como o BES, se não tivéssemos a certeza e a garantia que tínhamos o resultado pretendido».

Não foi por acaso que o ex-banqueiro se tornou conhecido por ‘ddt – dono disto tudo’, gozando de uma influência superlativa. Por isso, afastá-lo e fechar o BES seria sempre um ato de coragem, que exigia nervos de aço e cabeça fria.

Conviria, aliás, que António Costa refrescasse a memória antes de querer empurrar novamente o governador porta fora. Bastaria reler Vítor Constâncio no Parlamento, ao ser inquirido na respetiva comissão de inquérito, no âmbito do escândalo do BPN: «Nada me pesa na consciência em termos de ter cometido qualquer ato para ter contribuído para esta situação» (…) «Não colho a sugestão de me demitir».

O mesmo ‘afobado’ PS com o timing da resolução do BES, teve outra atitude ao lado de Vítor Constâncio, quando confrontado com o caso BPN.

Nas conclusões apresentadas pela relatora socialista Sofia Sanfona, «o BdP acompanhou e exerceu a supervisão sobre o BPN de forma estreita e contínua» e «o facto de o BPN ter chegado à situação de inviabilidade a que chegou não permite retirar a ilação de que o BdP terá, de forma direta e intencional, ignorado ou permitido essa situação». Ou seja, o problema foram as «práticas ilícitas» do BPN, «dolosamente escondidas». E no BES?

A absolvição expedita de Constâncio pelo PS contrasta com o «bullying democrático» – como lhe chamou Paulo Rangel –, exercido sobre o atual governador.

Mudam-se os tempos, mudam-se as vontades. E a coerência, como se tem visto, não é uma virtude de António Costa.

Oxalá Marcelo Rebelo de Sousa tenha conseguido pôr as coisas no seu lugar. Adiante se perceberá se vinga o cerco, patrocinado pelo PCP e o Bloco, dizendo alto o que o Governo trata em surdina. Ou se vinga o bom senso e a independência do banco central, perante este assédio descabelado.

Nota negativa: O cancelamento de uma conferência de Jaime Nogueira Pinto num auditório da Universidade Nova de Lisboa, sobre matéria tão pertinente como o populismo, é mais um testemunho eloquente de uma certa intolerância que grassa, até, na academia. Uma RGA à maneira antiga, dominada por radicais de esquerda, bloqueou o evento.

O argumentário da ata aprovada é indigente, marcado pelos chavões ideológicos do costume.

A realidade, porém, é que o diretor da Faculdade encolheu-se e o evento não se fez. É um grave precedente. Se em vez de Nogueira Pinto o episódio tivesse ocorrido com Francisco Louçã, o que se diria? Não faltaria algazarra. Assim…