O pendente confronto entre Kim e Trump

No primeiro encontro a dois, Obama disse a Trump que o regime norte-coreano é a ameaça mais urgente e perigosa da sua presidência. Por enquanto, a guerra é apenas informática.

O pendente confronto entre Kim e Trump

Não restam dúvidas. Os mísseis e ogivas norte-coreanos estão substancialmente mais modernos, melhor construídos, mais rápidos e perigosos do que no início do último ano, quando o jovem ditador Kim Jong-un se preparava para um período de incomparável intensidade de testes e provocações balísticas e nucleares. Esta semana foi prova disso.

O regime norte-coreano disparou na segunda-feira e em simultâneo quatro mísseis de alcance intermédio, que aterraram, como outros testes e provocações, a algumas centenas de milhas da costa japonesa. Pyongyang fê-lo para coincidir com os volumosos exercícios militares na península, como, aliás, acontece todos os anos e sempre que americanos e sul-coreanos põem milhares de soldados em práticas militares, preparando-se para o reacender de uma guerra em que nunca se chegou ao armistício.

Mas fê-lo também para demonstrar que agora consegue disparar em simultâneo vários mísseis com o alcance de centenas de quilómetros, algo fundamental para quem quer escapar aos sistemas de proteção japoneses e sul-coreanos e atingir bases americanas em ambos os países. Consegui-lo pode resultar na morte de milhares de pessoas e o regresso da guerra em grande escala à península coreana, onde agora existem armas nucleares. E cerca de 20 estão nas mãos de Kim Jong-un, que diz estar pronto para as utilizar.

Barack Obama assistiu na primeira linha à degradação das pontes diplomáticas com o regime e à rápida modernização do seu arsenal nuclear e tecnologia balística. Quando chegou à Casa Branca, o seu antecessor acabara de retirar Pyongyang da lista de Estados promotores de terrorismo, tentando apaziguar os líderes norte-coreanos que por aqueles dias tinham ainda canais de diálogo abertos, mas se inquietavam com a chegada de um novo primeiro-ministro a Seul que prometia uma linha mais severa com o vizinho no norte.

O incentivo não durou muito. Quatro meses depois de tomar posse, Obama viu ruírem as negociações a seis, no rescaldo de novos testes balísticos disfarçados de lançamento de satélites.

O desafio mais perigoso

Tudo se agravou com a morte de Kim Jong-il e a chegada do imprevisível Jim Jong-un, mais beligerante e imune às galopantes sanções económicas e condenações internacionais. A sua trajetória de confronto, aliás, culminou neste último ano, período em que o regime disparou 22 mísseis balísticos com mais ou menos sucesso e fez detonar dois engenhos nucleares, um deles, em setembro, com o dobro da potência da bomba americana que destruiu Hiroshima. No primeiro encontro com o seu sucessor, Barack Obama diz a Trump que a Coreia do Norte será o seu mais urgente, complexo e perigoso desafio.

O novo Governo americano começou esta semana a reavaliar a estratégia de contenção da ameaça norte-coreana. Sabe-se que o grande objetivo em_Pyongyang é chegar o mais rapidamente possível a um míssil intercontinental capaz de transportar uma ogiva nuclear e atingir o território norte-americano.

Esse é o sonho das últimas três gerações Kim, que há muito procuram transformar o país num Estado nuclear de pleno poder, garantindo enfim que não serão contagiados pelo crescimento sul-coreano, vendidos pelos aliados chineses ou invadidos pelos norte-americanos. Pyongyang viu o que aconteceu ao Iraque de Saddam Hussein e à Líbia de Muammar Khadafi e não deseja o mesmo destino.

Para Washington, porém, como para Tóquio e Seul, é inconcebível que o regime norte-coreano tenha a capacidade de disparar um míssil nuclear a milhares de quilómetros e Trump já desenhou aí a sua linha vermelha: “Isso não acontecerá”, escreveu no Twitter. Só não se sabe como o evitará.

Guerra informática

A chamada “paciência estratégica” de Obama não foi capaz de travar os programas nucleares e balístico da Coreia do Norte. Mas os Estados Unidos não passaram os últimos anos a apostar apenas em sanções económicas e censuras diplomáticas, revelou uma investigação publicada este mês pelo New York Times.

Em vez de desenvolver novos, mais cirúrgicos e dispendiosos sistemas antimíssil – que outros países na região abominam –, Washington construiu um software informático que no último ano atingiu vários mísseis norte-coreanos nas fases iniciais do lançamento, causando avarias e explosões em ogivas que, de outra forma, teriam funcionado corretamente.

A estratégia informática segue a mesma linha de ataque utilizado nos primeiros dias do programa nuclear iraniano, quando norte-americanos e israelitas avariaram centrifugadoras com um vírus informático. Mas mesmo esta estratégia tem limitações, como demonstram os avanços nos programas militares de Pyongyang. Trump e a sua equipa vão ter provavelmente de escolher um novo caminho. Mas, para lidar com a Coreia do Norte.

Pequim defende o regresso às mesas negociações multilaterais – “os dois lados são como duas locomotivas acelerando em direção uma da outra”, disse quarta-feira o ministro chinês dos Negócios Estrangeiros, Wang Yi –, mas essa opção significa permitir a Pyongyang manter as suas ogivas nucleares, o que não é bem visto em Washington.

As outras opções, porém, também não satisfazem. Barack_Obama considerou-as e Donald Trump tem agora de fazer o mesmo. Como elenca o New York Times: “Ele pode exigir ao Pentágono mais e novos esforços eletrónicos e informáticos, mas isso não lhe dá garantias. Pode entrar em negociações com o Norte de maneira a congelar os seus programas nucleares e balísticos, mas isso deixaria a ameaça no mesmo lugar. Pode preparar bombardeamentos cirúrgicos contra as plataformas de lançamento, mas há poucas chances de se atingirem todos os alvos. Pode pressionar os chineses de forma a cortarem no comércio e apoio, mas Pequim evitou sempre decisões que arrisquem o colapso do regime [o que causaria uma crise humanitária e militar na sua fronteira]”.