Uma semana depois de a polémica ter estoirado em Castanheira de Pera, a questão parece estar longe de estar resolvida. O maestro do coro da igreja continua a defender que foi afastado do cargo por ter assumido uma relação homossexual e o pároco encontra-se em parte incerta. O i conseguiu falar com o padre José Carvalho, que assume que se afastou da localidade por motivos estratégicos. Já a organização de gays católicos Rumos Novos admite que um afastamento de um paroquiano por ser homossexual não seria um caso inédito no país.
Tudo começou no início de 2016. Depois de ter publicado na internet fotografias suas com o seu namorado em Paris, a vida de João Maria Cláudio mudou radicalmente. O jovem maestro do coro alega que foi afastado da igreja depois de ter assumido a sua homossexualidade e defende que as acusações de que é alvo – roubo e desobediência – servem apenas para encobrir o verdadeiro motivo que o levou a ser proibido de ensaiar e cantar com o coro.
Há muito tempo que a população desta paróquia desconfiava que o maestro do coro da igreja era gay, mas não sabia que tinha um namorado há dois anos.
Assim que assumiu a sua orientação sexual, João diz que a atitude do padre mudou e o Conselho Económico começou a acusá-lo de ter ficado com dinheiro angariado para ajudar na compra de um órgão para a igreja, no ano de 2013. É também acusado de agredido o pároco durante uma discussão.
O grupo que João ensaiava, bem como outros habitantes de Castanheira de Pera, insurgiu-se contra a decisão da igreja. Desde então, o coro tem assistido a todas as missas, em silêncio, vestido de preto e com uma fita branca no braço ou ao peito. Em entrevista ao i, João garante que vai continuar a lutar e que será feita justiça: “as acusações são falsas, estou de consciência tranquila”.
Há várias semanas que a missa em Castanheira de Pera não é celebrada pelo padre José. Desde meados de fevereiro que o vigário de Coimbra, o padre Pedro Miranda, tem presidido às celebrações.
O i conseguiu falar com o padre José, que não quis revelar onde se encontra. “Está tudo bem comigo, estou de muito boa saúde. Só estou fora por uma questão estratégica”, disse o pároco. “Não sei quando vou regressar, mas quando houver paz e sossego voltarei”, garantiu.
João diz que não tem nada contra o padre e que o intuito destes protestos não é atacá-lo: “acho que ele está sob uma pressão eclesiástica brutal. Se ceder, a Igreja perde toda a credibilidade (…). Ninguém está contra ele. As ovelhas estão tresmalhadas. Sem padre, as coisas serão cada vez piores”.
O pároco é o “maestro”
A Diocese de Coimbra confirmou, através de um comunicado, que em janeiro deste ano deu entrada uma queixa assinada pelo padre José e pelo Conselho Económico da paróquia de Castanheira de Pera. Dava conta “do comportamento persistente de desobediência, rebeldia e falta de respeito por parte do João Cláudio, diretor do Coro da missa de domingo, para com o pároco”.
No mesmo documento, a diocese defende que a decisão do pároco de afastar João é “perfeitamente legítima”. “A harmonia não é feita de uma só cor ou de uma só voz, mas de várias, diferentes e até contrastantes. Compete, no entanto, à autoridade, não a cada um ou cada grupo, ordenar e garantir essa harmonia para a beleza da Igreja. O pároco é o ‘maestro’ da paróquia e não pode ser simplesmente ignorado ou dispensado por nenhum colaborador mais próximo ou grupo”, refere o comunicado, onde nunca é feita uma referência à orientação sexual de João.
Este não é um caso inédito
A organização de católicos gays Rumos Novos defende que casos como este em nada dignificam a comunidade católica e sustenta que atitudes como a desta paróquia continuam enraizadas em muitos setores da Igreja. “Provocam um elevado sofrimento a quem delas é objeto e, como referimos, são a própria negação de tudo o que a Igreja deveria representar e uma clara contradição com o que o Papa Francisco sempre tem afirmado”, disse ao i José Leote, coordenador nacional desta organização.
No caso de Castanheira de Pera, “a Igreja que deveria ser espaço de acolhimento, não o foi; a Igreja que deveria ser espaço de misericórdia, não o foi; a Igreja que deveria ser espaço de perdão, não o foi. Por isso, qualquer que tenha sido a circunstância subjacente ao que se passou em Castanheira de Pera, falhou em toda a linha o perdão e o amor que nos é proposto a todos e todas”, continua Leote, que garante esta não é a primeira vez que uma paróquia usa “uma razão falsa para mascarar” o afastamento de paroquianos por questões relacionadas com a homossexualidade.
“Este tipo de atitudes encontra-se muitas vezes mais relacionado com as ‘sensibilidades’ pessoais de cada sacerdote e com a própria paróquia do que com o que determina a doutrina neste domínio”, sublinha o mesmo responsável.
De acordo com informação fornecida pelo coordenador da Rumos Novos, o padre José nasceu em 1939, mas foi ordenado apenas em 2010. A organização considera que este facto não justifica as atitudes tomadas, mas pode torná-lo mais “permeável” a pressões internas e provenientes de outros fiéis. José Leote diz ainda que costumam ser “os padres mais jovens” a demonstrar menos sensibilidade para as questões das pessoas de orientação homossexual.
A Associação ILGA Portugal – Intervenção Lésbica, Gay, Bissexual e Transgénero também está a acompanhar o caso e recebeu pedidos de ajuda através das redes sociais, telefonemas e e-mail. Fonte da associação confirmou que foram mantidos contactos por forma a tentar ajudar a resolver esta situação.