Dúvidas sobre culpabilidade na morte de civis ensombra reconquista de Mossul

EUA reconheceram que a coligação internacional bombardeou local onde se diz terem morrido 200 civis, mas aliados iraquianos negam

7 de março de 2017. Mais um longo dia de intensos combates em Mossul, entre os combatentes do grupo Estado Islâmico e as forças do exército iraquiano, apoiadas pela coligação internacional, sob liderança norte-americana. À semelhança de tantos outros dias escuros dos últimos seis meses, chovem bombas na segunda maior cidade do Iraque. Uma delas atinge um edifício no bairro de Jadida, localizado na zona ocidental de Mossul, um dos últimos territórios que ainda está sob o controlo dos jihadistas, na cidade que, em 2014, viu o seu líder Abu Bakr al-Baghdadi anunciar ao mundo o renascimento do califado. Nos escombros do edifício colapsado são encontrados cadáveres de civis. Testemunhos de residentes e descrições de organizações humanitárias no local trazem para a luz do dia o crime atroz e apontam o dedo ao exército da reconquista. No passado sábado, os EUA assumem que um dos ataques da coligação que lideram pode ter atingido civis e decidem abrir uma investigação.

“Uma avaliação inicial das informações que temos dos bombardeamentos (…) indica que a coligação atingiu combatentes e equipamento [do Daesh], no dia 17 de março, em Mossul ocidental, na localização correspondente àquela referida nas alegações sobre mortes de civis”, pode ler-se no comunicado do Comando Central dos Estados Unidos (Centcom), que esclarece, no entanto, que o ataque ao local em questão foi levado a cabo “a pedido das forças de segurança iraquianas”. 

O número de mortos diverge –, 61, mais de 150, ou 200 –, mas no ar volta a pairar o fantasma da invasão anglo-americana ao Iraque, de 2003. Confirmando-se a culpabilidade do ataque em Jadida ou qualquer um dos números que estão a ser apontados, trata-se do bombardeamento mais mortífero contra civis, desde que norte-americanos e britânicos lideraram a batalha pela deposição de Saddam Hussein. Por outro lado, essa confirmação colocaria o Ocidente numa posição de enorme fragilidade, tendo em conta a campanha coordenada por diversos líderes políticos e diplomatas ocidentais, de denúncia às atrocidades cometidas pela aviação russa contra civis, em Alepo, na Síria, em conjunto com as forças do regime de Bashar al-Assad. 

A verdade é que o comunicado do Centcom acabou por criar uma grande confusão junto das forças invasoras. Num primeiro momento, o exército iraquiano anunciou a suspensão dos ataques contra o Estado Islâmico. “O aumento recente do número de civis mortos dentro da Cidade Velha obriga-nos a suspender as operações e a revermos os nossos plano”, explicou um porta-voz iraquiano, citado pela Al-Jazeera, no sábado. Mas hoje, após uma investigação no edifício em questão, os iraquainos revelaram “não ter encontrado quaisquer sinais” de que a casa foi destruída devido a um ataque aéreo e sugeriram ter havido mão do Daesh. “Foi encontrado um veículo armadilhado detonado, próximo da casa”, informou o exército. E as bombas voltaram a abanar Mossul, conforme confirmou um correspondente da BBC no terreno. “Esqueçam os relatos que dizem que as tropas do Iraque suspenderam a ofensiva”, escreveu Jeremy Bowen no Twitter.

Milhares encurralados 

A grande batalha pela reconquista de Mossul teve início em outubro do ano passado e, nas fileiras invasoras, contavam-se, para além do exército iraquiano e da coligação internacional, combatentes peshmerga curdos, milícias xiitas e tribos árabes sunitas. O desaceleramento dos avanços, no final de 2016, foi compensado com uma renovada investida militar, em fevereiro deste ano, que resultou na conquista da totalidade dos bairros situados na margem oriental do rio Tigre e no avanço pela região ocidental de Mossul. 

Mais de 200 mil pessoas já abandonaram a cidade, desde que começaram os confrontos com o Estado Islâmico, mas, de acordo com os números avançados pelas Nações Unidas, calcula-se que nos bairros ocidentais de Mossul estarão mais de 400 mil pessoas “encurraladas”.

No início do mês, o general Yahya Rasool, líder de uma unidade especial da polícia iraquiana, já tinha demonstrado a sua preocupação para com a situação extrema vivida pelos civis que ainda estão em Mossul, particularmente devido à estratégia de combate do Daesh. “Estamos a lutar contra um inimigo irregular, que se esconde no meio dos civis e utiliza-os como táticas de combate, armadilhas, explosões e bombistas suicidas”, explicava à Al-Jazeera. É precisamente esta a explicação que o exército iraquiano encontra para o incidente de Jadidda. Aguardam-se, então, os resultados da investigação norte-americana.