A maioria dos militantes do PSD poderia elogiar a adoção de eleições primárias no partido sem causar grande alarido.
Para a maioria da militância social-democrata, uma comparação com as primárias do PS que destronaram António José Seguro poderia até parecer mais exemplificativa que provocatória.
Mas Miguel Relvas não é um militante como a maioria dos militantes do PSD. E ir defender ao Brasil que o seu partido ganharia em realizar eleições primárias, louvando o PS que desse modo mudou de líder, fez sorrir alguns barões e incomodou outros tantos.
A perseverança com que a sombra de Relvas ainda paira sobre o PSD motiva desconfortos; uns por inveja, outros por receio.
É que ainda paira uma dúvida nas corredores do partido.
Foi separação ou divórcio? Sobre a relação entre Pedro Passos Coelho e Miguel Relvas, essa é a questão que assola a maioria das mentes sociais-democratas.
É que se a separação é tacitamente assumida, o divórcio, desde que Relvas se demitiu do Governo PSD/CDS em 2013, nunca foi confirmado por nenhuma das partes.
Se é público que o antigo ministro Adjunto e dos Assuntos Parlamentares é um adepto das qualidades de Luís Montenegro, o líder parlamentar dos sociais-democratas que já foi até elogiado por Marcelo Rebelo de Sousa, a influência de Relvas no aparelho não termina no líder da bancada laranja.
Relvas já apresentou Montenegro como «o futuro líder do PPD», a dirigentes do partido e outras personalidades do seu círculo profissional.
Atrás dos holofotes, todavia, o homem que foi número dois durante toda a ascensão política de Passos Coelho mantém uma densa rede de contactos pela estrutura do PSD.
É próximo, por exemplo, de Pedro Duarte, o antigo líder da JSD que dirigiu a campanha de Marcelo para Belém e que mantém críticas cerradas à direção passista. Com Mauro Xavier, o presidente da concelhia do PSD/Lisboa que também tem entrado em confronto com a sede nacional, a relação é ainda mais antiga, apesar de Xavier ultimamente vir ganhando proximidade a Rui Rio.
Autárquicas: dor de cabeça ou oportunidade?
Do Brasil, Relvas vê o partido apreensivo com o dossiê das autárquicas, em particular com a questão lisboeta. A nomeação de Teresa Leal Coelho como candidata à Câmara Municipal de Lisboa tratou-se de uma escolha pessoal de Passos, logo, com tendência a responsabilizá-lo em caso de derrota. Se a vitória de Fernando Medina era previsível, com um centro-direita divido tornou-se mais provável.
No PSD teme-se que Leal Coelho não consiga ficar à frente de Assunção Cristas e se veja ainda em dificuldades perante o potencial das candidaturas à esquerda do PS; João Ferreira, do PCP, e Ricardo Robles, do BE. «Não podemos ter uma Maria de Belém do PSD», ironiza uma deputada social-democrata, ao SOL.
Em caso de desaire eleitoral nas autárquicas, Passos deverá antecipar o congresso – agora a cerca de um ano de distância estatutária – de modo a reforçar a sua liderança.
A interrogação sobre quem surgirá contra Passos vai aumentando. E isso não desagrada a Miguel Relvas. Nem a Rio.
Ganhar não chega
Convidado pelo Tribunal Superior Eleitoral para um seminário internacional sobre sistemas eleitorais, Relvas falou no início da semana para uma audiência de deputados, senadores e analistas de todo o mundo. O português não deixou de levar consigo uma citação do reputado cientista político lusitano, Pedro Magalhães, nem teve papas na língua no que toca a temáticas e exemplos por si escolhidos.
Além do já referido apelo à realização de primárias no PSD, Relvas não se coibiu de opiniões que facilmente se associam à circunstância contemporânea dos sociais-democratas portugueses.
Afirmou: «É esta a minha reflexão: não basta vencer aritmeticamente eleições, é preciso também saber construir consensos de governo depois das eleições. É uma exigência do aperfeiçoamento do próprio sistema democrático».
E se há coisa que o centro-direita não tem conseguido apresentar na Assembleia da República são os tais «consensos».
Em entrevista à Globo, ainda em solo brasileiro, Relvas prosseguiu com à vontade no discurso.
«No sistema atual os partidos não são um espaço depurador, mas no sistema de lista fechada, como tem existido em países da Europa, quando há casos de corrupção são os próprios partidos que tomam a decisão de afastar», esclareceu, concretizando de seguida com o caso nacional.
«Em Portugal, sai uma situação sobre um dirigente de um partido e na pesquisa seguinte o partido caiu. Não foi a pessoa que caiu, foi o partido porque é o partido que precisa dos votos», rematou.
Relvas demitiu-se em 2013 por ausência de «condições anímicas» para continuar em funções, face à polémica com que obteve uma licenciatura. Hoje, o antigo secretário-geral e porta-voz do PPD/PSD encontra-se totalmente dedicado aos negócios pessoais. Esteve com Passos Coelho desde os tempos da ‘Jota’.