Alto e fala o árbitro! «Eusébio não aceitou uma decisão minha. Coloquei a bola no sítio da falta e avisei-o de que não lhe mexesse, mas ele procedeu exatamente ao contrário. Não tinha outro caminho se não expulsá-lo do terreno, a fim de manter a necessária autoridade». Estavam decorridos 38 minutos de de um jogo irrepetível.
Porfírio da Silva, era o nome do juiz. Natural de Aveiro. Ficou para a história do futebol português: expulsou Eusébio. Num FC Porto-Benfica. Dia 4 de Outubro de 1964. Nas Antas, dezasseis-avos de final da Taça de Portugal. Resultado 1-1.
Porfírio da Silva morreu entretanto. Só por causa disso, teve as suas palavras a abrir este artigo. A defesa de um acusado? Como, se ele, nessa tarde, era a lei?
Falei várias vezes com Eusébio sobre essa expulsão. Atenção! Não viu nenhum cartão vermelho. Não os havia. A prática dos cartões só começou a funcionar em 1970, no Campeonato do Mundo do México onde Pelé, Jairzinho, Carlos Alberto, Clodoaldo, Gerson, Rivelino e Tostão infernizaram positivamente a vida a todos os que se cruzaram na sua frente.
Eusébio era um jogador corretíssimo, de um fair play inexcedível. Há por aí centenas de imagens que o registam. Cumprimentando guarda-redes adversários por defesas fantásticas, como aconteceu em Wembley, com Stephney, do Manchester United, na final da Taça dos Campeões em que foi caçado a patadas como uma ratazana por um tipo mal encarado e sem dentes chamado Nobby Stiles. Ou acarinhando Banks e Yashin depois de lhes ter marcado, de penalti, durante o Mundial de 1966. Podia ficar aqui a desfiar episódios. Mas não vem ao caso.
Eusébio tinha sido expulso um ano antes. O jogo contava para a Taça Ribeiro dos Reis, uma competição de reservas. Foi frente ao Barreirense, no dia 30 de Junho de 1963. O Benfica sofreu uma derrota pesada. Pesadíssima, mesmo: 1-5! Nessa altura, com a época no fim, as equipas de reservas surgiam reforçadas na vontade de ganhar a prova que chegou a ter um indesmentível prestígio.
Primeira expulsão de Eusébio da Silva Ferreira, portanto.
Era tempo de o rapazinho da Mafalala perder a inocência…
Nas Antas…
Acertemos os ponteiros do relógio com a subida e descida dos alcatruzes da nora da vida. Estádio das Antas, 4 de Outubro de 1964.
Eusébio explicou, por mais de uma vez, o que aconteceu. A sua versão dos acontecimentos: «Foi uma expulsão tão injusta que nem fui castigado. O árbitro era o Porfírio da Silva. O jogo estava empatado (1-1), com um golo meu de livre aos 6 minutos e outro do Carlos Baptista, aos 26. Fui ajeitar a bola para apontar outro livre, no mesmo local do primeiro, quando o árbitro me diz para não mexer na bola. Mas eu precisava de a ajeitar. E ele então expulsou-me. Foi de tal forma injusto que o público começou a aplaudir-me e o treinador do FC Porto, que era o Otto Glória, me veio abraçar».
Estavam decorridos 38 minutos. O encontro terminaria 1-1. Na primeira mão (a Taça de Portugal jogava-se então a duas mãos), na Luz, o Benfica tinha vencido por 4-1 com 2 golos de Eusébio.
Expulso do jogo, mas continuava na taça.
Passados uns anos, muitos anos mesmo, na casa do Ti Emílio, ali ao Rego, lugar onde todos nos sentimos bem, a Tia Matilde, fiquei a falar com Eusébio longamente sobre esse episódio. Fazia parte de um estudo. De um trabalho. Para a publicação de A Viagem em Redor do Planeta Eusébio. Ele lamentava: «Foi de uma injustiça tremenda! O árbitro julgou que eu estava a perder tempo. Nem me passou tal coisa pela cabeça. Mas eu tinha aquele hábito de pôr a bola a meu jeito. De a arrumar para o pontapé. Fazia sempre isso nos livres e nos penaltis. Ainda hoje não entendo o que é que o gesto teve de grave para valer uma expulsão. Eu que nunca tive problemas com árbitros. Que sempre tive por eles todo o respeito e não discutia as suas decisões. Muito, muito injusto. O público do Porto reconheceu isso. Quando saí do campo levantou-se todo e aplaudiu-me de pé. Foi a maior demonstração que podia ter de que nada do que fiz mereceu aquele excesso do árbitro».
Uma mágoa que vinha de longe…
Sinónimo de golos!
Na primeira mão, no Estádio da Luz, o Benfica vencera fácil: 4-1. Golos de José Augusto, Torres e Eusébio, claro! Dois no caso deste. Contra um de Valdir. Os encarnados chegariam à final do Jamor mas perdê-la-iam surpreendentemente perante o Vitória de Setúbal (1-3).
Mas falamos do Benfica e do FC Porto. E, nessa matéria, Eusébio era, também, tremendo! Durante a sua carreira, defrontou o FC Porto por 36 vezes. Marcou 25 golos. Só a Américo foram 17. Américo O Keeper Suicida! Eusébio ajudava a suicidá-lo. Desses 36 jogos, 35 foram oficiais: nove derrotas, 11 empates, 15 vitórias. No amaldiçoado jogo das Antas de 1964, foi Eusébio que marcou o golo do um-a-um. Melhor dizendo, marcou o zero-a-um. Logo aos 6 minutos. Depois foi a vez do portista Carlos Baptista.
O primeiro golo de Eusébio ao FC Porto foi em Abril de 1962, para a Taça de Portugal, numa vitória por 3-1, na Luz. Nesse ano, em Novembro, repetiria o feito, desta vez para o campeonato (1-2, em casa). Depois foi por aí fora, ano após ano.
Até que veio, outra vez, um jogo único. Em Paris. Eusébio dizia: «Sempre fui feliz em Paris!» Dia 31 de Março de 1975. O último golo de Eusébio com a camisola do Benfica vestida. Um livre direto, do lado direito do ataque dos encarnados. Ajeitou a bola desta vez sem Porfírio nem expulsão. Correu para ela como se lhe fosse aplicar um pontapé poderoso e violento. De repente, mudou de ideias. Preferiu a habilidade. Tibi ficou a ver o golo, bonito, irretocável, à maneira das folhas secas do brasileiro Didi.
Vitória gorda num jogo amigável, como costumavam chamar-se. 5-1. Golos de Humberto Coelho (2), Artur Jorge, Toni e Eusébio. Contra um de Fernando Gomes.
Adversário: o FC Porto.
Contra o FC Porto, Eusébio continuou a marcar golos até ao fim. Até à eternidade!