Mesmo antes de dar qualquer pontapé na bola, já tinha o peso do apelido sobre os ombros: o pai, José Águas, foi um dos grandes nomes da história do futebol português e uma lenda do Benfica. Rui pisou outros trilhos, mas acabaria por ser igualmente ídolo de águia ao peito… até ao dia em que resolveu mudar-se para o FC Porto.
Primeiro que tudo, a atualidade: acredita que o clássico deste sábado pode ser decisivo na atribuição do título?
Decisivo não creio. Mas claro que pode ser um indicativo importante, se algum dos dois vencer. O empate favorece o visitante, sendo que há um Sporting-Benfica, não menosprezando a dificuldade dos outros jogos. Este jogo não só em termos de pontos, como de dinâmica, de confiança, de seguimento… não são só os pontos, é pelo que o resultado pode significar em termos de continuidade.
Há poucos dias, José Augusto dizia que nestas circunstâncias, para o Sporting ganhar ao Benfica saberá tão bem como ser campeão…
É normal, são equipas rivais desde sempre. A equipa do Sporting não podendo alcançar qualquer título, acaba por ser um mini-título complicar a vida ao seu rival de Lisboa.
Tem desempenhado a função de comentador. Sente-se bem nesse papel?
Isto é a minha vida, acho que tenho a capacidade de dizer as coisas que realmente acho de uma maneira não ofensiva. Acho que é importante e muitas vezes não acontece. Podemos passar uma mensagem sem ser inflamada, agressiva, guerreira.
Sente que é essa a tendência a ser valorizada atualmente?
Há muita falta de educação e de coerência, mas acredito que existe o objetivo de tirar partido. Tem audiência e por isso é promovido, por muito desagradável que possa ser. Mais ainda quando as pessoas que falam não têm nada a ver com o fenómeno de que falam. Quando são jogadores, treinadores, são pessoas do terreno, que têm uma visão daquilo que fazem ou fizeram, as coisas resultam melhor. O resto é o fanatismo transportado para as televisões pelos adeptos de bancada. Há um bocadinho falta de vergonha também, as pessoas têm o desplante de falar de coisas que não conhecem. Ao mesmo tempo percebe-se, estão a ser pagas para isso.
Já disse noutras ocasiões que se considera uma pessoa tímida. Como conjuga essa característica com as funções de treinador/comentador?
Como atleta sempre procurei passar despercebido, ainda hoje como pessoa procuro. Se puder ficar no meu canto sem que ninguém me veja, prefiro. Como comentador, nunca me afetou a questão de falar, até porque já cheguei a dar cursos, palestras, eventos públicos e tenho sempre muita responsabilidade. Tenho o cuidado de refletir, mas não me inibo. Enquanto atleta, era tímido cá fora, mas lá dentro era um atleta de competição, completamente diferente, de combate, de confronto. Transfigurava-me.
E enquanto treinador, como é o Rui?
Um treinador tem de ser verdadeiro. Enquanto atleta, percebi o que gostava e não gostava nos meus comandantes. Procuro ser claro, objetivo, sincero e justo. Quando se é assim, está meio caminho andado. Para ter sucesso, não temos de ser como a maioria dos treinadores eram antigamente: militar, ditador. O sucesso está na proximidade com os atletas e ao mesmo tempo na organização, na disciplina e no rigor. São coisas que não são incompatíveis. O meu retrato como treinador é o tratamento personalizado, falar com o jogador, perceber, conhecer o máximo deles. E ao mesmo tempo dar um corpo coletivo nesse trabalho, desenvolvê-lo dentro de uma organização que é necessária em todas as empresas.
Tem exemplos de treinadores ‘militares’ na sua carreira?
O [John] Mortimore foi o treinador mais militar que eu tive, e ao mesmo tempo é das pessoas de quem mais recordo dizeres, passados estes anos todos. Era um tipo mais austero, à moda antiga, mas ao mesmo tempo conseguia fazer um efeito que ainda hoje perduram algumas coisas. Em termos técnicos, já noutro patamar, o professor Jesualdo Ferreira foi daqueles que me conseguia explicar: ‘Vamos fazer isto por causa disto’. Dificilmente encontro mais alguém tão marcante na minha carreira. Depois trabalhei com ele como assistente durante três anos, conheço o trabalho dele quer enquanto atleta, quer enquanto colega. Trabalhou muito, refletiu muito, fez muito projeto, tem bases muito sólidas, uma experiência muito grande. Ultrapassou aquele estigma do professor de faculdade, que chega sem experiência de jogador e só com muito trabalho conseguiu a carreira que fez, e ainda hoje treina. Treinou Benfica, Sporting e FC Porto, qualquer treinador gostaria de alcançar isso. Ter conseguido o que ele conseguiu, só com competência, muito trabalho e muito mérito.
A referência habitual de um treinador do Benfica desses tempos é sempre o Eriksson…
Eriksson era uma referência mais global, mas não posso dizer que me tenha marcado muito pessoalmente. Era bom, mas não era ‘Ah, o Eriksson era bestial!’. Não posso dizer isso. Na relação que mantinha com as pessoas sim. Trato coloquial, calmo, quer com os atletas quer com a imprensa, o que na altura também fez diferença. Mas não foi o que me ensinou mais. Mas há treinadores que beneficiam de circunstâncias, de momentos. O jogador só conta consigo, com as suas pernas, com o seu talento. Dificilmente vemos um jogador bom fora de atividade, desempregado. Treinadores podemos ver e muitos! Porque a circunstância é assim, porque o agente não é aquele tal, porque em determinada altura falhou mas nem sequer a culpa foi dele: há jogadores, há direção, há uma série de fatores. Se formos pelos títulos… é uma forma de avaliar, mas é redutora. Não nos podemos desligar de uma série de questões que estão associadas. Por exemplo: em Portugal, porque é que são sempre os mesmos? Há muitos que se calhar estão fora e são melhores! Mas as coisas estão tão confinadas ao agente que tem relações com determinado clube, que tiram vantagens e mantêm aqueles nomes. Porque se continua a permitir que um treinador treine várias equipas na mesma época?
Em Espanha, por exemplo, isso não é permitido.
Agora há pouco tempo, tivemos na I Liga um treinador que nunca treinou na vida e aparece no Estoril como treinador principal [Pedro Gómez Carmona]. Não é pela nacionalidade, isso não importa aqui. Mas porquê, com que credibilidade, com que experiência? Porquê? Tive exemplos de países supostamente subdesenvolvidos em que há um critério! Um deles era cento e não sei quantos no ranking, mas mesmo assim os nomes dos treinadores que os clubes queriam tinham de ir à federação local para ver se havia requisitos suficientes. No outro, que era 90 e não sei quantos no ranking, foram escolhidos 60 e tal nomes, fiquei nos 8 finais; entrevistaram as pessoas por Skype, fiquei nos 3 finais, desloquei-me ao país em causa, fui entrevistado em pessoa e depois não resultou porque não queriam que levasse assistente. Mas há um critério, há um cuidado, há uma avaliação, coisa que aqui não parece que haja.
Qual o seu futuro próximo? Já está há algum tempo desempregado…
Estou há um ano e quatro meses sem contrato. Neste momento, está prestes a surgir um clube. Será fora, porque aqui não há mercado para certas pessoas. Vou para fora novamente, África novamente, acaba por ser o meu mercado agora.
Um grande ou a Seleção ainda estão nos seus planos?
Seleção claro que sim, mas há colegas meus mais antigos que não conseguiram e justificavam. Nem toda a gente tem perfil para ser selecionador de Portugal, mas eu acho que podia sê-lo. Em termos de clubes, estou evidentemente muito condicionado nesse aspeto. Em função da minha conotação com o Benfica, estou limitado ao Benfica. E isso não é um problema… se eu não tivesse jogado num rival. Isso sim é um problema.
Afinal, porque trocou o Benfica pelo FC Porto?
Foram motivações económicas, de alguém que tem 28 anos, que enquanto atleta profissional tem de ganhar dinheiro, porque as coisas [carreira] não estavam tão distantes do fim quanto isso, e de alguém que prefere ficar em Portugal mesmo num clube rival a ir para fora. As hipóteses de ir para o estrangeiro na altura eram semelhantes em termos económicos. Então, bem ou mal, escolhi ficar em Portugal e levar com este fardo durante toda a minha vida, que ainda hoje levo. Na altura, achei que era o mais correto a fazer.
Chegou a dizer-se que o Rui, na altura já um símbolo do Benfica, ganhava tanto como alguns juniores…
Eu próprio o disse porque tinha esta referência: havia um júnior do Sporting, que era um super-júnior, chamado Luís Figo, que ganhava mais do que eu na minha melhor altura do Benfica. Para o que eu representava, para a idade que tinha era muito baixo. Fui ganhar 11 vezes mais para o FC Porto.
Falou com o seu pai sobre a mudança?
Sim. Mais no sentido de dizer que ia e explicar porquê. Mas depois também o que fiz para voltar ao Benfica teve a ver com o que eu sabia que ia representar para o meu pai. Havendo a possibilidade de voltar, fi-lo tendo o meu pai como referência.
E como se deu então essa possibilidade de voltar?
Um amigo lançou a possibilidade a um dos dirigentes do Benfica. Havia no meu contrato uma cláusula que permitia ao fim de dois anos a saída mediante um pagamento não muito importante, e a partir daí a coisa desenvolveu-se. O FC Porto no segundo ano tinha um atraso de pagamento enorme, financeiramente a situação era difícil. Acabou por tirar o rendimento de um atleta dois anos, não pagou o que devia na totalidade e foi um bom negócio.
Mas a experiência no FC Porto correu bem?
Foi diferente, difícil, especialmente no início, mas boa, as pessoas trataram-me muito bem. Fortaleceu-me enquanto atleta e enquanto pessoa. Mas teve os seus custos, que continuam: hoje, passados quase 30 anos, as coisas continuam a vir periodicamente à baila, as críticas.
Ainda lhe chamam traidor?
Nas redes sociais é normal, as pessoas aproveitam o meio ao dispor para desabafar. Pessoalmente só quando estive no Benfica e as coisas corriam mal, de vez em quando voltava a história do traidor. Agora normalmente, as pessoas veem-me e falam cordialmente, mas não deixam de ‘Ah, aquela vez que foi para o Porto…’.
Disse que inicialmente foi complicado no FC Porto. Porquê?
Havia o estigma por ser ex-Benfica. Era um grupo muito fechado, atletas com história, com títulos. Vindo alguém exterior, e ainda por cima do rival, não era uma integração fácil. E há coisas que se sentem mesmo dentro do campo. Havia um ou outro que não gostava especialmente de me passar a bola – nem em treinos! E eram pessoas que eu já conhecia, éramos colegas de seleção. Mas nessa altura, a seleção não era como agora, um bloco, um espírito de união: eram dois clubes rivais que transportavam essa rivalidade para a seleção.
E como conseguiu superar essa desconfiança?
Com o tempo, com esforço, com simplicidade, com o convívio, foi-se atenuando. Além disso, de um ano para o outro as coisas também mudaram bastante em termos de plantel. Depois as coisas passam, esquecem-se. Com o passar dos anos voltei a falar com pessoas que achava que nunca voltaria! Mas eu tento desvalorizar e não ficar agarrado ao passado nem às coisas negativas.
E o primeiro jogo na Luz com a camisola do FC Porto?
Foi muito complicado. Enquanto jogador senti sempre muito o apoio e o carinho dos adeptos, e o inverso como inibidor. Joguei mal, fui assobiado o jogo todo, o meu rendimento foi fraco. Não era uma pessoa que lidasse bem com apupos. Quando deixei de sentir que as pessoas gostavam de me ver, que eu jogasse, quando senti a falta de apoio, o meu rendimento caiu claramente. Tenho uma noção muito precisa disso. A confiança esvai-se. É como o tipo que está no teatro, é aclamado e depois começa a ser apupado e a levar com tomates. Quando os nossos adeptos já não nos querem, deixa de fazer sentido. Olhe, comecei eu a levar com os tomates (risos)…
Mas curiosamente, a época de regresso ao Benfica foi a sua melhor em termos individuais!
Foi o regresso que eu sonhava. Melhor marcador, campeão nacional. Mas no ano seguinte parto o pé, e quando a minha figura é fragilizada, as coisas acabaram por regressar. Ainda joguei e marquei, mas com o final da carreira e o passar dos anos, o que vem outra vez? Vem o tipo que jogou no FC Porto, não vem o tipo que regressou, que marcou, que foi campeão… São coisas que sobrevivem pela negativa. Infelizmente para mim.
Chegou a marcar golos ao Benfica pelo FC Porto?
Não, por culpa do Silvino. Tenho a noção clara de que foi ele que permitiu que eu voltasse ao Benfica. Tive duas oportunidades de golo, de cabeça, que o Silvino faz duas defesas incríveis. Se uma dessas bolas entrasse, já não voltava ao Benfica. Era impossível! Se mesmo assim foi difícil, imagine… Depois ainda marquei ao FC Porto, o Vítor Baía foi o melhor guarda-redes português que defrontei e curiosamente aquele a quem mais golos marquei.
É bem recebido sempre que vai ao Porto?
Sempre. Dizem que fui um profissional como deve ser. Valorizam-me. Centram-se no que acharam importante. Nunca vão além disso.
Mas ainda em relação ao Benfica, ainda hoje me questiono: nunca usei o nome do FC Porto para fazer um melhor contrato com o Benfica. Na minha ingenuidade, achei que o Benfica não devia precisar desse dado para me pagar melhor. Hoje questiono se nessa altura o meu procedimento devia ter sido esse. Houve alguns casos assim que nunca se souberam e ninguém foi criticado por isso…
Já na formação, o seu percurso foi invulgar. Começou no Benfica, depois chegou a jogar no Sporting, entretanto anda pelas divisões inferiores e só volta ao Benfica aos 25 anos.
Fui um dos miúdos que apareceu no Benfica na fundação das escolas. Não gostei muito daquilo, e ao mesmo tempo tinha uma modalidade concorrente: na minha escola tinha um professor que era doido por voleibol e eu joguei voleibol durante seis anos como federado. Isso também contribuiu para que deixasse de ir à Luz. Depois acumulei futebol com voleibol, ser juvenil no Cultural da Pontinha era jogar ao domingo, não havia treino nenhum. Um dia jogámos contra o Sporting e o eterno senhor Aurélio Pereira observou-me, a mim e a um colega e levou-me a fazer uma época no Sporting. Depois a meio da época, num jogo com o Benfica, tive uma lesão chata nos adutores e não fiz mais jogo nenhum até ao fim. Depois tive um período à deriva, quer em termos escolares quer de atividade. Estive dois anos sem rumo. Até que entrei na faculdade de desporto, onde conheço a minha atual mulher, acabo por jogar futebol na III Divisão, no Sesimbra, e depois as coisas seguiram um rumo feliz. Era um contexto diferente, o facto de ter começado a jogar a sério mais tarde permitiu-me fazer um percurso escolar e reunir uma série de conhecimentos que não poderiam ser possíveis se tivesse feito o percurso normal de um jogador naquela altura. Poucos ou nenhum o fazia. Fui a tempo de fazer uma carreira boa e ao mesmo tempo foi um trajeto rico em termos escolares, além de passar nas divisões inferiores, que acaba por ser interessante.
Faltou-lhe algum objetivo na carreira?
Faltou um brilharete internacional. Internamente, consegui o que era suposto. Em termos de seleção, não vivi tempos tão felizes. Na altura não estávamos presentes sequer nas grandes competições. A única vez que consegui ir disputar uma grande competição, foi o que se sabe.
O célebre ‘caso Saltillo’. O que se passou afinal? Teve apenas a ver com dinheiro?
Nunca teve a ver com dinheiro, teve a ver com falta de respeito, à antiga portuguesa. ‘Está aqui isto, come e cala’. Primeiro ficou tudo acertado em Portugal; depois, no dia em que a concentração acontece, deparamo-nos com um cenário totalmente oposto. Foi nesse âmbito que as coisas correram mal desde o primeiro dia, não foi pelo número, pelo prémio, pelo pagamento.
E até se ganhou à Inglaterra logo a abrir!
Ganhámos o jogo teoricamente mais difícil, mas o rigor era muito ligeiro, estava tudo desmembrado. Mesmo ganhando um jogo, as coisas não eram sólidas, consistentes. As condições para treinar não têm descrição, o ambiente era de paz podre. Não havia condições.
Para as gerações mais novas, que nunca o viram jogar, como se descreveria enquanto jogador?
Era um jogador muito competitivo, não gostava especialmente de treinar, mas enquanto avançado era muito coletivo. O tipo de jogador que hoje já se vê mais, mesmo avançado ajudava muito defensivamente, trabalhava muito e tentava aproveitar as oportunidades. Não era um jogador extraordinariamente talentoso, mas procurava que as minhas qualidades fossem otimizadas. No jogo aéreo era realmente muito forte, e finalizava bem. Tempo de entrada, leitura da trajetória… Não era jogador de flores, de um contra um, nunca fui. Não me destacava pelo requinte técnico. Era essencialmente um jogador coletivo. E tinha uma grande vantagem: a perna esquerda era quase igual à direita. Dava muito jeito na área.
Tem algum jogo da sua vida?
Um Benfica-FC Porto em casa: ficou 3-1 e marco os três golos, numa fase já de muito poderio portista. E depois o Steaua [2-0, com bis de Rui Águas], um dos jogos que mais valorização trouxe à minha carreira. Meia-final da Taça dos Campeões, chegar à final 20 anos depois…
Como eram os jogos com o FC Porto na altura? Hoje, as pessoas falam de um ambiente muito difícil.
Era pior. Os árbitros eram piores, a violência era maior, a segurança era menor. No Porto o ambiente era sempre mais pesado. Há o episódio do balneário [1990/91], que é incrível mas aconteceu. Foi uma situação singular, bizarra. Não se conseguia respirar! Imagine um Porto-Benfica onde a equipa visitante não consegue entrar no balneário! Tivemos de nos equipar nos corredores. Eram muitos jogadores portugueses e as rivalidades nascem de miúdo. São coisas que são levadas mais emotivamente do que alguém que vem da América do Sul, são coisas que se sentem de maneira diferente. Depois, maus árbitros, corrupção. Agora as condições todas existem, mesmo com as pessoas a falar de mais fora do campo, dentro do campo as coisas são mais normalizadas e melhor arbitradas, sem dúvida.
E tem outros episódios singulares?
O Fernando Couto era um tipo muito chato, provocava, e eu levava com ele em todos os jogos. E batia-lhe também! Mas dava com jeito! Sempre achei que um avançado não se podia amedrontar nem deixar que um central se impusesse. Naquela altura os árbitros permitiam muita coisa. E há uma situação, creio que numa Supertaça [93/94] em que o Mozer é expulso porque tinha batido no Couto: como ele andava sempre à guerra com o Couto, as pessoas viraram-se para ele. Mas fui eu que dei, ele estava inocente – devia ser das poucas vezes! Não foi grande pancada, mas o Couto era cá um ator… e as caneleiras na altura faziam um grande barulho. Aquilo foi num livre, estava tudo no barulho: a bola é metida, eu passo pelo Couto e saio ao encontro da bola. Ouço um apito e lembro-me perfeitamente: ‘Já fui!’ E eu nunca fui expulso na carreira. Mas depois ninguém vinha ter comigo, há ali uma confusão do caraças e entretanto descobri que tinham encontrado o culpado (risos)! Depois no balneário pedi desculpas ao Mozer e disse que fui eu.
Já com 34 anos, faz uma época final no Estrela da Amadora e na Reggiana, de Itália.
Gostava de fazer uma época final para me sentir bem. Saí do Benfica sem qualquer azia, o contrato acabou, fui à minha vida, até porque já não me estava a sentir especialmente bem, apoiado. A idade também acaba por prejudicar e decidi fazer uma época por prazer. Não era ali que ia conseguir, e eles também não queriam que continuasse. No Estrela fiz uma primeira parte boa, ainda voltei à seleção, e depois decidi acabar a carreira em Itália para ter uma experiência fora. Não foi especialmente conseguida, mas interessante na mesma.
Já pensava então seguir a carreira de treinador?
Não, nada. Na altura em que acabo de jogar, pensei ‘ainda bem que acabou’. Já era um peso psicológico enorme. Para mim, o final da carreira foi fácil. Para muitos colegas é um choque, mas para mim foi um alívio. Aquele stress, aquela vivência… Não queria continuar. Depois, com a inatividade, as coisas acabam por se alterar.
Noutras ocasiões chegou já a dizer que não gostava especialmente de jogar futebol.
O futebol para mim era como para o meu pai. Ele dizia muitas vezes que quando se estava a equipar para entrar em campo, era como se estivesse a meter o fato-macaco. E para mim era igual: era a minha profissão, o meu trabalho, mas não é que gostasse muito. Até por isso agora não jogo futebol. Faço a minha corrida sozinho, o meu exercício. Futebol só quando há um pedido especial, um jogo de caridade, a uma coisa dessas vou, mas jogar com amigos não.
O apelido pesou muito na sua carreira?
Sim. Principalmente no primeiro ano de Benfica, pesou muito. Ser filho de alguém que fez alguma coisa de relevante é sempre um problema, nunca uma vantagem. Foi a conclusão clara que tirei enquanto atleta e que tiro enquanto pai. É um estorvo. Não é só por comparações, é um desvalorizar constante da pessoa. ‘Ah, tu és filho do não sei quantos’. Há sempre uma tendência maldosa. Estou a falar mesmo socialmente, ainda por cima com um apelido que não é um apelido normal, era sempre aquilo ‘Ah, por ser filho de não sei quem achas que…’.
Para terminar: quais foram os melhores jogadores com quem jogou? E, já agora, quais os defesas que mais arrepios e dores de cabeça lhe provocavam?
Os melhores: Madjer e João Vieira Pinto. Defesa? Vou dizer um difícil, mas correto: Venâncio, do Sporting. Os outros não merecem que os mencione (risos)!