Aplausos para António Costa

Paradoxalmente, na altura em que o PS comemora por todo o país o ‘défice mais baixo da democracia’, as coisas na ‘geringonça’ ficam mais quentes do que nunca.

Porquê?

Porque o défice de 2,1%trouxe ao de cima as enormes diferenças entre PS, PCP e BE.

Aquilo que para o PS é uma grande vitória, pois credibiliza o Governo perante Bruxelas, para a extrema-esquerda é uma grande derrota, pois confirma a rendição do Governo a Bruxelas.

Mas outros dois factos aqueceram o ambiente: a venda do Novo Banco, que a extrema-esquerda queria ver nacionalizado, e as críticas do BCE e da Comissão Europeia à ausência de reformas estruturais.

A venda do Novo Banco quase a custo zero é uma espinha que a extrema-esquerda dificilmente engolirá.

Até pessoas mais à direita como Vítor Bento, Manuela Ferreira Leite ou Pedro Santana Lopes achavam que era preferível nacionalizar o Novo Banco a vendê-lo ao desbarato.

Porventura esqueceram-se das regras europeias em matéria de concorrência.

Pior ainda: o Estado ficará com 25% do Novo Banco para repartir os prejuízos mas não terá direito a mandar.

Tratou-se de uma rendição em toda a linha.

Finalmente, houve a referida exigência de reformas estruturais por parte das instituições europeias.

Esta avalancha de acontecimentos deixou a extrema-esquerda positivamente em estado de choque.

Se o défice tão baixo não lhe agradou, a venda do Novo Banco ainda menos e a exigência de mais reformas por parte de Bruxelas fez transbordar o copo.

Significativamente, Jerónimo de Sousa e Catarina Martins atacaram no passado fim de semana a União Europeia como jamais o tinham feito e defenderam com uma veemência nunca vista a saída de Portugal do euro.

E na 2.ª feira a mesma Catarina Martins afirmava que este Governo não difere muito do anterior.

É de assinalar aqui a firmeza de António Costa.

Tendo dito na oposição que iria enfrentar Bruxelas, percebeu no Governo que tal seria um suicídio.

Vendo o exemplo de Tsipras — que começou a falar grosso e depois teve de recuar em toda a linha, dando uma cambalhota humilhante –, Costa entendeu que não poderia ser o Tsipras português.

Ponderou de que lado estava a força – e optou por aí.

Está a fazer tudo o que a Europa quer, porque sabe que a extrema-esquerda não tem margem de manobra.

A grande jogada de António Costa foi amarrar o PCP e o BE a um acordo que eles dificilmente poderão romper.

E se o fizerem, e formos para eleições, será o PS o grande beneficiado, obtendo talvez uma maioria absoluta.

Será este, no limite, o desejo de António Costa.

Neste momento, o grande problema do país é o bloqueamento das reformas estruturais.

A Europa exige-as, mas a extrema-esquerda recusa-se a aceitá-las.

Ora o Governo não pode ficar eternamente refém desta situação.

Sem reformas a economia não crescerá.

 António Costa sabe que tem de as fazer, e Marcelo Rebelo de Sousa já veio dizer o mesmo.

Portanto, será esta a próxima grande batalha.

E aí duas coisas podem acontecer: ou o PCP e o BE, embora sob protesto, continuarão a engolir todos os sapos que o Governo lhes der a comer – ou a coligação parte-se, vamos para eleições e o PS ganha.

Será este, repito, o cenário preferido por António Costa.

Ele sabe que, com estes parceiros, já não pode ir muito mais longe.

O PCP e o BE deram-lhe aquilo de que  necessitava – a possibilidade de ser Governo – e daqui para a frente ele quererá ficar com as mãos livres para aplicar o seu programa.

Adiante-se que, neste objetivo, Costa terá sempre a solidariedade de Marcelo Rebelo de Sousa.

Ambos estarão juntos para provocar eleições, afastar o Partido Comunista e o Bloco de Esquerda da área do poder, e continuar a obedecer a Bruxelas.

Quanto à direita, para já, não conta nada nesta guerra.

Tudo se passará entre António Costa e o Presidente da República.

E os próximos meses serão decisivos.

 

P.S. – Independentemente das limitações europeias, a venda do Novo Banco foi uma decisão sensata. Advogavam certas eminências que, se o preço não fosse convidativo, o Estado deveria ficar com o banco para o valorizar e vender melhor. Mas onde é que isso se viu? Um banco quando entra em plano inclinado dificilmente recupera. Porque fica em causa aquilo que leva as pessoas a depositarem nele as suas economias – a confiança. Veja-se o BPN. Vejam-se as dificuldades do BCP, apesar das contínuas injeções de capital. E veja-se, na CGD, a ‘grande qualidade’ da gestão estatal. Às vezes as pessoas parecem não ter memória. Ao menos António Costa tem a vantagem de ser um homem com os pés na terra.